Em 2025, celebram-se os 35 anos da aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e, também, da ratificação da Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU pelo Brasil. O ano coincide, ainda, com a publicação do relatório de revisão do país, realizado pelo Comitê dos Direitos da Criança da ONU, que analisou e emitiu recomendações ao Estado brasileiro em relação aos seus compromissos assumidos no âmbito da convenção.
Trata-se, portanto, de um momento central e simbólico para refletirmos sobre o estado atual da implementação do ECA e da garantia dos direitos de crianças e adolescentes no Brasil.
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A origem desse compromisso remonta ao final da década de 1980, quando um novo olhar sobre os direitos de crianças e adolescentes foi consolidado no artigo 227 da Constituição Federal.
A norma estabelece a doutrina da proteção integral, com base na responsabilidade compartilhada entre família, Estado e sociedade de garantir os direitos de crianças e adolescentes e no seu reconhecimento como sujeitos de direito. Há aqui, portanto, uma ruptura com os antigos Códigos de Menores, que entendiam crianças e adolescentes como objetos da intervenção parental e estatal.
A adoção dessa renovada perspectiva foi resultado de intensos esforços da sociedade civil, que, nos anos seguintes, conquistou a aprovação do ECA. A legislação reafirma a prioridade absoluta dos direitos de crianças e adolescentes inscrita na Constituição, com base no reconhecimento de que eles devem receber proteção em quaisquer circunstâncias, ter preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas e na destinação privilegiada de recursos públicos em áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.
Ao longo dos anos, o ECA foi atualizado e complementado com outras legislações, e contou com muitos avanços em temas como o sistema socioeducativo (Lei do Sinase) (Lei 12.594/2012), a proibição do uso de castigos físicos e tratamentos cruéis ou degradantes na educação de crianças e adolescentes (Lei Menino Bernardo) (Lei 13.010/2014), a garantia de direitos e proteção prioritária da primeira infância (Marco Legal da Primeira Infância, Lei 13.257/2016) e a proteção e atendimento de crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de violência (Lei 13.431/2017).
Apesar dos avanços normativos, é urgente garantir a adequada realização desses direitos. Considerando que o ECA incorpora os princípios da Convenção sobre os Direitos da Criança, vale recuperar os principais pontos de atenção formulados pelo Comitê dos Direitos da Criança para a revisão periódica do Brasil, ocorrida em maio de 2025.
No relatório final, o Comitê enfatizou áreas nas quais o Estado brasileiro deve tomar medidas urgentes, como a não discriminação, o direito à vida, à sobrevivência e ao desenvolvimento, a saúde de adolescentes, o impacto das mudanças climáticas e a administração da justiça juvenil.
Em relação às mudanças climáticas, o comitê recomendou que o país assegure a participação das crianças na implementação das metas e compromissos que cada país assume para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa e se adaptar aos efeitos das mudanças climáticas, chamada de segunda Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês). Outra recomendação relevante é a de ampliar a conscientização das crianças para as mudanças climáticas e desastres naturais, incorporando esses temas ao currículo escolar e à formação de professores.
Além disso, o comitê emitiu recomendações em relação aos direitos de crianças no ambiente digital, com destaque para a implementação efetiva da Resolução 245/2024 do Conanda e para a elaboração e adoção, com urgência, de uma Política Nacional de Proteção dos Direitos de Crianças e Adolescentes no Ambiente Digital.
O comitê ainda destacou a importância do Estado brasileiro se comprometer com a proibição do uso de dados pessoais de crianças em sistemas de inteligência artificial e a adoção de medidas que protejam as crianças contra riscos online, como o acesso a jogos de azar, apostas e a publicidade direcionada ao público infantil.
O relatório também enfatiza que o Estado brasileiro deve dedicar atenção especial à alocação de recursos para assegurar que o processo orçamentário inclua uma perspectiva baseada nos direitos das crianças, tendo em vista que, sem o investimento adequado em áreas como saúde, alimentação e educação, o desenvolvimento de políticas públicas voltadas às infâncias e adolescências não se realiza.
No ano em que celebramos marcos fundamentais, é preciso empregar esforços adicionais na defesa e reafirmação dos direitos estabelecidos. O ECA é uma legislação indispensável e estratégica para a efetivação dos direitos de todas as crianças e adolescentes. Mais do que a base, é a bússola que aponta caminhos para a efetivação desses direitos, inclusive em temas contemporâneos como a crise climática e o ambiente digital.
Por isso, não basta celebrar a legislação: é preciso defendê-la e aplicá-la com coragem e consistência. Comemorar o aniversário do estatuto é, sobretudo, um chamado à ação para reafirmar o compromisso coletivo com as múltiplas infâncias e adolescências brasileiras. Defender o ECA é defender um país mais justo, mais humano, mais democrático e livre das violências contra crianças e adolescentes.