Órgão responsável por fiscalizar a gestão das finanças públicas, o Tribunal de Contas da União (TCU) ofereceu um exemplo anedótico dos problemas da gestão fiscal no país. Uma portaria assinada pelo presidente da Corte de Contas, ministro Vital do Rêgo, qualifica o órgão como Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação (ICT).
Para além do questionamento sobre a lógica de se enquadrar um órgão de controle dessa forma, a medida na prática viabiliza mais uma brecha de gastos fora dos limites legais, pois a Lei Complementar 200, que criou as novas regras fiscais, retira da conta do teto as ICTs. Esse dispositivo tem levado órgãos a buscarem essa qualificação, de forma a diminuírem as amarras para gastos, especialmente nos casos em que há possibilidade de captação própria de recursos pelos órgãos.
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A decisão assinada por Vital do Rêgo tem causado polêmica nos bastidores do próprio TCU. Fontes tratam a decisão como uma “vergonha”, especialmente porque o órgão tem jogado duro contra práticas que busquem driblar restrições dos marcos fiscais, como nos episódios do Vale Gás e do Pé-de-Meia, sem falar nos processos mais antigos sobre dribles em regras fiscais.
A “proliferação” de ICTs é uma das preocupações no acompanhamento do arcabouço fiscal. O debate sobre a Fundação IBGE+ e a decisão da AGU de, em dezembro do ano passado, também se designar como ICT, mesmo movimento feito pelo TCU agora, são alvos de avaliação da área técnica do próprio tribunal.
Procurada, a assessoria da Corte de Contas disse que a qualificação de ICT “tem como objetivo fortalecer sua atuação técnica por meio do estímulo à pesquisa aplicada, à inovação e à modernização dos métodos de controle”. A nota de resposta ao JOTA destaca que a medida está alinhada com a legislação vigente “e não tem relação com flexibilização de regras fiscais, tampouco afeta o compromisso do tribunal com a responsabilidade fiscal e a integridade na gestão dos recursos públicos”.
O TCU ainda diz que “o Instituto Serzedello Corrêa (ISC), escola superior do TCU, já atua como uma verdadeira plataforma de produção de conhecimento voltada para toda a administração pública”. “A adesão ao regime jurídico das ICTs apenas reconhece formalmente uma realidade já consolidada e permitirá ampliar parcerias voltadas à melhoria da gestão pública”, completa.
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Do ponto de vista da execução das contas públicas, o potencial de impacto não deve ser relevante. Afinal, para 2025, o orçamento do TCU é de R$ 3,1 bilhões. No ano passado, o órgão sequer executou todo seu limite de R$ 2,9 bilhões.
A questão é mesmo o precedente. Se o próprio xerife das contas públicas está dando um jeito para ficar menos amarrado para gastar, ainda que negue essa intenção, o que esperar dos demais órgãos? Com a credibilidade fiscal do país sob permanente questionamento, o exemplo também conta. E muito.