Com mercado em expansão, Anatel avança em normas para satélites de baixa órbita

Com um mercado em expansão e ainda sem clareza sobre diretrizes globais de regulação, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) avança para criar normas para constelações de satélites de baixa órbita que atuem no Brasil e busca influenciar o debate na União Internacional de Telecomunicações (UIT).

“Tem uma preocupação geopolítica, de ter todos esses sistemas sob domínio de empresas sediadas num país só”, disse Nilo Pasquali, superintendente de Planejamento e Regulamentação da Anatel, em entrevista ao JOTA. “O Brasil tem sido muito vocal nessa preocupação de ter critérios internacionais.”

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No início de abril, o conselho diretor da agência autorizou um pedido da Starlink para aumentar o número de satélites em operação no país até 2027, permitindo um total de 12 mil equipamentos, incluindo os 4,4 mil liberados até então.

O processo administrativo mobilizou diferentes personagens em Brasília — boa parte em decorrência da atuação de Elon Musk à frente do Departamento de Eficiência Governamental dos Estados Unidos (Doge) e como maior financiador da campanha presidencial de Donald Trump, fatos que despertaram simpatias e antipatias no Congresso.

Nos últimos meses, representantes da Starlink tiveram reuniões na Anatel, no Legislativo e no Executivo. Parlamentares atuaram contra e a favor da empresa — e até o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, opinou sobre o assunto em público.

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O vice-presidente de satélites da empresa, David Goldman, foi à capital federal em fevereiro para encontros com o presidente da Anatel, Carlos Baigorri, com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e com o então ministro das Comunicações, Juscelino Filho — que deixou o cargo no início do mês, após ser denunciado pela PGR por suspeita de corrupção com desvio de emendas. As reuniões da Starlink foram reveladas pela Veja.
No fim de março, representantes da Embaixada dos Estados Unidos foram à Anatel e trataram do tema em reunião, segundo revelou o UOL.
Parlamentares do Novo se posicionaram a favor da empresa. Em fevereiro, deputados e senadores do partido enviaram ofícios cobrando o que consideravam uma demora injustificada da Anatel. Nas redes, publicaram posts sugerindo interferência do governo Lula.
Depois da autorização, o PSol entrou com um pedido para a agência voltar atrás porque, segundo o partido, ela foi dada “sem a imposição de restrições imediatas ou salvaguardas robustas em relação à soberania nacional ou à concorrência no mercado de telecomunicações”.

A decisão sobre a Starlink também envolve, indiretamente, outro tema em que a Anatel tem buscado ganhar espaço, a moderação de conteúdo.

Em março, ainda antes de o conselho diretor da Anatel tomar uma decisão, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, citou a Starlink durante fala em evento público, argumentando que, “por enquanto, nós conseguimos manter a nossa soberania” .
“É uma questão de soberania nacional e da nossa jurisdição, porque as big techs necessitam das nossas antenas e dos nossos sistemas de telecomunicação”, disse, e reiterou em seguida: “Por enquanto.”
Moraes fazia referência ao fato de que, em setembro passado, a empresa voltou atrás após ameaçar não cumprir decisão do Supremo determinando o bloqueio do X (ex-Twitter), que também pertence a Musk.
A Anatel atuou no episódio para garantir que a ordem de Moraes fosse cumprida, e Baigorri aproveitou a oportunidade para ressaltar que só a agência possui essa capacidade técnica.
“Hoje, se você for pensar na estrutura do Estado que tem capacidade de fiscalizar e atuar de forma coercitiva no ambiente tecnológico, é à Anatel que cabe essa tarefa”, disse à época o presidente da Anatel, ao site Aos Fatos.

Daqui em diante

O principal desafio da regulação de satélites é coordenar os sistemas para diminuir o risco de interferência. Os satélites da Starlink orbitam a cerca de 400 km da Terra, distância mais próxima que a de satélites geoestacionários, que ficam a cerca de 36 mil km do planeta e utilizam as mesmas faixas de frequência.

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Para o consumidor, a distância menor se traduz em internet mais veloz — a latência, tempo de transmissão dos dados entre a Terra e o satélite, é menor que no caso de satélites geoestacionários.

Em abril, a Anatel atualizou a lista de prioridades para coordenação de radiofrequências, que estabelece quais constelações de satélites não geoestacionários devem cuidar para não provocar interferências. O rol é definido a partir da ordem de chegada dos pedidos de exploração, e a Starlink ocupa a última posição em algumas faixas de frequências, por ter feito o pedido por último.

O relator do acórdão favorável à Starlink, conselheiro Alexandre Freire, utilizou a figura do alerta regulatório para determinar que o Comitê de Infraestrutura em Telecomunicações e o Comitê de Espectro e Órbita atuem em conjunto para desenvolver “estudos aprofundados destinados a subsidiar a análise de impacto regulatório (…), considerando as diretrizes internacionais aplicáveis, bem como os princípios de sustentabilidade, eficiência no uso do espectro, segurança das redes, soberania nacional e promoção da concorrência”.

Os comitês têm caráter consultivo, e as informações reunidas servirão de subsídio para uma decisão posterior do conselho diretor. “Essa avaliação, todos esses estudos, vão ser parte do subsídio do projeto regulamentar”, explicou o superintendente de Planejamento e Regulamentação da Anatel, Nilo Pasquali.

“A ideia é ter uma proposição de normativo até o final do ano que vem, e aí começar o processo público de debate.”

Concorrência

A Starlink é pioneira neste tipo de constelação de satélites — cerca de dois terços dos satélites em órbita atualmente pertencem à empresa. Apesar disso, hoje já não tem capacidade para atender a demanda em partes da região Norte e no Rio de Janeiro, principalmente em áreas controladas pelo crime organizado.

A concorrência à empresa de Musk ainda é limitada em todo o mundo, mas esse é um mercado em expansão, e 14 sistemas de satélites não geoestacionários têm autorização para operar no Brasil, segundo a Anatel.
Durante a tramitação do pedido da Starlink, as empresas Hughes Brasil e Viasat argumentaram que a expansão poderia provocar distorções concorrenciais, entre outros pontos, pedindo que a agência negasse o pleito. Procuradas pelo JOTA, as empresas não quiseram se manifestar.
Outra gigante da tecnologia, a Amazon, tem planos de lançar ainda neste ano o Kuiper, serviço que começará a atender primeiro a região Sul e depois o restante do país.

“Você tem que fomentar a inovação”, disse Pasquali. “Quer queira, quer não, ela [Starlink] é pioneira e foi inovadora no processo todo — isso é inegável em termos de capacidade tecnológica e do que foi feito com a SpaceX”, ele continuou, mencionando a empresa aeroespacial de Musk, que aperfeiçoou e barateou o lançamento de satélites.

“A empresa colher os frutos disso é legítimo, mas não evita de termos preocupações no aspecto concorrencial e nos aspectos de atendimento à legislação brasileira.”

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