Por unanimidade, a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) decidiu que as autoridades públicas devem observar, em suas manifestações oficiais, as diretrizes impostas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e dos órgãos técnicos do Ministério da Saúde, a respeito da divulgação de informações científicas sobre a pandemia da Covid-19. A decisão também determina que as autoridades devem assegurar a publicação de orientações e indicações sobre a necessidade imprescindível de isolamento social nos canais oficiais do governo federal. Leia aqui a decisão na íntegra.
Para João Paulo Pirôpo de Abreu, relator do recurso no TRF1, ficou demonstrado que as autoridades do governo emitiram manifestações contraditórias quanto à gravidade da pandemia, o que gerou insegurança e desinformação na sociedade, comprometendo a eficácia das medidas sanitárias recomendadas pelos órgãos de saúde.
A ação foi ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) em 2020. Nela, o órgão afirmava que a União, por meio de manifestações do então presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), e da campanha publicitária “O Brasil Não Pode Parar”, difundia mensagens contraditórias que minimizavam a gravidade da crise sanitária, enfraqueciam o isolamento social e colocavam em risco a saúde da população, incluindo o risco de genocídio indígena no Pará.
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Por isso, requereu, em sede de tutela de urgência, que a União determinasse às autoridades públicas a observância das diretrizes da OMS e dos órgãos técnicos e científicos do Ministério da Saúde em suas manifestações, bem como assegurasse a publicação de orientações sobre a necessidade do isolamento social nos canais oficiais do governo federal e no perfil do X (antigo Twitter) do presidente da República.
Os pedidos do MPF foram rejeitados pela 2ª Vara Federal da Seção Judiciária do Pará (Belém), ainda em 2020, sob o argumento de que não caberia ao Poder Judiciário interferir na formulação de políticas públicas e na liberdade de expressão do presidente da República e de seus auxiliares. O órgão então sustentou que a União tem “o dever constitucional de adotar medidas baseadas em evidências científicas para combater a pandemia da Covid-19 e que a postura do governo federal, ao minimizar a gravidade da crise sanitária, gera desinformação e prejudica a população”.
Sendo assim, o MPF solicitou a reforma da sentença para que fossem determinadas providências que garantissem a correta informação à sociedade. A União, por outro lado, defendeu a inexistência de competência dos órgãos governamentais para administrar redes sociais privadas do presidente da
República, bem como a impossibilidade de responsabilização do Poder Público por manifestações pessoais.
Além disso, alegou que não há prova de descumprimento de seu dever institucional de divulgar informações técnicas sobre a pandemia, além de argumentar que a imposição judicial do conteúdo a ser veiculado violaria a separação dos poderes e a liberdade de expressão.
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Segundo o relator do recurso no TRF1, a Lei 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus, determina expressamente que quaisquer ações do poder público devem ser fundamentadas em evidências científicas e informações estratégicas em saúde. Por isso, destacou a necessidade de garantir que as manifestações das autoridades federais estejam alinhadas a esses preceitos, a fim de evitar a propagação de informações desencontradas que possam comprometer a adoção de medidas sanitárias eficazes.
Contudo, em relação à obrigatoriedade de publicações no perfil pessoal do presidente da República em redes sociais, Abreu entendeu que tal pedido não comporta acolhimento. Na avaliação dele, apesar da relevância do debate acerca da natureza das publicações feitas em perfis pessoais de agentes públicos, há entendimento consolidado de que redes sociais privadas não podem ser equiparadas a canais institucionais do governo, não cabendo assim ao Judiciário determinar a veiculação de conteúdos específicos nesses espaços.
“Dessa forma, observa-se a necessidade de assegurar o direito à informação correta e respaldada em evidências científicas, bem como o dever do Estado de garantir a transparência na comunicação oficial”, destacou o magistrado.
O processo tramita sob o número 1010805-66.2020.4.01.3900.