O Partido Verde (PV) protocolou no Supremo Tribunal Federal (STF), nesta terça-feira (15/7), uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra o art. 29, da Lei federal 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), que prevê a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas (PJs) pela prática de atos contrários à Administração Pública. O dispositivo preserva as competências do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), do Ministério da Justiça e do Ministério da Fazenda para processar e julgar fato que constitua infração à ordem econômica. Para o partido, a lei acaba por permitir a sobreposição de competências sancionadoras por diferentes órgãos da Administração e a subsunção de uma mesma conduta em diferentes tipos infracionais, o que viola a Constituição e gera insegurança jurídica. O ministro Luiz Fux é o relator da ADI 7846.
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A sigla afirma na petição que o art. 29, ao buscar estabelecer punições a atos que venham a ferir os “corolários administrativos”, deixou de garantir o caráter integrativo e harmônico dos múltiplos regimes jurídicos de responsabilização das pessoas jurídicas, violando diversos princípios constitucionais e impondo inefetividade aos mecanismos sancionadores empregados.
Para o PV, a controvérsia ostenta evidente natureza constitucional, uma vez que sua aplicação, na prática, tem ocasionado multiplicidade sancionatória advinda de diferentes entidades com competência para aplicação de sanções de direito administrativo, em razão dos mesmos fatos e em face das mesmas pessoas.
“No caso em apreço, a questão que se põe é também saber qual ou quais das possíveis interpretações do dispositivo impugnado estão amparadas pela Constituição – e qual ou quais não estão, devendo ser extirpadas do ordenamento”, diz em trecho da ação. Na visão do partido deve-se excluir da ordem jurídica a interpretação conflitante com o princípio do ne bis in idem – “não incorrer duas vezes no mesmo” –, esclarecendo-se o campo de alcance da ressalva de competências administrativo-sancionatórias.
Na ação, o partido alega que, ao estabelecer que as competências do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), do Ministério da Justiça e da Fazenda não são excluídas pela atuação da Controladoria-Geral da União (CGU), a Lei federal 12.846/2013 permite que os mesmos fatos considerados ilícitos e qualificados também como infrações à ordem econômica sejam analisados e julgados por diferentes órgãos estatais de controle, mesmo que isso resulte em decisões distintas e em acúmulo de sanções contra a mesma pessoa jurídica.
De acordo com a sigla, o dispositivo questionado pode ser interpretado, por exemplo, no sentido de que, ainda que uma empresa celebre acordo de leniência com a CGU no âmbito administrativo, o Cade, o Ministério da Justiça ou da Fazenda poderiam instaurar novos processos sobre os mesmos fatos, desde que os considerem ofensivos à ordem econômica. Para o PV, isso representaria a desconsideração do acordo previamente firmado com outro ente da Administração Pública e, além disso, a evidente ofensa à vedação constitucional ao bis in idem.
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“A interpretação inquinada viola regras e princípios constitucionais da moralidade, da segurança jurídica, da confiança legítima e da eficiência, como também propicia o surgimento de antinomia e paradoxos normativos, vindo a resultar numa aplicação errática e tumultuária do direito sancionador, instalando verdadeiro caos normativo e dificultando, por conseguinte, que a norma logre a finalidade almejada pelo legislador, qual seja, a de remediar atuações contrárias à Administração”, escrevem os advogados do PV Vera Lúcia da Motta, Lauro Rodrigues de Moraes Rêgo Júnior e Caio Henrique Camacho Coelho.
O partido ainda argumenta que a atuação disfuncional gera insegurança jurídica e fulmina o princípio constitucional da eficiência administrativa, sobretudo porque há atuações concomitantes das entidades encarregadas da apuração dos ilícitos, sem que se empreguem esforços reais de coordenação entre elas.
A sigla defende que sanções de mesma natureza aplicadas dentro da própria estrutura administrativa federal de anticorrupção – como no caso da sanção firmada em acordo de leniência pela CGU e da sanção imposta pelo Cade – não podem ser repetidas por força dos mesmos fatos já sancionados, em benefício da “unidade da ordem jurídica”, expressão da soberania nacional.
Nesse sentido, defende que a responsabilização nas instâncias administrativas deve se adequar às balizas constitucionais, repercutidas em nível legal, que viabilizem o exercício coerente e razoável das competências sancionatórias, evitando punições redundantes decorrentes dos mesmos fatos.
Para o PV, é “a interpretação dos mecanismos estatais de controle da Administração Pública não pode ser tal que revigore aquele cenário ancestral, indesejado e repudiado, de insegurança gerada pela ausência de um monopólio a quem cabe dizer o direito. É inadmissível tolerar que o sistema jurídico atual se constitua em um cenário no qual essa mesma insegurança viceje, que emule verdadeira competição entre autoridades públicas, cada uma engajada numa disputa reputacional por deter o poder superior e maiúsculo, em contraste com a solução pacífica dos conflitos, um dos princípios da República Federativa do Brasil, nos termos do art. 4º, da Constituição Federal”.
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Desse modo, a legenda solicita ao STF que atribua ao art. 29 da Lei 12.846/2013 uma interpretação conforme a Constituição, para que se reconheça que as competências do Cade e dos Ministérios da Justiça e da Fazenda para processar e julgar atos que constituam infração à ordem econômica não alcançam a pessoa jurídica que responder ou houver respondido a processo sancionatório perante a CGU pelo mesmo fato, sob pena de haver sobreposição de sanções que ofenda o princípio de ne bis in idem.
Também pede que seja determinada a suspensão nacional dos procedimentos administrativo-sancionatórios em trâmite no Cade, no Ministério da Justiça e no Ministério da Fazenda, naquilo em que forem redundantes – mesmos sujeitos e mesmos fatos ilícitos – com procedimentos conduzidos pelos órgãos de controladoria com base na Lei Anticorrupção, intimando-se as autoridades competentes para que adotem as medidas adequadas à sua efetivação.
Por fim, requer a procedência da demanda, no mérito, para que seja firmado o entendimento de que o bis in idem administrativo-sancionatório é inconstitucional, conferindo-se interpretação conforme a Constituição ao art. 29 da Lei 12.846/2013.