As plataformas digitais redefiniram a maneira como empresas e consumidores se relacionam. O crescimento econômico e os ganhos em produtividade estão diretamente ligados ao uso intensivo das tecnologias na maior parte dos setores da economia. O surgimento de marketplaces e aplicativos de diversos serviços resultou em novas dinâmicas e formas de organização da sociedade, muitas vezes transnacionais, que são verdadeiros desafios para os órgãos reguladores.
Com a digitalização da economia e o surgimento de novos modelos de negócio, as empresas de tecnologia e plataformas digitais são direcionadoras de tendências e consumo, estando presentes na vida cotidiana da população em geral. Junto com companhias de semicondutores, figuram entre as instituições mais valiosas do mundo.
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Diante desse cenário complexo, marcado pela rápida mudança, inovação tecnológica e pela concentração de poder econômico, como encontrar um equilíbrio entre incentivar a inovação e proteger a concorrência, evitando as condições de domínio abusivas?
A dificuldade em estabelecer um ambiente competitivo está justamente nas características econômicas específicas das plataformas digitais, com novas formas de geração de valor e estruturas diferentes do modelo tradicional, como mercados de múltiplos lados e a coleta e tratamento de dados estratégicos potencializados por inteligência artificial como principal fator que proporciona a relação de domínio das companhias. Isso afeta diretamente a aplicabilidade dos recursos habituais do direito concorrencial, exigindo reflexão para estes novos desafios.
Ou seja, os instrumentos tradicionais de análise de um mercado justo e de concorrência saudável não funcionam tão bem para promover a eficiência em mercados digitais, podendo limitar a efetividade de tais intervenções, uma vez que tais ferramentas podem não estar sintonizadas com as dinâmicas competitivas e particularidades dos modelos de negócios das plataformas digitais que por um lado produzem eficiência, mas por outro, podem gerar grande concentração de mercado.
Isto porque muitos atos de concentração inclusive não devem sequer ter sido submetidos à apreciação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) considerando os critérios formais de notificação adotados pela norma vigente.
Ao mesmo tempo, importante destacar que o número de casos envolvendo plataformas digitais que chegaram ao Cade aumentou significativamente nos últimos anos, ocupando espaço de discussão relevante e algumas posições importantes da autarquia sobre procedimentos administrativos foram adotadas e podem ser consideradas como referências a possíveis infrações à ordem econômica em que empresas de tecnologias estiveram envolvidas em alguma medida.
Novas propostas
Desde o ano passado, vemos algumas iniciativas para tentar endereçar a deficiência de um arcabouço regulatório mais adequado frente aos desafios que se apresentam, como a Tomada de Subsídios 1/2024 da Secretaria de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda (SER).
A proposta teve como objetivo obter contribuições da sociedade sobre a regulação econômica e concorrencial das plataformas digitais no Brasil, considerando a Lei de Defesa da Concorrência existente, investigando se uma nova regulação seria necessária, quais aspectos deveriam ser objeto de regulação e como lidar com os desafios impostos pela nova realidade da economia digital, diante de possíveis barreiras à entrada de novos concorrentes.
“Na consulta pública, recebemos mais de 300 manifestações de 72 respondentes. Alguns defendem uma regulação ex ante [isto é, que se antecipa a um problema concorrencial] para as plataformas digitais, enquanto outros acreditam que a legislação brasileira atual já é suficiente”, afirmou Ravvi Augusto de Abreu Coutinho Madruga, coordenador-geral de Promoção da Concorrência.
Após o período de consulta, o Ministério da Fazenda divulgou em outubro passado o relatório Plataformas Digitais: Aspectos Econômicos e Concorrenciais e Recomendações para Aprimoramentos Regulatórios no Brasil, com análises e sugestões para a implementação de políticas voltadas a promover a concorrência no ambiente digital brasileiro.
Como a proposta do Cade ser o órgão responsável pela regulação concorrencial das plataformas ou então que seja feita uma mudança organizacional, com a criação de uma unidade especializada dentro do Cade.
Cruzamento de dados
Recentemente a autarquia divulgou que tem um aporte de R$ 20 milhões para efetivar um plano de transformação digital, que inclui automação de sessões, notificações autopreenchidas e novos recursos de segurança. As novas ferramentas da atuação antitruste abrangem ainda uma inteligência artificial, chamada de DEIA, a estruturação de diferentes bases para cruzamento de dados e um sistema de varredura da web.
Antes disso, a discussão no país sobre as normativas em relação à regulação econômica dos mercados digitais estava limitada ao PL 2768/2022, inspirado principalmente no Digital Markets Act (DMA) da União Europeia, em trâmite na Câmara dos Deputados. Uma das principais críticas às diretrizes do PL é ser uma única regulação aplicável genericamente diante de mercados e serviços que apresentam dinâmicas tecnológicas e competitivas muito diversas.
Mas já existe uma variedade de abordagens regulatórias, que se diferenciam significativamente em seus instrumentos e escopo de aplicação, que convergem para a introdução de novas regras híbridas, situadas entre o direito antitruste tradicional e a regulação econômica. Faz parte de um esforço de alinhar sua regulação com as melhores práticas internacionais, sem perder de vista as peculiaridades do mercado nacional.
Reformas legislativas
No campo do direito concorrencial, tudo indica para avanços na atualização das normas brasileiras de antitruste para incluir novos parâmetros e abordagens para o setor digital, levando em conta as especificidades do ambiente online. Isso abrange reformas legislativas para a criação de novas ferramentas, capazes de solucionar problemas onde os recursos do antitruste tradicional não são mais suficientes.
Como ainda há um descompasso entre os mecanismos atuais de promoção da concorrência no Brasil e as novas dinâmicas dos mercados digitais, é necessário que haja soluções específicas, com ajustes nos mecanismos de defesa da concorrência, considerando tanto as demandas globais quanto as especificidades nacionais.