Com ação de Roberto e Erasmo, STF vai decidir se contratos antigos valem para streaming

O Supremo Tribunal Federal (STF) irá julgar, com repercussão geral, se contratos de cessão ou edição de direitos autorais firmados em contexto analógico continuam válidos para a exploração econômica de obras musicais em plataformas digitais. A decisão será tomada no âmbito do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.542.420, com relatoria do ministro Dias Toffoli.

O caso foi levado ao Supremo pelos artistas Roberto Carlos e Erasmo Carlos (falecido em 2022, representado por meio de seu espólio), que questionam a validade de 73 contratos assinados com a editora Fermata do Brasil entre os anos de 1964 e 1987. Os autores alegam que os contratos foram firmados em um cenário de “produção capitalista da sociedade industrial”, voltado à comercialização de LPs, fitas cassete e CDs, suportes físicos e analógicos que não contemplavam os formatos digitais que utilizamos hoje, como as plataformas de streaming.

Roberto Carlos e Erasmo pedem a rescisão contratual e a declaração de inexistência de direitos autorais da editora sobre a exploração digital de suas obras. Para eles, mesmo que se reconheça a validade da cessão original, a Fermata descumpriu obrigações contratuais e legais ao permitir o uso das músicas em serviços de streaming sem transparência, prestação de contas adequada ou autorização específica. 

“A exibição das obras musicais dos autores vem sendo feita pelas empresas de streaming sem qualquer controle da ré e, sendo assim, sem a devida contraprestação remuneratória aos autores”, afirmaram na petição inicial.

Informações direto ao ponto sobre o que realmente importa: assine gratuitamente a JOTA Principal, a nova newsletter do JOTA

Para o relator Dias Toffoli, o caso extrapola os interesses das partes e envolve “a interpretação de normas constitucionais relacionadas à proteção dos direitos autorais, à liberdade contratual e à segurança jurídica, à luz das transformações sociais e tecnológicas da era digital”. A Corte reconheceu a existência de questão constitucional por maioria, vencido o ministro Edson Fachin.

O reconhecimento de repercussão geral (Tema 1.403) aconteceu no plenário virtual, em 31/5. Ainda não há data prevista para o julgamento do mérito.

A decisão do Supremo poderá alterar os parâmetros jurídicos sobre contratos autorais firmados antes do surgimento de plataformas digitais. A decisão sobre se é ou não necessária autorização específica para exploração em streaming tem impacto direto para o mercado fonográfico, que teve faturamento de R$ 3,4 bilhões em 2024, segundo relatório da Pró-Música Brasil. Desse valor, 87,6% veio de streaming, um crescimento de 22,5% em relação a 2023.

Dados da Music Business Worldwide, analisando o relatório anual de 2024 da Universal Music Group (UMG), apontam que as vendas de catálogo (isto é, obras mais antigas) corresponderam a 66% da receita de música gravada, combinando streaming e mídias físicas. Players do mercado fonográfico têm apostado investimentos na aquisição e revalorização de catálogos históricos, impulsionando relançamentos e compilações que geram ganhos recorrentes nas plataformas digitais. Uma mostra disso são as divisões especializadas nisso, como a Legacy Recordings, da Sony.

Entenda o caso

Na primeira instância, o juiz Rodrigo Ramos, da 2ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo, julgou improcedente a ação, em 2019. Segundo ele, os contratos eram inequivocamente de cessão e não poderiam ser rescindidos unilateralmente, e que Roberto Carlos e Erasmo transferiram, de forma definitiva, os direitos patrimoniais à editora.

Já na apelação ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), os artistas alegaram que a sentença reconheceu como de “cessão” contratos expressamente nomeados como de “edição”, em uma “simulação e dissimulação jurídica”. Eles também argumentaram que a reprodução digital das obras não estava autorizada nos contratos e que a cláusula que mencionava “qualquer espécie ou processo” se referia apenas aos meios autorizados à época.

A 1ª Câmara de Direito Privado do TJSP negou provimento ao recurso, por unanimidade. Em seu voto, o relator Rui Cascaldi afirmou que “a cessão de direitos autorais restou evidenciada” e que não havia vício processual na sentença. Para o relator, os contratos permitiam sim a exploração das obras mesmo em novos formatos como o digital, ainda que não previstos à época. Embargos de declaração interpostos pelos cantores também foram rejeitados pela Câmara, que considerou inexistentes as alegadas omissões e contradições do acórdão.

O caso foi então levado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde a 3ª Turma também negou provimento ao recurso. A relatora, ministra Nancy Andrighi, reconheceu que os contratos eram de cessão, pois houve “transferência total e definitiva dos direitos patrimoniais de autor”. A ministra observou que a proteção conferida pelo art. 49, V, da Lei 9.610/98, conhecida como Lei dos Direitos Autorais, que exige autorização específica para novas formas de uso, não se aplica retroativamente a contratos firmados antes de sua vigência. A ministra também rejeitou, posteriormente, os embargos de declaração dos artistas.

Generated by Feedzy