A inteligência artificial na regulação sanitária

As agências sanitárias globais estão atentas a como o uso de inteligência artificial pode mudar o cenário regulatório. A IA se coloca tanto como um desafio à regulação – como na aprovação de dispositivos médicos movidos por IA – quanto oferece às agências a oportunidade de melhorar a eficiência de seus serviços desde o acesso ao mercado de medicamentos e produtos para a saúde até a fiscalização e vigilância pós-comercialização.

O Reino Unido se destaca ao já possuir uma estratégia nacional para utilização de IA no âmbito do de seu sistema público da saúde. Destaca-se o estudo de casos de utilização de IA no sistema de saúde e a existência de diversos guias sobre a implementação, uso e manutenção de IA na saúde de forma segura, eficiente e efetiva[1].

Com notícias da Anvisa e da ANS, o JOTA PRO Saúde entrega previsibilidade e transparência para empresas do setor

Nesse cenário, a Agência de Vigilância Sanitária do Reino Unido está, desde 2022, focada na utilização de IA em diversas áreas regulatórias. São variados projetos que preveem desde a utilização de IA em estudos clínicos[2], até a na análise preliminar de documentos que são submetidos para registro de medicamentos e produtos para a saúde[3].

No entanto, os Estados Unidos parece estar a frente em projetos de IA. No começo do mês, a Vigilância Sanitária (FDA) divulgou a conclusão de seu primeiro piloto de revisão científica assistida por IA. O piloto foi realizado na Gerência de Pesquisa e Avaliação de Medicamentos, em que a IA foi utilizada para auxiliar na análise de documentos, possibilitando o resumo, a verificação de inconsistências na documentação. O objetivo é possibilitar que os analistas foquem em questões mais complexas e de maior risco.

A FDA espera que, até 30 de junho de 2025, todos as suas gerências (medicamentos, dispositivos médicos, biológicos, entre outros) estejam utilizando o sistema de IA através de uma plataforma compartilhada que será adaptada às necessidades de cada gerência.

No Brasil, ainda que mais singelo, o cenário não é muito diferente. No final de 2024, a Anvisa anunciou a adoção de uma ferramenta baseada em inteligência artificial para otimizar a análise de qualificação de impurezas e produtos de degradação em medicamentos sintéticos — novos, inovadores, genéricos e similares.

Produtos de degradação são impurezas identificadas durante a fabricação e armazenamento do medicamento. Tais impurezas são resultantes de alterações químicas do Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) pelo efeito de diversos fatores como luz, temperatura, pH, água, ou, ainda, pela reação com um excipiente ou com a embalagem primária.

A análise dos dados submetidos pelos titulares do registro é realizada não só em pedidos de registro, como também em mudança pós-registro relacionadas à composição do medicamento e relacionadas ao IFA, na forma da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 964/2025[4].

A nova ferramenta da Anvisa permite identificar rapidamente impurezas que já tiveram sua segurança previamente analisada, além de agrupar e sistematizar informações de forma estruturada, otimizando a tomada de decisão pelos técnicos da agência. Assim, a expectativa da Agência é que, com a implementação da IA, a análise dos processos possa ser concluída mais rapidamente, reduzindo o tempo de espera para novos registros e atualizações no mercado.

A iniciativa também irá apoiar a atualização da Lista de Impurezas Qualificadas, publicada pela Instrução Normativa 258/2023, ampliando o acervo público de dados qualificados sobre impurezas e produtos de degradação.

A adoção de IA nas práticas regulatórias possui o enorme benefício de otimizar a aprovação de medicamentos e produtos para a saúde, podendo significar, por exemplo, a tão sonhada diminuição das filas de análise da Anvisa. No entanto, com a IA sendo cada vez mais utilizada nos processos regulatórios, algumas preocupações do setor regulado precisam ser endereçadas pelas Agências.

Um primeiro ponto é sobre a segurança de dados. É importante esclarecer como os dados confidenciais submetidos pelas empresas às agências serão protegidos e se o seu conteúdo será usado para o treinamento de outros modelos de IA dentro das Agências.

Até o momento, apenas promessas de que a segurança de dados será observada foram feitas, não sendo verificado um plano detalhado de como as Agências certificarão a segurança dos dados submetidos a análise por IAs.

Além disso, as empresas precisam ter acesso às informações de como a Inteligência Artificial influenciou no processo de regularização de seus produtos, inclusive para verificar e evitar a geração de vieses que possam influenciar negativamente no processo decisório.

Os sistemas de IA devem ser transparentes e explicáveis, de forma que possibilite aos indivíduos contestarem decisões tomadas com base em IA que, por exemplo, sejam enviesadas ou, ainda, que impactem injustamente no mercado.

Nesse sentido, ainda que a utilização da IA nos processos regulatórios seja extremamente relevante e possa trazer diversos benefícios, como a otimização do tempo de regularização, é importante que as agências, em parceria com o setor regulado, fiquem atentos à confiabilidade das decisões tomadas e à segurança dos dados confidenciais submetidos durante os processos de regularização.

[1] Disponível em: https://digital.nhs.uk/services/ai-knowledge-repository/ai-in-practice

[2] O projeto prevê para criação de conjunto de dados de pacientes artificiais que podem ser usados para criar grupos de controle em ensaios clínicos. O objetivo é que os dados sintéticos gerem grupos de controle maiores, aumento a confiabilidade do estudo clínico e a diminuição de tempo e custos com, por exemplo, eliminação da necessidade de proteção da privacidade dos pacientes durante a coleta de dados .

[3] O projeto tem explorado o uso de machine learning para auxiliar os responsáveis a verificação a integridade, consistência e qualidade dos documentos submetidos, bem como na identificação de erros, lacunas e incongruências com os critérios ou normas para cada categoria de produto.

[4] Estabelece os requisitos gerais para a realização dos Estudos de Degradação Forçada em medicamentos contendo insumos farmacêuticos ativos sintéticos e semissintéticos e define os parâmetros para a notificação, identificação e qualificação de produtos de degradação nestes mesmos produtos.

Generated by Feedzy