Levantamento mostra jurisprudência do STF de manter atos do Executivo

Com a judicialização da crise do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), o Supremo Tribunal Federal (STF) deve se manifestar sobre a possibilidade do Congresso Nacional sustar decreto presidencial em matéria tributária. Três ações sobre o assunto já chegaram à Corte – uma do Partido Liberal (PL), outra do PSOL e uma terceira a mais recente, do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A manifestação da Corte será importante para balizar parâmetros para futuras políticas tributárias.

Levantamento feito pelo Mannrich Vasconcelos Advogados a pedido do JOTA demonstra que a Corte já se debruçou sobre o tema em contextos diversos, mas não há precedente recente no campo dos tributos. Além disso, a maioria das discussões que o Supremo enfrentou sobre o assunto se deu em relação a governos e legislativos estaduais. De uma forma geral, a jurisprudência do STF mantém atos do Executivo pela dificuldade de se provar que houve algum tipo de extrapolação de poder.

Segundo a pesquisa conduzida pela advogada Bárbara Romani, os ministros do STF têm decidido que o poder Legislativo de derrubar decretos não pode ser utilizado como instrumento de controle político sobre atos normativos do Executivo, caso eles estejam dentro dos limites constitucionais. Dessa forma, há uma prevalência de julgamentos em favor do Executivo.

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Ainda de acordo com as conclusões do levantamento, como a Constituição Federal autoriza expressamente o Executivo a alterar alíquotas do IOF, a sustação deste ato pelo Congresso pode ser considerada inconstitucional se não estiver fundamentada em abuso ou excesso regulamentar por parte do Executivo.

Um dos exemplos é a ADI 5740, de 2020. Neste caso, o STF considerou inconstitucional a sustação, por decreto legislativo distrital, de ato normativo do governo do Distrito Federal que regulamentou as sanções às práticas discriminatórias em razão da orientação sexual das pessoas. Neste caso, a Corte entendeu pela ausência de abuso do poder regulamentar do Governador do Distrito Federal, restando configurada interferência indevida na competência privativa do chefe do Executivo.

Outro caso mais recente, julgado em 2023, o STF reiterou que é inconstitucional a ampliação da competência da Assembleia Legislativa para sustar um decreto do Detran do Amazonas.

O advogado Breno Vasconcelos, sócio do escritório responsável pelo levantamento, explica que o Supremo terá que responder quais os limites do poder regulamentar do Poder Executivo em relação ao IOF. Por ser um tributo extrafiscal, ou seja, de natureza regulatória, poderia o Poder Executivo utilizá-lo para aumentar a arrecadação e garantir o equilíbrio fiscal? Por outro lado, o Congresso teria a prerrogativa de revisar a opção do Executivo, mesmo quando o Presidente não tiver ultrapassado seu poder regulamentar?

“O STF já decidiu, em casos não tributários, que a autorização para o Legislativo sustar atos do Executivo restringe-se ao que está previsto no art 49, V da Constituição Federal, mas nunca o fez em matéria tributária. Do ponto de vista técnico, será um julgamento relevante para estabelecer os parâmetros para futuras políticas tributárias”.

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O tributarista Guilherme Elia acredita que o governo federal pode obter vitórias no Supremo, uma vez que o IOF é imposto regulatório-cambial. “Portanto, cabe ao Executivo manusear sua alíquota”. Contudo, ele lembra que não será uma vitória fácil. “Por sua vez, o Congresso vai defender dizendo que o intuito foi meramente arrecadatório, o que justifica a exorbitância do ato do executivo sustado”.

Na análise do tributarista Daniel Corrêa Szelbracikowski, o Congresso Nacional agiu dentro de seus limites, portanto, ele não acredita que o governo pode ter uma vitória fácil. “O Executivo majorou o IOF não como resposta a uma necessidade extrafiscal (como, por exemplo, para intensificar comércio internacional, fluxo de capitais, etc), mas declaradamente para arrecadar e equilibrar contas públicas internas. O Congresso percebeu isso e em razão desse fato é que cassou o ato”.

Confira a lista dos processos:

ADI 5740 – Relatora Ministra Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado em 23/11/2020.

O STF considerou inconstitucional a sustação, por decreto legislativo distrital (Decreto Legislativo nº 2.146/17 do DF), de ato normativo do Executivo (Decreto Distrital nº 38.293/2017 DF) que regulamentou a Lei n. 2.615/2000, na qual foram estabelecidas “sanções às práticas discriminatórias em razão da orientação sexual das pessoas”.

A Corte entendeu pela ausência de abuso do poder regulamentar do Governador do Distrito Federal, restando configurada interferência indevida na competência privativa do chefe do Executivo, em ofensa ao art. 2º, art. 49, V e art. 84, IV da CF.

ADI 748-MC – Relator Ministro Celso de Mello. Medida cautelar deferida em 28/10/1992.

O STF suspendeu decreto legislativo da Assembleia Legislativa do RS (Decreto Legislativo nº 6.662, de 16.06.92) que sustava ato do Governador do Estado que dispunha sobre o calendário rotativo escolar.

ADI 5290 – Relatora Ministra Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado em 20/11/2019.

A Corte declarou inconstitucional norma estadual (EC 46/2010) que atribuía à Assembleia Legislativa o poder de sustar atos normativos do Executivo e do Tribunal de Contas, em desacordo com a lei.

No voto da relatora, ministra Cármen Lúcia, expressamente reconheceu que “as hipóteses autorizativas do Congresso Nacional para sustar atos normativos do Poder Executivo federal restringem-se à exorbitação do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa. Não há previsão constitucional, portanto, que possibilite ao Congresso Nacional sustar atos do Executivo que julgue contrários à legalidade.”

RE 1.430.984 AgR – Relatora Ministra Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgado em 28/08/2023.

Neste caso, ao analisar o Decreto Legislativo 820/2017 do Amazonas, que sustou os efeitos de atos do DETRAN/AM, o STF reiterou que é inconstitucional a ampliação da competência da Assembleia Legislativa para sustar atos normativos do Poder Executivo que julgue contrários à legalidade.

As ações

Existem três ações no STF discutindo os decretos que majoraram o IOF. A primeira delas foi proposta pelo PL (ADI 7827), o partido de oposição ao governo Lula questiona a constitucionalidade dos decretos do presidente. A segunda ação foi proposta pelo PSol (ADI 7839), da base governista, que acionou o STF contra a decisão do Congresso Nacional de derrubar os decretos presidenciais que aumentaram alíquotas do IOF. Nesta terça-feira (1º/7), a reação veio do próprio governo Lula (ADC 96), que pede para o Supremo validar os decretos presidenciais – pedido oposto da ação do PL. O relator das ações é o ministro Alexandre de Moraes.

Na quarta-feira (25/6), o Congresso Nacional impôs uma derrota ao governo Lula quando derrubou o decreto presidencial com o aumento das alíquotas do IOF. A estimativa era que a medida trouxesse R$ 10 bilhões a mais para os cofres públicos.

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