A cobrança pelo serviço público de manejo de resíduos sólidos

Desde a publicação da Lei 12.305/2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), a legislação brasileira prevê a necessidade de os serviços públicos de limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos serem dotados de sustentabilidade econômico-financeira (artigo 7º, inciso X).

A Lei 14.026/2020 (novo Marco Legal do Saneamento), que atualizou a Lei 11.445/2007, estabelece que essa sustentabilidade deve se dar por meio da cobrança de taxa (conhecida popularmente como Taxa do Lixo) ou de tarifa (artigos 11, § 2º, inciso IV, 29, inciso II e 35). Mais recentemente, a Norma de Referência 7/2024 da Agência Nacional de Águas (ANA) corroborou a importância desses instrumentos (artigo 98, inciso III).

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Enquanto a taxa é um tributo, instituído por lei e cobrado pela Administração Pública, a tarifa é o valor cobrado pela concessionária de serviço público – no âmbito de uma concessão comum ou parceria público-privada (PPP) –, conforme previsto em seu contrato de concessão e regulação aplicável. Ambos os instrumentos se destinam a remunerar a prestação do serviço. A tarifa apenas possui a vantagem de integrar um modelo contratual de longo prazo, estável, que permite maior eficiência operacional.

Vale notar que a cobrança pela execução dos serviços deve ser realizada por meio de taxa ou de tarifa. Assim, se um município já cobra a Taxa do Lixo, mas decide delegar os serviços à iniciativa privada por meio de concessão ou PPP, a tarifa a ser paga à concessionária deverá substituir a taxa, evitando a cobrança cumulativa e respeitando o princípio da unicidade da cobrança pelo mesmo serviço.

Seja por meio da cobrança de taxa ou de tarifa, o que se espera é que a sustentabilidade econômico-financeira dos serviços seja capaz de dar soluções adequadas aos resíduos sólidos, promovendo, por exemplo, a erradicação dos lixões a céu aberto.

Na década entre a criação da PNRS e a aprovação do novo Marco Legal do Saneamento, o Brasil avançou na consolidação de um modelo mais sustentável de manejo de resíduos sólidos, ainda que a passos lentos. De acordo com estudo realizado pela Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema), em 2023, praticamente metade dos municípios brasileiros (49%) cobrava taxa para a gestão de resíduos sólidos, incluindo as capitais de 21 estados.

No entanto, muitos municípios sequer arrecadam o suficiente para cobrir os custos operacionais dessa gestão e, ainda assim, a adoção da Taxa do Lixo segue enfrentando intensa oposição política. Um exemplo recente é o caso de Goiânia, considerada a terceira pior capital em serviço de limpeza urbana do país, conforme Índice de Sustentabilidade da Limpeza Urbana (ISLU), da Abrema.

A capital de Goiás aprovou uma lei municipal no final de 2024, prevendo que cobrança da Taxa do Lixo se inicie em junho de 2025, cujo valor variará conforme critérios técnicos, como a função e o tamanho do imóvel. A oposição contestou judicialmente a lei municipal, sob alegações de falhas no processo legislativo, falta de transparência nos critérios de cobrança da taxa e ausência de ampla divulgação do tema. O Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) negou o pedido liminar, diante do entendimento de que não haveria urgência suficiente para justificar a suspensão imediata da norma.

No âmbito das concessões dos serviços de limpeza urbana e resíduos sólidos, poucas iniciativas municipais efetivamente saíram do papel desde a aprovação do novo Marco Legal do Saneamento. Nesse contexto, o governo federal, em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), lançou o Guia Prático de Estruturação de Projetos de Concessão de Manejo Sustentável de Resíduos Sólidos Urbanos no final de 2023, visando disseminar conhecimento e auxiliar o gestor público na modelagem de projetos para a estruturação de concessões no setor.

O município de Franca, no estado de São Paulo, é um raro exemplo de concessão recente para a prestação dos serviços públicos de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos. O leilão ocorreu em 2024 e a proposta vencedora apresentou deságio de 9%. A concessão administrativa – modalidade de PPP em que a tarifa é paga pelo Poder Público, não pelos munícipes – vigorará por 30 anos.  As iniciativas recentes de outros municípios ainda estão em fase de estruturação.

No estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, o município de Porto Alegre deve publicar em breve o edital de licitação para uma PPP de gestão dos resíduos sólidos urbanos por 35 anos, e o Consórcio Intermunicipal da Região Centro está desenvolvendo estudos para a concessão do manejo dos resíduos sólidos urbanos em 32 municípios gaúchos.

Independentemente da modalidade de prestação adotada, os serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos necessitam de sustentabilidade econômico-financeira, garantida por meio da cobrança de taxa ou de tarifa. Assim sendo, a tendência é que, aos poucos, práticas mais modernas e eficientes do setor se consolidem, como a implementação de estações de triagem avançadas e de usinas de recuperação energética.

A cobrança pelos serviços não é apenas uma obrigação legal, mas o meio para permitir que sua prestação tenha qualidade, continuidade e inovação. Para que haja avanços em matéria de resíduos sólidos, é preciso desmistificar a cobrança e fortalecê-la como instrumento essencial do setor.

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