O CNJ e a detração no Direito Administrativo Sancionador

Instituído pela Emenda Constitucional 45/2004, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) encontra seu rol de atribuições descrito no artigo 103-B da Constituição Federal de 1988. Mais precisamente, o § 4º do referido dispositivo versa sobre as competências que o constituinte reformador entendeu compatíveis com o sistema jurídico-constitucional brasileiro.

A propósito do tema, convém ressaltar que o Supremo Tribunal Federal (STF) foi chamado a aferir a constitucionalidade da proposta de criação de um órgão para controle das atividades do Poder Judiciário. Ao julgar a ADI 3367/DF[1] em 13/4/2005, o Plenário do STF fixou por unanimidade importantes balizas ao declarar o CNJ instituição concorde com a ordem constitucional.

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O relator da aludida ação, ministro Cezar Peluso, ao sintetizar o feixe de competências outorgadas ao conselho consignou que “[…] são duas, em suma, as ordens de atribuições conferidas ao Conselho pela Emenda Constitucional nº 45/2004: (a) o controle da atividade administrativa e financeira do Judiciário, e (b) o controle ético-disciplinar de seus membros”.

É especificamente sobre o segundo tópico que passamos a tratar.

Da Resolução CNJ 135/2011 e da pena de disponibilidade

Até o CNJ editar a Resolução 135/2011, o Direito Administrativo Sancionador pertinente à magistratura contava com o regramento constante da Lei Complementar 35/1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional [Loman), a qual, por consistir em norma aprovada antes da Constituição de 1988, reclamou a necessidade de regulamentação atualizada.

A aludida resolução e o regimento interno do CNJ dispõem sobre a sindicância, a reclamação disciplinar, a representação por excesso de prazo, a revisão disciplinar, o processo administrativo disciplinar e a avocação.

De todo oportuno citar que a Resolução 135 foi objeto de impugnação perante o STF, tendo decidido aquela Corte ser constitucional o ato. Consta da ementa do acórdão da ADI 4.638/DF[2] que “a resolução atacada, ao disciplinar o PAD movido em face de magistrados, encontra-se dentro da atribuição constitucionalmente delineada para o CNJ, de zelar pelo cumprimento dos deveres funcionais dos juízes (CF/1988, art. 103-B, § 4º, I). Igualmente, suas disposições estão materialmente em consonância com o arcabouço constitucional a respeito da matéria”.

Dentre as sanções, por óbvio não houve inovação por parte do conselho, como, aliás, não poderia mesmo ocorrer. Isso porque a Loman já estabelecera o rol das penas aplicáveis, quais sejam: advertência, censura, remoção compulsória, disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço e demissão.

Quanto à disponibilidade, foco central de nossas considerações, convém mencionar que o magistrado apenado com tal reprimenda pode requerer seu aproveitamento ao respectivo tribunal, desde que decorridos 2 (dois) anos de afastamento (artigos 6º, § 1º, da Resolução CNJ 135/2011 e 57, § 1º da Loman).

Com base em tal previsão, até o final do ano de 2023 o Conselho Nacional de Justiça reafirmava a compreensão de que, sancionado com disponibilidade, o magistrado deveria ficar afastado necessariamente pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.

No julgamento do Processo Administrativo Disciplinar 2268-51[3], entretanto, o Plenário do CNJ alterou referido entendimento e fixou ser possível a imposição da disponibilidade por prazos de até 2 (dois) anos.

Conforme consta do voto da relatora, a então conselheira Jane Granzoto, o conselho passou a admitir o afastamento por prazos menores, variáveis dentro do aludido lapso temporal de 2 (dois) anos, a depender da observância “[…] dos princípios constitucionais que norteiam do Direito Administrativo Sancionador, dentre os quais estão a proporcionalidade, a razoabilidade e a individualização da pena”. Na oportunidade, por exemplo, fixou-se o prazo de 60 (sessenta) dias.

A partir de tal realidade fática, impõe-se ao CNJ enfrentar o cenário de juízes afastados das funções judicantes por longos períodos durante o trâmite do PAD, mas que posteriormente recebem a reprimenda de disponibilidade por curto período, de 60, 90 ou 120 dias, por exemplo.

Em outras palavras, cumpre refletir sobre a possibilidade de o magistrado punido com disponibilidade favorecer-se da detração do tempo que ficou afastado para responder ao Processo Administrativo Disciplinar.

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Da detração

A detração é um instituto tipicamente de Direito Penal, cuja principal previsão normativa se encontra no artigo 42 do Código Penal:

“Art. 42 – Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior”.

Constata-se que o dispositivo legal não define o instituto, mas de seu conteúdo normativo é possível identificar a detração como um mecanismo para evitar que, às condenações que impõem restrição ao bem jurídico “liberdade” – pena privativa e medida de segurança –, sejam somados períodos em que o agente já sofrera anterior restrição ao referido direito fundamental.

Nota-se isso claramente quando o CP manda computar, na pena restritiva de liberdade e na medida de segurança, outras sanções que igualmente resultam na restrição da liberdade do apenado: “prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação”.

Em outras palavras, o propósito do mencionado artigo 42 do Código Penal é impedir o bis in idem, ou seja, evitar que em razão do mesmo fato a pessoa sofra restrição ao seu direito fundamental duas vezes.

Ressalte-se que o Código Penal não distingue a natureza jurídico-processual das medidas restritivas de liberdade, de modo que mesmo as prisões cautelares podem ser computadas quando da prisão-pena.

Não é por outra razão que nos últimos anos o Superior Tribunal de Justiça, guardião da legislação e jurisprudência infraconstitucionais brasileiras, tem submetido a julgamento questões atinentes à detração, em particular quando há dúvidas acerca da aplicabilidade do instituto quando as medidas cautelares não representam privação integral da liberdade.

Nesse sentido, destaco o Tema Repetitivo 1.155 do STJ, em que, após julgar o REsp 1.977.135/SC (relator, ministro Joel Ilan Paciornik, 23/11/2022), aquela Corte firmou as seguintes teses:

O período de recolhimento obrigatório noturno e nos dias de folga, por comprometer o status libertatis do acusado, deve ser reconhecido como período a ser detraído da pena privativa de liberdade e da medida de segurança, em homenagem aos princípios da proporcionalidade e do non bis in idem.
O monitoramento eletrônico associado, atribuição do Estado, não é condição indeclinável para a detração dos períodos de submissão a essas medidas cautelares, não se justificando distinção de tratamento ao investigado ao qual não é determinado e disponibilizado o aparelhamento.
As horas de recolhimento domiciliar noturno e nos dias de folga devem ser convertidas em dias para contagem da detração da pena. Se no cômputo total remanescer período menor que vinte e quatro horas, essa fração de dia deverá ser desprezada.

Ressalte-se que o período de recolhimento obrigatório noturno e nos dias de folga, para além de configurar apenas uma medida cautelar, sequer constitui restrição absoluta de liberdade, como na prisão-pena.

Ainda assim, o pacificador da jurisprudência infraconstitucional concluiu pela incidência da detração quando o agente é destinatário da medida e posteriormente sofre alguma das penas privativas de liberdade ou medida de segurança.

O Supremo Tribunal Federal possui julgado recente em que aplicou a mesma lógica jurídica adotada pelo STJ. Confira-se a ementa do RHC 190.429:

“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. DETRAÇÃO. MEDIDA CAUTELAR DIVERSA DA PRISÃO. RECOLHIMENTO DOMICILIAR NOTURNO E EM DIAS DE FOLGA. SEMELHANÇA E HOMOGENEIDADE ENTRE A CAUTELAR E A PENA IMPOSTA. ANALOGIA IN BONAM PARTEM. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO.

O recolhimento domiciliar noturno, por comprometer o status libertatis do investigado, deve ser computado para efeitos de detração penal quando houver semelhança e homogeneidade entre a medida cautelar aplicada no curso do processo e a pena imposta na sentença condenatória, em homenagem aos princípios da proporcionalidade e do non bis in idem.
Ante a lógica da detração, destinada a evitar o bis in idem no cumprimento da pena, deve-se proceder à analogia in bonam partem.
Agravo regimental provido para determinar a detração, da pena final aplicada, do período em que o recorrente cumpriu medida cautelar de recolhimento noturno e nos dias de folga.

(RHC 190429 AgR, relator, ministro Edson Fachin, Segunda Turma, julgado em 7/5/2024)”

É certo, entretanto, não haver nenhuma referência à detração no âmbito da legislação administrativa sancionadora (Loman, Código de Ética da Magistratura, Resolução CNJ 135/2011, Lei do Processo Administrativo, Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).

Logo, sua aplicação no direito disciplinar se dá por meio da analogia, como decorrência lógica e jurídica da impossibilidade de incidência do bis in idem.

Não parece haver muita dúvida acerca da aplicabilidade da detração administrativa quando se trata da compensação “pena x pena”. Em outras palavras, se o juiz é aposentado compulsoriamente, mas obtém redução da reprimenda para disponibilidade em sede revisão disciplinar (artigos 82 e seguintes do regimento interno do CNJ), não há dúvida de que o período em que cumpriu a aposentadoria-pena deve ser abatido da futura sanção de disponibilidade que virá a cumprir.

Ilustrando, na hipótese de o juiz ser aposentado por infração funcional e cumprir a medida por um ano, obtendo ao final desse ano a revisão de sua pena para disponibilidade por 120 (cento e vinte) dias, o retorno às atividades pode ocorrer, em tese, de forma imediata.

Isso porque no cotejo entre “pena x pena” o magistrado teria cumprido um ano de afastamento em razão da aposentadoria, mas tal restrição ao bem jurídico foi superior à “nova” sanção, reduzida para disponibilidade por 120 (cento e vinte) dias após o julgamento da revisão disciplinar.

A questão que se impõe no âmbito do CNJ, no entanto, é o exame da possibilidade de detração do tempo de afastamento cautelar quando da aplicação da pena de disponibilidade, tendo em vista que nas outras punições não há falar em detração.

Explico. Caso o magistrado seja afastado das funções quando da abertura de PAD e no julgamento final sobrevenha alguma das demais penas que não a disponibilidade – advertência, censura, remoção compulsória ou aposentadoria –, tais sanções serão cumpridas sem maiores questionamentos, já que não há aparente conflito entre o afastamento e a própria pena, nem mesmo a título de efeitos práticos.

Como exemplo, uma vez afastado o juiz previamente por qualquer período e condenado no fim do PAD à pena de censura, não há o que detrair. O magistrado retorna ao exercício do cargo, com averbação da aludida censura em seus assentamentos funcionais.

As dúvidas residem na hipótese de afastamento prévio, com superveniência da disponibilidade, porquanto ambas as medidas resultam, na prática, no mesmo resultado: o afastamento do magistrado de suas funções. Na medida cautelar, durante o período estabelecido pelo órgão censor. Na aplicação da pena, pelo prazo fixado após a dosimetria.

Cumpre, então, examinar a natureza jurídica de ambos os institutos, à luz do direito administrativo sancionador, para ao final concluir se é cabível a detração e, caso favorável, como se operacionaliza o instituto.

Quanto ao afastamento, a Loman assim dispõe:

“Art. 27 – O procedimento para a decretação da perda do cargo terá início por determinação do Tribunal, ou do seu órgão especial, a que pertença ou esteja subordinado o magistrado, de ofício ou mediante representação fundamentada do Poder Executivo ou Legislativo, do Ministério Público ou do Conselho Federal ou Secional da Ordem dos Advogados do Brasil.

[…]

§ 3º – O Tribunal ou o seu órgão especial, na sessão em que ordenar a instauração do processo, como no curso dele, poderá afastar o magistrado do exercício das suas funções, sem prejuízo dos vencimentos e das vantagens, até a decisão final.

Art. 29 – Quando, pela natureza ou gravidade da infração penal, se torne aconselhável o recebimento de denúncia ou de queixa contra magistrado, o Tribunal, ou seu órgão especial, poderá, em decisão tomada pelo voto de dois terços de seus membros, determinar o afastamento do cargo do magistrado denunciado”.

A Resolução CNJ 135/2011, por sua vez, possui as seguintes regras quanto ao afastamento do magistrado de suas funções:

“Art. 15. O Tribunal, observada a maioria absoluta de seus membros ou do Órgão Especial, na oportunidade em que determinar a instauração do processo administrativo disciplinar, decidirá fundamentadamente sobre o afastamento do cargo do Magistrado até a decisão final, ou, conforme lhe parecer conveniente ou oportuno, por prazo determinado, assegurado o subsídio integral.

§ 1º O afastamento do Magistrado previsto no caput poderá ser cautelarmente decretado pelo Tribunal antes da instauração do processo administrativo disciplinar, quando necessário ou conveniente a regular apuração da infração disciplinar.

§ 2º Decretado o afastamento, o magistrado ficará impedido de utilizar o seu local de trabalho e usufruir de veículo oficial e outras prerrogativas inerentes ao exercício da função”.

Como se vê, em todos os dispositivos evidencia-se o caráter facultativo atribuído ao órgão censor para imposição ou não da providência, o que se revela por meio das expressões “poderá” (Loman e resolução) e “conforme lhe parecer conveniente ou oportuno” (resolução). Constata-se, portanto, ser de natureza prioritariamente cautelar a medida de afastamento do magistrado das funções antes do julgamento final.

Tal medida, no entanto, não se afigura apenas cautelar ao resultado útil do processo administrativo, como ocorre na hipótese das prisões cautelares nos feitos criminais, mas também ao prestígio da função jurisdicional e à condição do investigado, conforme entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal.

De fato, ao julgar o HC 95.496[4], o STF denegou a ordem requerida por desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, cuja defesa alegara excesso de prazo na instrução de ação penal pelo Superior Tribunal de Justiça, na qual fora afastado das funções jurisdicionais. Consta do voto do relator, ministro Cezar Peluso, a seguinte passagem, no que interessa ao presente estudo:

“2. Ademais, tenho por inoportuno o retorno do paciente à função de Desembargador. Em sede liminar, afirmei, verbis:

o afastamento do paciente de suas funções como Desembargador do Tribunal de Justiça reveste-se de caráter cautelar que tende a resguardar, sob certo ponto de vista, a própria condição do réu no exercício funcional, bem como o prestígio da função jurisdicional. A concessão de medida cautelar, conforme requerido, teria o indesejável efeito de colocar sob suspeita quaisquer decisões proferidas pelos acusados no exercício de suas funções, especialmente no caso de ulterior denegação da ordem. Em tal hipótese, a situação seria ainda mais danosa do que aquela que aparente sê-lo agora em relação a ambos, tanto ao acusado, como em relação ao conceito público de seu cargo”.

A jurisprudência do CNJ, ao decidir pela aplicação do afastamento em sede de apurações disciplinares, reforça sua adoção como medida cautelar. Cito alguns julgados:

“PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. MAGISTRADO DE PRIMEIRO GRAU. AUSÊNCIA DE QUÓRUM DE MAIORIA ABSOLUTA PARA INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR NA ORIGEM. REMESSA AO CNJ. INDÍCIOS DE INFRAÇÃO DISCIPLINAR PRATICADA POR MAGISTRADO. ATOS DE LESÃO CORPORAL E AMEAÇA. UTILIZAÇÃO DO CARGO PARA OBTER AMPARO POLICIAL A FIM DE INTIMIDAR DESAFETOS. APARENTE VIOLAÇÃO DE DEVERES ESTABELECIDOS NA LEI ORGÂNICA DA MAGISTRATURA NACIONAL E NO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA. INSTAURAÇÃO DE PAD, COM AFASTAMENTO DO MAGISTRADO.

[…]

6. O afastamento cautelar do magistrado revela-se recomendável ante a gravidade (atos de violência e práticas intimidatórias) e a contemporaneidade dos fatos, de modo a prevenir novos ilícitos e resguardar a higidez instrutória.

7. Instauração de Processo Administrativo Disciplinar com a imposição de afastamento cautelar do cargo.

(CNJ – PP – Pedido de Providências – Corregedoria – 0000039-40.2023.2.00.0802 – Rel. LUIS FELIPE SALOMÃO – 4ª Sessão Ordinária de 2024 – julgado em 2/4/2024)”.

“REVISÃO DISCIPLINAR. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. HIPÓTESE DE CABIMENTO. ARTIGO 83 DO REGIMENTO INTERNO DO CNJ. ALEGAÇÃO DE CONTRARIEDADE ÀS EVIDÊNCIAS DOS AUTOS. OCORRÊNCIA. DENÚNCIA ANÔNIMA. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DEVER DE APURAÇÃO. DILIGÊNCIAS INVESTIGATIVAS. CONFIRMAÇÃO DA DENÚNCIA. PROCEDÊNCIA.

[…]

9. Por fim, diante da natureza dos supostos atos praticados pelo magistrado, seu afastamento, nos termos do § 1º do art. 15 da Resolução CNJ nº 135/2011, torna-se imprescindível para o bom andamento das apurações administrativas, tendo em vista que o requerido poderá procurar novamente as testemunhas que são, na maioria, servidores e magistrados do Tribunal, interferindo diretamente na instrução. Ademais, os fatos apurados colocam em risco a credibilidade do Poder Judiciário do Estado do Espírito Santo perante os jurisdicionados, porquanto podem se configurar atos de corrupção.

10. Pedido de revisão disciplinar julgado procedente para determinar a instauração de PAD contra magistrado, com o afastamento cautelar.

(CNJ – REVDIS – Processo de Revisão Disciplinar – Conselheiro – 0005303-87.2021.2.00.0000 – Rel. DANIELA MADEIRA – 1ª Sessão Extraordinária de 2024 – julgado em 12/03/2024)”.

Outra questão que merece destaque para conclusão do estudo são as consequências que a lei e o regulamento fixam para o afastamento cautelar.

A Loman permite que o tribunal afaste o magistrado “sem prejuízo dos vencimentos e das vantagens, até a decisão final” (artigo 27, § 3º). A Resolução CNJ 135/2011 segue a mesma linha, pois faculta a imposição da mesma medida, “assegurado o subsídio integral” (artigo 15, caput).

Já em relação à pena de disponibilidade, a legislação pertinente prevê seu cumprimento com percepção apenas parcial dos subsídios, calculados proporcionalmente ao tempo de serviço.

No artigo 42, IV, a Loman prevê como uma das sanções a “disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço”. A Resolução CNJ 135/2011 fixa no caput do artigo 6º que “o magistrado será posto em disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço […]”.

Feitas tais considerações, cumpre examinar o tratamento do instituto da detração no âmbito da jurisprudência do Conselho Nacional de Justiça. A rigor, registro que o CNJ não possui precedente específico sobre a questão, pois nos processos disciplinares o tema é discutido apenas a latere.

Há, no entanto, um julgado que mais se aproxima da reflexão proposta no presente estudo, decidido no âmbito do julgamento da Revisão Disciplinar 0008116-58.2019.2.00.0000.

Na oportunidade, magistrado do Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina propôs ao CNJ revisão da pena de aposentadoria que lhe foi aplicada pelo Tribunal de Justiça local. O Plenário julgou procedente o pedido, alterando a pena para disponibilidade por 2 (dois) anos.

Ocorre que ele ficara afastado cautelarmente enquanto respondia ao PAD na origem. Assim, por maioria, os conselheiros decidiram pela detração do tempo de afastamento cautelar e do tempo em que ele cumprira a pena de disponibilidade, com retorno do magistrado ao cargo e ordem para que o TJSC examinasse o pedido de aproveitamento formulado à Corte.

A então conselheira Candice Lavocat Galvão votou, no entanto, pela detração apenas quanto ao tempo de afastamento cumprido em razão da aposentadoria, por entender que o afastamento cautelar resulta, para o juiz, em consequências fáticas distintas daquelas previstas para o cumprimento da pena. Confira-se:

“Quanto ao prazo mínimo de 2 (dois) anos previsto no § 1º do art. 57 da LOMAN para o requerente requerer o reaproveitamento, determino a detração apenas do tempo de cumprimento da pena de aposentadoria compulsória, uma vez que o afastamento cautelar não constitui sanção administrativa.

Diante disso, somente a partir da aplicação da pena de aposentadoria compulsória, na qual o Desembargador Eduardo Mattos Gallo Júnior não mais exerce suas funções e recebe proventos proporcionais ao tempo de serviço, tal como ocorre com a pena de disponibilidade, deve ser contado o período para reaproveitamento do magistrado”.

Conforme se vê, o Conselho Nacional de Justiça ainda não ostenta acervo jurisprudencial consolidado acerca da detração, nos termos em que analisada neste estudo. Pode potencializar a controvérsia, entretanto, a superveniência do entendimento jurisprudencial do CNJ, passando a admitir a reprimenda da disponibilidade por prazos curtos dentro do lapso temporal de 2 (dois) anos.

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Conclusão

Pelo que se expôs, não identifico dúvidas teóricas de relevo acerca do cabimento da detração no âmbito administrativo sancionador. Como visto, mesmo no Direito Penal, em que o princípio da legalidade estrita é mais rigoroso, a detração é admitida mesmo quando ausente a absoluta identidade entre os bens jurídicos protegidos.

Foi citado exemplificativamente o RHC 190.429, no qual a Suprema Corte decidiu pela detração do tempo em que o investigado sofreu restrição a direito fundamental por meio da medida cautelar de recolhimento domiciliar noturno, por haver “[…] semelhança e homogeneidade entre a medida cautelar aplicada no curso do processo e a pena imposta na sentença condenatória, em homenagem aos princípios da proporcionalidade e do non bis in idem”.

Mencionou-se também o Tema 1.155 do Superior Tribunal de Justiça, em que a Corte admitiu a detração, na pena de prisão, de medidas cautelares diversas.

O STJ não fez distinção quanto às diferenças de restrições sobre os direitos subjetivos do agente. Em outras palavras, mesmo que este se encontre sujeito a posições jurídicas diferentes quando da prisão-pena e da prisão provisória (ou até mesmo na cautelar de recolhimento obrigatório noturno e em dias de folga), o STJ decidiu pelo cabimento da detração.

Em reforço de argumentação aos aludidos precedentes, o preso provisório pode votar, enquanto o preso condenado, após o trânsito em julgado, fica impedido de exercer tal direito fundamental, nos termos dos artigos 15 da Constituição Federal[5] e 38 do Código Penal[6].

O Tribunal Superior Eleitoral, ao regulamentar a matéria, dispôs na Resolução 23.554/2017 que os Tribunais Regionais Eleitorais “[…] deverão disponibilizar seções eleitorais em estabelecimentos penais e em unidades de internação tratadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, a fim de que os presos provisórios e os adolescentes internados tenham assegurado o direito de voto” (artigo 42, caput).

Conquanto presos provisórios e condenados em definitivo ostentem alguns direitos distintos, nem por isso o STF e o STJ negam o direito à detração. Ao contrário, os defensores da rejeição da detração no âmbito administrativo alegam que dentre os óbices há a diferença de remuneração quando do afastamento cautelar do magistrado (subsídios integrais) e do afastamento para cumprir a sanção de disponibilidade (remuneração proporcional).

Nesse contexto, por aplicação analógica das normas de Direito Penal, não constitui óbice ao direito à detração o fato de o magistrado receber ou não os proventos de forma integral ou de ter ou não acesso às prerrogativas da carreira – direitos que são disciplinados de forma distinta na pena de disponibilidade e no afastamento cautelar, conforme mencionado (Loman e Resolução CNJ 135/2011).

Também não se afigura cabível o cômputo da detração apenas do período posterior ao prazo de 140 (cento e quarenta) dias que a Resolução CNJ 135/2011 fixa para julgamento definitivo do PAD (artigo 14, § 9º). Isso porque o Direito Penal possui períodos máximos para duração das medidas cautelares, que atendidos ou não são abatidos quando do cumprimento da pena.

Como exemplo, cite-se a Lei 7.960/89, que dispõe no caput de seu artigo 2º que “a prisão temporária será decretada pelo Juiz, em face da representação da autoridade policial ou de requerimento do Ministério Público, e terá o prazo de 5 (cinco) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade”.

O Código de Processo Penal, por sua vez, estabelece no parágrafo único do artigo 316 que “decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal”.

Diante do exposto, conclui-se que a pena de disponibilidade deve ser aplicada com a detração de eventual período de afastamento cumprido pelo magistrado para responder ao Processo Administrativo Disciplinar, em especial com fundamento na aplicação analógica do artigo 42 do Código Penal no âmbito do Direito Administrativo Sancionador.

[1] STF, ADI 3367/DF, Órgão julgador: Tribunal Pleno, Relator(a): Min. Cezar Peluso, Julgamento: 13/04/2005, Publicação: 22/09/2006 – Ementário nº 2225-2

[2] STF, ADI 4638, Órgão julgador: Tribunal Pleno, Relator(a): Min. Marco Aurélio, Redator(a) do acórdão: Min. Roberto Barroso, Julgamento: 03/07/2023, Publicação: 15/08/2023

[3] CNJ – PAD – Processo Administrativo Disciplinar – 0002268-51.2023.2.00.0000 – Rel. Jane Granzoto – 19ª Sessão Ordinária de 2023 – julgado em 12/12/2023

[4] STF, HC 95496, Órgão julgador: Segunda Turma, Relator(a): Min. Cezar Peluso, Julgamento: 10/03/2009, Publicação: 17/04/2009 – Ementário nº 2356-4

[5] Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:

[…]

III – condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;

[6] Art. 38 – O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral.

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