Nos últimos dois anos, o Brasil registrou avanços expressivos na redução da desigualdade. Nesse período, a renda domiciliar per capita dos 10% mais pobres cresceu 52%, muito acima da inflação acumulada no período e mais que o dobro do aumento observado no rendimento dos 10% mais ricos, de cerca de 25%.
Esse movimento contribuiu para reduzir a razão entre o rendimento médio dos 10% mais ricos e dos 40% mais pobres para 13,4 em 2024, a menor já registrada, após ter alcançado 17,8 em 2018. O índice de Gini também recuou ao menor nível da série histórica iniciada em 2012.
A redução recente da desigualdade de renda está associada ao crescimento robusto, que impulsionou a geração de empregos e renda. O bom desempenho da atividade econômica resultou na criação líquida de mais de 130 mil vagas por mês na média entre janeiro de 2023 e outubro de 2025, cerca de 40 mil a mais que nos quatro anos anteriores.
Com isso, o número de pessoas ocupadas atingiu recorde histórico, levando a taxa de desemprego ao menor nível já registrado (5,4% no trimestre encerrado em outubro). A taxa de formalização, ligada à qualidade do emprego e em geral associada a um aumento da produtividade no médio prazo, subiu junto com o aumento da ocupação, ultrapassando 62%. O rendimento real médio também atingiu recorde.
A expansão dos programas de transferência e o retorno da política de valorização do salário-mínimo, dos benefícios continuados e das aposentadorias também foram fundamentais para reduzir desigualdades. A ampliação do alcance dos programas de auxílio social garantiu renda a mais domicílios em situação de extrema pobreza, oferecendo proteção a indivíduos ainda fora do mercado de trabalho formal.
Em paralelo, a concessão de reajustes reais para rendimentos do trabalho, previdência e para as transferências continuadas assegurou que parcela relevante do crescimento robusto dos últimos anos fosse repassada a trabalhadores e idosos.
Para que a desigualdade siga caindo no Brasil, os programas de transferência são fundamentais. Em 2024, o rendimento mensal per capita mediano da população foi inferior ao salário-mínimo, de R$ 1.412, enquanto o rendimento domiciliar per capita médio, de R$ 2.020, ultrapassou o rendimento de cerca de 70% brasileiros.
Essas estatísticas evidenciam que, no Brasil, os pobres são muito mais pobres que aqueles que recebem salário-mínimo. Essencial para reduzir a desigualdade, portanto, é seguir transferindo renda para os menores percentis, de forma a garantir aos beneficiários e às suas famílias inserção social e melhores oportunidades no presente e futuro.
É falacioso argumentar que o bolsa-família reduz a oferta de trabalho entre adultos com idade de trabalhar. Em 2024, o salário-mínimo ultrapassou em cerca de 2,1 vezes o valor médio do bolsa-família recebido por todo um domicílio e essa proporção só vem se elevando com a política de valorização real dos salários.
A taxa de participação no mercado de trabalho realmente tem se mantido abaixo do nível verificado antes da pandemia, porém isso reflete principalmente a saída de jovens da força de trabalho para retornar às escolas, além do rápido envelhecimento da população brasileira nos últimos anos. Para ampliar a oferta e a produtividade do trabalho, políticas de cuidado e capacitação são muito mais eficazes do que restringir o acesso ao bolsa-família.
A política de valorização real dos benefícios de previdência e prestação continuada também traz benefícios do ponto de vista distributivo, porém sua manutenção à frente tem contrapartidas. Apesar de contribuir para a proteção da renda de grupos vulneráveis, a política acarreta expansão acentuada das despesas obrigatórias, podendo comprometer tanto a trajetória de estabilização da dívida quanto a redução das curvas futuras de juros.
À frente, também deve contribuir para a agenda de redução das desigualdades a recém aprovada taxação mínima dos muito ricos. O espaço fiscal para políticas de redução de desigualdade depende de justiça e progressividade tributária. Um primeiro passo importante nessa direção vem com a imposição de alíquota efetiva de imposto de renda de no mínimo 10% para os 0,2% mais ricos da população, com rendimento anual igual ou superior a R$ 1,2 milhão. Ainda que abaixo dos 12% pagos por contribuintes no centil 93, esse patamar já supera a alíquota média atual desse topo, de apenas 6,4%.
A redução da desigualdade pode pressionar a inflação no curto prazo. Ao elevar salários e a renda de grupos com maior propensão a consumir, políticas redistributivas podem gerar maior inflação, especialmente de serviços. Nessas situações, a política econômica tem que buscar inflação na meta, porém minimizando custos sociais a fim de não comprometer um futuro mais igual.