‘Você me pede na carta que eu desapareça’: Lula recebeu mensagem mais agressiva de Trump

Além do Brasil, outros 21 países receberam cartas com ameaças de tarifas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, nesta semana. Mas o Brasil foi único em cinco aspectos, todos negativos. Essa singularidade ressalta o caráter político da medida e, para o bem e para o mal, coloca em relevo o papel do deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e as posições públicas do presidente Lula contra o mandatário americano. 

Começando pelo começo: os outros 21 chefes de Estado receberam cartas que começavam ressaltando a “grande honra” de Trump em escrever-lhes. A de Lula começa com elogios a Jair Bolsonaro e críticas à “caça às bruxas” contra o ex-presidente.

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No caso dos outros países, o aumento de tarifas é apresentado como necessário para equilibrar “persistentes déficits” e começa com um convite para participar da “extraordinária economia dos Estados Unidos”. Na mensagem para Lula não há convite nenhum, e o aumento de tarifas é apresentado desde o início como uma reação, em parte, a “insidiosos ataques às Eleições Livres” e à Liberdade de Expressão de americanos nas plataformas digitais.

Um terceiro fator de diferenciação importante do Brasil em relação às outras 21 nações é que o país estava na alíquota de 10%, a mais baixa entre os mais de 180 países sobretaxados. Em abril, Trump havia suspendido as tarifas pelo prazo de 90 dias, prazo que se encerraria nesta quarta-feira (9/7). As novas cartas comunicam que a nova data para cobrança da sobretaxação é em 1º de agosto, o que dá mais tempo de negociação para o presidente americano. Da tarifa mais baixa, o Brasil saltou para a mais alta do grupo, de 50%, o que indica uma decisão motivada por fatores externos. Laos e Myanmar aparecem logo em seguida, com 40%.

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A quarta diferença é de fundo: entre os ameaçados, só com o Brasil os EUA têm superávit comercial, mesmo que Trump cite, erroneamente, “déficits insustentáveis”. O balanço real de comércio entre os dois países, em que os americanos tiveram saldo de R$ 300 milhões em 2024, explica por que o Brasil estava fora da linha de tiro até agora, beneficiado pela menor faixa de tarifas (10%) anunciadas em 2 de abril, o “Liberation Day”. E, de uma hora pra outra, o país foi contemplado com a maior de todas as tarifas nesta leva: 50%. 

Por fim, só contra o Brasil foi anunciada uma investigação sobre práticas comerciais lesivas aos interesses americanos.   

A exclusividade brasileira é ainda mais flagrante pela uniformidade quase cômica das cartas enviadas aos outros países, um copia-e-cola tão flagrante que a chefe de governo da Bósnia e Herzegovina, a única mulher entre os destinatários, é saudada como “Mister”. Em geral, as únicas diferenças nos outros textos foram o nome do país e a taxa aplicada. 

O que explica esse destaque súbito para o Brasil? 

Os detalhes ainda estão confusos, no emaranhado de interesses cortesãos de uma Casa Branca cada vez mais personalista. Mas os indícios públicos e as apurações em andamento apontam para o alinhamento de interesses da extrema-direita nos dois países em um raro momento em que a atenção de Trump se voltou para o Brasil. E, exatamente neste momento, Lula fez o que governantes de diferentes espectros têm evitado: confrontou Trump pessoalmente.   

Se não tem grande interesse pela América do Sul, o presidente americano incluiu o BRICS na lista de ameaças que enxerga ao poder dos EUA, pelas discussões sobre a possibilidade alternativa ao dólar no comércio entre os países. Em janeiro, ele já tinha exigido que o bloco abandonasse qualquer plano de criar uma nova moeda, sob pena de tarifas de 100%. E em meio à reunião do BRICS no Rio de Janeiro, ele ameaçou taxas extras de 10% a países que se alinhassem às “políticas antiamericanas” do grupo. 

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Na segunda-feira (7/7), questionado na cúpula, o presidente brasileiro disse que “nem deveria comentar”. Mas comentou: “Ele precisa saber que o mundo mudou. Nós não queremos imperador(…) Eu acho muito equivocado e muito irresponsável um presidente ficar ameaçando os outros em redes digitais. (…) As pessoas têm que entender que respeito é bom. A gente gosta de dar e gosta de receber. E é preciso que as pessoas leiam o significado da palavra soberania. Cada país é dono do seu nariz”.

Se a declaração não adicionou muito ao que Lula já falava, o tom de antagonismo aberto e reprimenda pessoal em um foro ao qual o presidente americano estava atento pode ter sido um choque para Trump, acostumado ao paparico explícito de líderes de países como França e Reino Unido, mesmo em meio a discordâncias políticas e comerciais.

Era a brecha que o antissistema queria. Rondando os republicanos no Congresso e governo desde o início do “autoexílio”, Eduardo Bolsonaro teve a chance de apresentar o seu caso. 

Fontes no PL garantem, desde antes do anúncio das tarifas, que o filho do ex-presidente encontrou-se com Trump na terça-feira (8/7), um dia depois das declarações de Lula. 

O próprio deputado, que vagou pelo limbo de contatos com o baixo clero na Câmara dos EUA e escondia que senadores que o apoiavam eram estaduais e não federais, não comemorou esse suposto acesso, que perseguia desde a posse de Trump. Perfis próximos a ele, no entanto, telegrafaram nas horas que antecederam o anúncio a iminente colheita da plantação de injúrias a que o filho do ex-presidente se dedicou nos últimos meses, advogando por sanções a autoridades brasileiras.

Seja como for, a centralidade do caso de Bolsonaro na carta e a especial virulência dedicada a um país fora do padrão de todos os outros afetados neste momento apontam para uma decisão política com caráter ideológico e pessoal. 

E esse aspecto é central para o jogo de empurra sobre as tarifas, que desde já movimenta a política e o jogo sucessório. 

Gleisi Hoffmann encapsulou o mote bem-sucedido até aqui do governo nas redes: “Lula quer taxar os super-ricos. Bolsonaro quer taxar o Brasil”. 

Acuados pela reação digital mais nacionalista e patriótica, os bolsonaristas se dedicaram desde o início a responsabilizar Lula pelas tarifas. Nikolas Ferreira tuitou: “A culpa é do Lula” e “Lula ferrou o Brasil”. Tarcísio foi na mesma linha: “Não adianta se esconder atrás do Bolsonaro. A responsabilidade é de quem governa. Narrativas não resolverão o problema”. 

Eduardo, que se encontrou com Trump, deu uma incomum demonstração de modéstia e foi na mesma linha. E terminou seu vídeo nas redes pedindo que “Deus abençoe os Estados Unidos”. O filho do ex-presidente administra agora o ônus e bônus da vinculação ao caso, ganhando força na primária familiar para a Presidência ao mesmo tempo que se desvincula de qualquer culpa por efeitos econômicos negativos. 

Lula, por sua vez, colhe frutos políticos imediatos ao se apresentar como o defensor do país contra ingerências imperiais. Busca, assim, se beneficiar eleitoralmente do impulso patriótico que beneficiou quem se opôs a Trump em outros países. Foi o caso do Canadá, onde as tarifas ressuscitaram o partido liberal. Mas o presidente brasileiro corre o risco de ter de lidar com consequências econômicas reais, o que ainda não tinha acontecido no caso canadense, se as tarifas forem de fato implementadas e mantidas em mais de um ano até a eleição de 2026. 

E Lula também terá de decidir o tom das declarações sobre Trump e rebater críticas que vinculem a decisão americana às suas iniciativas e palavras. Ao menos neste momento, não pretende responder pelo mesmo meio ao presidente americano. O Itamaraty devolveu a carta, por considerá-la ofensiva.

Colaborou: Naira Trindade

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