Materiais descartáveis em estabelecimentos assistenciais de saúde

O uso crescente de materiais descartáveis em estabelecimentos assistenciais de saúde – hospitais e clínicas – tem se consolidado como uma estratégia fundamental de controle sanitário e prevenção da contaminação cruzada – um dos maiores riscos à segurança do paciente em ambientes assistenciais.

De acordo com o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), as Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS) são responsáveis por taxas significativas de morbidade e mortalidade, além de impactarem custos operacionais. Estudos indicam que cerca de 10% dos pacientes hospitalizados em países desenvolvidos adquirem infecção hospitalar. No Brasil, a taxa é de aproximadamente 13%[1].

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Ainda que limitadas as informações sobre o ônus econômico das IRAS, dados disponíveis sugerem custos estimados em bilhões por ano. De acordo com o Centers for Disease Control and Prevention dos Estados Unidos (CDC/EUA), os custos médicos diretos das IRAS para hospitais, apenas nos EUA, variam de 35,7 a 45 bilhões de dólares anuais, enquanto o impacto econômico anual na Europa chega a 7 bilhões de euros[1]. No Brasil, estudo concluiu que o custo diário de ocupação-dia total e médio do paciente com IRAS foi 55% superior ao de paciente sem IRAS[2].

Nesse contexto, o uso de materiais descartáveis seria barreira primária de contenção microbiológica, alinhada com os princípios da Prevenção e Controle de Infecção Hospitalar (PCIH). Máscaras, toucas, aventais, campos cirúrgicos e lençóis descartáveis atuam diretamente na interrupção das cadeias de transmissão, reduzindo riscos tanto para pacientes quanto para profissionais de saúde.

Do ponto de vista sanitário, os descartáveis oferecem vantagens críticas:

Eliminação do risco de falhas no processamento de materiais, incluindo lavagem, secagem, acondicionamento e esterilização, processos que possuem taxas de erro.
Redução dos eventos de contaminação cruzada, especialmente em ambientes críticos como centros cirúrgicos, unidades de terapia intensiva (UTIs), unidades de transplante e centros oncológicos, onde a carga microbiológica ambiental e o perfil imunológico dos pacientes elevam o risco de infecções graves.
Padronização de barreiras de proteção, garantindo desempenho microbiológico uniforme. Materiais descartáveis seguem padrões específicos de barreira, resistência a fluidos e capacidade de filtração, de acordo com normas como ABNT NBR 16064 (produtos têxteis para saúde, como aventais e campos cirúrgicos de uso único e reutilizáveis) e ABNT NBR ISO 22609 (roupas para proteção contra agentes infecciosos; resistência a respingos de sangue).
Cumprimento mais rigoroso das RDCs da ANVISA, como a RDC 50/02, que trata do planejamento físico de ambientes hospitalares, e a RDC 15/12, que regulamenta o processamento de produtos para saúde. Ao eliminar etapas críticas de reprocessamento, reduz-se a exposição a não conformidades regulatórias.

Além das vantagens sanitárias, o uso de descartáveis tem benefícios operacionais e econômicos: elimina a necessidade de lavanderias hospitalares – cuja operação também oferece riscos microbiológicos se malconduzida – e reduz falhas associadas à rastreabilidade e controle de processos.

Contudo, os benefícios sanitários apresentam contrapartidas ambientais expressivas. A maioria dos materiais descartáveis hospitalares, como máscaras, toucas e aventais, é produzida em polipropileno (PP), um polímero derivado do petróleo, de difícil degradação, cuja produção é altamente dependente de energia fóssil.

O ciclo de vida desses produtos implica em geração de resíduos classificados, majoritariamente, como Grupo A (resíduos infectantes), conforme a RDC 222/18. Esse tipo de resíduo pode requer tratamento específico, como incineração, processo que tem elevada pegada de carbono e gera emissões atmosféricas, incluindo gases de efeito estufa e compostos tóxicos.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/10) enfatiza a não geração e a redução de resíduos, colocando o setor hospitalar diante do desafio de compatibilizar exigências sanitárias com responsabilidades ambientais. A ausência de soluções robustas de logística reversa, especialmente para resíduos contaminados, agrava essa equação.

Diante desse cenário, é imperativo que o setor hospitalar adote uma governança integrada que alinhe:

Gestão sanitária rigorosa, com protocolos baseados em evidências de controle de infecção.
Gestão ambiental inteligente, buscando materiais com menor impacto, tecnologias de reprocessamento seguro, além de parcerias para desenvolvimento de materiais biodegradáveis ou de menor impacto.
Gestão de risco jurídico e regulatório, equilibrando conformidade sanitária com as exigências ambientais.

O futuro de estabelecimentos assistenciais de saúde exige soluções que conciliem segurança do paciente, viabilidade econômica e sustentabilidade ambiental, tornando indispensável o desenvolvimento de novos modelos operacionais, novas tecnologias e uma governança ambiental e sanitária absolutamente integrada.

[1] Ministério da Saúde, Controle de infecções hospitalares – higiene e cuidado evitam problemas. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/infeccao_hospitalar.pdf. Acesso em 27/05/25.

[2] ANVISA, Programa Nacional de Prevenção e Controle de Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (PNPCIRAS) 2021 a 2025, março/21. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/centraisdeconteudo/publicacoes/servicosdesaude/publicacoes/pnpciras_2021_2025.pdf. Acesso em 27/05/25.

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