O juiz João Baptista Cilli Filho, da 1ª Vara do Trabalho de Sertãozinho (SP), condenou a Usina São Francisco S/A ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 500 mil, por permitir sobrecarga de peso em transporte de cana-de-açúcar. Na avaliação do magistrado, ficou comprovado que a usina descumpre a legislação vigente, ao permitir que os caminhões transportem cana-de-açúcar acima do peso permitido. Segundo Filho, o laudo pericial realizado por perito é prova contundente de que a fábrica permite ou submete os motoristas a transportar cana de açúcar com peso superior ao permitido, de 74 toneladas, o que os coloca em risco. O magistrado também impôs uma série de medidas a serem tomadas pela Usina São Francisco.
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A ação civil pública foi ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), com o objetivo de sanar irregularidades no transporte de cana-de-açúcar, relacionadas ao excesso de peso dos caminhões em cidades do interior paulista. A empresa estava sob investigação do órgão após uma série de denúncias sobre o aumento da prática ilícita de sobrecarga no transporte de cana-de-açúcar.
De acordo com o órgão, os documentos com registros das últimas pesagens, entregues pela empresa ao MPT, constataram excessos da carga permitida pela norma. Foram identificadas composições veiculares que carregavam até 134 toneladas. A Resolução 882/21, do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) e a Portaria 268/2022, do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) estabelecem os requisitos para a circulação de Combinações de Veículos de Carga (CVC) com Peso Bruto Total Combinado (PBTC) entre 57 e 74 toneladas, destinadas ao transporte de cana-de-açúcar.
A usina, por sua vez, argumentou que a regulação de trânsito visa proteger as vias e não a segurança dos condutores. Segundo a empresa, as normas editadas pelo Contran não são aplicáveis aos veículos que trafegam em vias rurais ou particulares, e que as especificações dos fabricantes preveem capacidade de volume de carga superior ao normatizado.
Além disso, sustenta que o peso do veículo não encerra presunção de risco de acidentes, assim como alega que a matéria relativa ao peso da carga dos veículos não é regulada pela NR-31. Por fim, afirmou que não há provas de que coloca em risco os motoristas, bem como não há registro de acidentes envolvendo os caminhões canavieiros decorrentes de excesso de peso.
Ao julgar o caso, o magistrado concluiu que o comportamento da usina compromete a segurança e a saúde dos motoristas trabalhadores e expõe a coletividade ao perigo de acidentes de trânsito, além de causar o desgaste das estradas em razão do peso excessivo das cargas. Para ele, em que pese a prova técnica ter concluído “nos ensaios realizados, a possibilidade de termos um PBTC até 100 toneladas com segurança para o trabalhador desde que a velocidade máxima não ultrapasse 60 km/h”, tal estudo pericial demonstra a capacidade dos veículos, não sendo capaz de invalidar a aplicabilidade das normas em vigor.
Desse modo, destacou que o parecer técnico e a prova oral – comprovando manutenções constantes, monitoramento da velocidade, advertência caso ultrapassada velocidade de 60 km/h – não podem se sobrepor às normas e regulamentos de trânsito, já que os limites legais têm finalidades preventiva na segurança do trânsito e resguardo da integridade física dos condutores.
Além disso, o magistrado considerou que a postura da Usina São Francisco atingiu valores coletivos, ao expor trabalhadores – empregados ou prestadores de serviços – ao risco, por “manifesta violação de normas de ordem pública, sujeitando-os ao cumprimento de ordens superiores para o transporte de cana de açúcar sem respeitar os limites de peso estabelecidos na legislação de trânsito”.
“Ainda que o peso transportado esteja em consonância com o fabricante, há de se considerar outros fatores como o estado de conservação e manutenção das estradas – principalmente as vicinais que são as mais utilizadas no transporte canavieiro e muitas em condições precárias –, a visibilidade do motorista, a segurança dos demais transeuntes, a intensidade de tráfego, que, por si só, expõem o trabalhador a uma atividade de risco constante”, destacou Filho.
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De acordo com o juiz, condições de trabalho seguras correspondem a direito fundamental do trabalhador, nos termos da Constituição Federal e dever do empregador, nos termos da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Por essa razão, ressaltou que a proteção prevista pelo legislador, sob pressupostos sociais, políticos e de precaução, deve preponderar sobre as posições técnicas do fabricante e periciais.
Também pontuou que a ocorrência ou não de acidentes é irrelevante para a solução da lide, pois transportar carga com peso acima dos limites previstos na legislação, além de infração de trânsito, configura violação às normas de segurança do trabalho. “E se tratando de meio ambiente laboral seguro, a requerida deve continuamente promover a prevenção, não só realizando as condutas citadas pela única testemunha ouvida, mas em especial e primordialmente, cumprindo a legislação de trânsito”, declarou.
Afirmou ainda que o reconhecimento do dano moral coletivo e a respectiva reparação extrapola o conceito de sofrimento ou dor pessoal, pois atinge a dignidade dos membros de uma coletividade. “Neste contexto, a coletividade é tida por moralmente ofendida a partir do fato objetivo da violação da ordem jurídica”, pontuou Filho.
Por fim, o juiz destacou em sua decisão que os valores de eventuais multas e da indenização por danos morais serão revertidas a fundos de proteção de direitos difusos e coletivos que se informarem oportunamente, ou, de forma alternativa e a critério do procurador do Trabalho que ajuizou a ação, revertida em doações ou custeios a órgãos públicos e associações sem fins lucrativos que atuam na proteção do trabalho ou na proteção aos direitos ou interesses difusos e coletivos.
Determinações impostas pelo magistrado
Na sentença, além da condenação ao pagamento de indenização por danos morais, o juiz demandou uma série de adequações à usina. Em sua decisão, ele determinou que a empresa insira em todos os seus veículos e equipamentos de transporte de cana, em local facilmente visível, a inscrição indicativa do peso máximo da carga permitida, independentemente de serem eles conduzidos por motorista próprio, de terceiro ou condutor autônomo, em veículo próprio ou locado.
O magistrado fixou um prazo de 15 dias, após o trânsito em julgado da sentença, sob pena de multa no valor de R$ 2 mil em relação a cada equipamento de carga sem inscrição indicativa do peso máximo permitido, além de multa diária de R$200 enquanto não regularizada a conduta.
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Determinou que a usina não permita o tranporte de cana-de-açúcar com carga superior ao patamar máximo de peso, nem excedendo aos limites físicos da carroceria dos veículos de carga e CVC, independentemente de ser ele conduzido por motorista próprio, de terceiro ou condutor autônomo, em veículo próprio ou locado. O juiz fixou o prazo imediato para adoção da medida, sob multa no valor de R$ 1 mil para cada veículo ou combinação de veículo de carga com excesso de peso ou encontrado com a carga acima dos limites físicos da carroceria, incidente a cada constatação, individualmente considerada.
Também estabeleceu que a Usina São Francisco não determine, permita ou tolere o transporte de cana-de-açúcar em veículo ou combinações de veículos de carga (CVC) com configurações não homologadas pela autoridade competente, ou com dimensão superior ao limite legal permitido, independentemente de ser ele conduzido por motorista próprio, de terceiro ou condutor autônomo, em veículo próprio ou locado. Filho determinou que a medida seja tomada imediatamente, sob pena de multa no valor de R$3 mil para cada veículo ou combinação de veículo de carga encontrado com dimensão ou configuração irregular, incidente a cada constatação.
A usina ainda deve manter um sistema informatizado que permita a completa identificação dos veículos, ou combinação destes, a ser disponibilizado sempre que solicitado pelas autoridades competentes, contendo, no mínimo, o número da viagem; data e hora de entrada; nome do motorista; nome da propriedade de origem da carga; especificação individualizada da configuração utilizada em cada viagem de acordo com o enquadramento legal; o correspondente PBTC aplicável; número de referência de cada unidade de carga pesada; s placas dos veículos; e o peso bruto total carregado na viagem, ainda que as pesagens sejam desmembradas. Segundo o juiz, a imposição deve ser colocada em prática em prazo imediato. A multa por descumprimento é de R$ 50 mil, mais multa diária de R$ 1 mil enquanto não comprovada a implantação do sistema informatizado.
Até 15 de julho de cada ano – iniciando em 2025 – e pelo período de 5 anos, a usina deve encaminhar ao MPT os relatórios de viagens da safra anterior, para todos os conjuntos transportadores, próprios ou de terceiros, extraídos do sistema informatizado com os dados exigidos na imposição anterior, a serem disponibilizadas em meio magnético em formato PDF e banco de dados (Excel), sempre em arquivos desbloqueados.
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No caso de descumprimento de alguma das obrigações acima ou dos prazos fixados, Filho estabeleceu que deverá ser aplicada à empresa uma multa no valor de R$ 50 mil, mais multa diária de R$ 1 mil por obrigação, revertidas a fundos de proteção de direitos difusos e coletivos que se informarem oportunamente. A decisão cabe recurso ao Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT15).
Procurado pela reportagem, o Grupo Econômico Balbo, responsável pela administração da Usina São Franciso S/A, não retornou aos contatos do JOTA até o fechamento desta matéria. O espaço segue em aberto.
O processo tramita sob o número 0010347-48.2024.5.15.0054.