Governo dá como certo tarifaço de 50% e ‘longo período que vai até a eleição’

Sem sinais de que os Estados Unidos estão dispostos a negociar, o governo brasileiro se prepara para “um longo período que começa em primeiro de agosto e vai até a eleição de 2026″, segundo fontes do alto escalão ouvidas pelo JOTA. A aplicação da tarifa de 50% a partir desta sexta-feira (1/8) é dada como certa, e há quem diga nos gabinetes em Brasília que não será surpresa se o presidente Donald Trump tiver guardado outras medidas na manga para depois desta data.

Por mais que o Brasil esteja disposto a negociar a pauta econômico-comercial, a Casa Branca ainda não abriu os canais necessários, como fez com os seis países com quem chegou a acordos, ou com os outros quase 20 com quem continua negociando. Todos estarão sujeitos a uma nova tarifa — e o novo normal será a de um patamar mínimo de 15% — e terão de dobrar-se a exigências americanas. Mas, no caso brasileiro, excepcionalmente, foi incluído um jabuti político-institucional.

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O Brasil insiste que pode negociar toda a pauta comercial, se necessário for. Mas interferir no processo de Jair Bolsonaro, como quer Trump, é questão inegociável, pois em envolve a institucionalidade, a autonomia dos Poderes, a democracia e a própria soberania nacional. O impasse, na avaliação de algumas fontes na Esplanada dos Ministérios ao JOTA, está no fato de a carta do Republicano, enviada ao Brasil em 9 de julho, não dar margem a caminhos alternativos que permitam a um dos dois lados recuar.

“O que Trump está fazendo agora é dizer claramente isso: o processo eleitoral brasileiro de 2026 depende de duas coisas, o Bolsonaro concorrer e as big techs ficarem com a mão livre para fazer o que quiser. É essa é a questão colocada”, diz uma fonte.

Este era, desde a posse de Trump em janeiro, um dos maiores temores do governo Lula, mais até do que as esperadas (talvez não tão altas) tarifas em si.

Ao conversar com o secretário de Comércio americano, Howard Lutnick, na semana passada, o vice-presidente, Geraldo Alckmin, dispôs-se a negociar, falou em aumentar o comércio entre os dois lados e ampliar a integração econômica com mais investimentos. Mencionou até um acordo para evitar a bitributação. A primeira tentativa neste sentido ocorreu em 1967, quando os dois países até chegaram a um entendimento, que esbarrou no Congresso americano e nos próprios interesses brasileiros.

Ainda assim, nem Alckmin, nem ninguém, teve resposta. O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, está nos Estados Unidos para outra agenda na ONU. Mas estaria pronto a voltar à mesa, se for chamado. Esses foram os recados que o chanceler enviou ao governo americano por canais formais e informais. Mas o caso está nas mãos da Casa Branca, que concentra o poder da canetada. Lula disse na última sexta-feira que Alckmin todos os dias tenta ligar para alguém atrás de interlocução.

É verdade que o governo brasileiro não tem muitas afinidades com o governo americano, mas os canais existem. Basta lembrar de dois episódios importantes já nesta gestão Trump. O primeiro foi o dos imigrantes enviados de volta ao país acorrentados. “Não foi preciso escalar isso em momento algum”, lembra esta fonte, que afirma que esta semana chega ao Brasil o 15º voo de brasileiros extraditados sem maiores problemas. A própria tarifa de reciprocidade de 10% aplicada sobre o Brasil desde abril vinha sendo negociada em alto nível. “Já tivemos temas bilaterais muito importantes e conseguimos acomodá-los. Não existe contencioso que justifique gabinete de crise”, diz.

A questão é que desde 9 de julho houve uma mudança de chave. Existe, dentro do governo, uma avaliação interessante de que foi a partir desta data que a administração Trump criou duas trilhas de negociação. A da troca da tarifa de 50% por Bolsonaro e a da abertura do processo de investigação de práticas de comércio desleais a partir da seção 301. Ambas teriam em comum a questão das plataformas.

Trump avisou no domingo que não pretende prorrogar o prazo para a aplicação da taxa de reciprocidade para nenhum país. Nem para o Brasil. Lutnick também já havia afirmado horas antes que não haveria prorrogação. Ele, no entanto, disse que os Estados Unidos estavam dispostos a negociar mesmo depois deste prazo. Para a China, contudo, espera-se um adiamento de mais 90 dias. Mas aí é a China.

Até a União Europeia cedeu. Fechou um entendimento preliminar que prevê a taxação de seus produtos pelos EUA em 15%. Não são os 30% prometidos inicialmente, é verdade. Mas fez várias concessões, como a de se comprometer a compra US$ 750 bilhões em energia dos americanos para substituir o gás russo até 2028. E a investir no país US$ 600 bilhões a mais do que o previsto anteriormente (na mesma linha do que fez com o Japão, de quem arrancou a promessa de investimentos de US$ 550 bilhões). Além disso, ainda que automóveis e produtos farmacêuticos tenham sido “contemplados” com a tarifa de 15%, continua valendo a de 50% para aço e alumínio. Bebidas, tema de grande interesse da UE, ficou para ser discutido ainda.

Já nas primeiras horas desta segunda-feira, o primeiro-ministro da França e a extrema direita não pouparam críticas aos termos divulgados para o acordo.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, disse que foi o melhor acordo que conseguiu. Trump, que a recebeu no seu campo de golfe na Escócia, afirmou que foi o maior acordo de todos os tempos. Ainda há muitos detalhes a serem discutidos e revelados. E, como se sabe, todos os acordos são confidenciais. O que tem sido publicado, em geral, é a leitura que os EUA faz deles.
O quadro vai exigir medidas que contemplem, pelo menos em um primeiro momento, os setores mais afetados, que não têm condições de desviar as suas exportações para outros mercados.

Nesta semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai se debruçar sobre um leque de medidas que lhe serão entregues pela equipe econômica para compor o plano de contingência que está sendo desenhado para enfrentar o tarifaço, que, até onde se sabe, tem prazo para começar, mas não para acabar. A ideia é evitar que elas tragam mais pressão por mais gastos fiscais. Elas estão sendo tratadas no governo como “válvulas de escape”, segundo um interlocutor. Por enquanto, fala-se em evitar retaliações. Mas elas estarão sobre a mesa do presidente para o caso de a situação se agravar.

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