No curso da edição da Emenda Constitucional 132/2023, seguida da Lei Complementar 214/2025, diversos setores econômicos atuaram nos debates da reforma tributária sobre o consumo. O setor de telecomunicações teve pleitos específicos, tais como a instituição de um regime diferenciado de tributação – calcado na essencialidade da atividade -, absorção das contribuições setoriais pela CBS e exclusão de multas e encargos das bases de cálculo da CBS e do IBS.
Embora os principais pleitos do setor não tenham sido refletidos nos atos normativos que materializaram a tão esperada reforma tributária sobre o consumo, podemos dizer que algumas vitórias foram conquistadas, como a não incidência do Imposto Seletivo (IS) sobre operações com telecomunicações e o cashback de 100% para a CBS e 20% para o IBS no fornecimento de serviços de telecomunicações para famílias de baixa renda.
Entretanto, apesar de essas medidas serem positivas, ainda se projeta um aumento da carga tributária para o setor, especialmente se considerarmos a realidade do mercado das operadoras de telecomunicações que possuem em seu portfólio uma pluralidade de outros produtos que não necessariamente se enquadram como serviços de telecomunicação, mas sim, como serviços de valor adicionado (SVA) e possuem, atualmente, uma carga menor de tributação, seja por estarem sujeitas ao ISS – de alíquota máxima de 5% – seja por não se sujeitarem sequer ao ISS – como é o caso de atividades de locação.
Se por um lado, a CBS e o IBS incidirão de forma uniforme sobre todo fornecimento (serviço, mercadoria e direitos), o que permitirá superar as atuais discussões de caracterização de diferentes atividades para fins de tributação, reduzindo consideravelmente esse contencioso tão comum no setor de telecomunicação, por outro lado, essa uniformização refletirá em uma carga tributária mais elevada para o setor, o que, a depender da capacidade de aplicação da não cumulatividade da CBS e do IBS na própria operação, poderá demandar um maior fluxo de caixa, além de um aumento efetivo de tributação.
Já sob a perspectiva da tributação do IS, que nasce como um tributo cumulativo e, portanto, representa custo à operação, a sua não incidência significa, na prática, evitar um acréscimo adicional de carga tributária sobre o setor, com um potencial de preservar preços ao consumidor e previsibilidade para investimentos.
Já em relação ao cashback – considerado um mecanismo de justiça fiscal –, a devolução parcial ou integral da CBS e do IBS às famílias de baixa renda vem também para concretizar a aplicação do princípio da capacidade contributiva e corrigir a regressividade da tributação de quem recebe menos renda e destina, proporcionalmente, uma fração maior ao pagamento de tributos em comparação a quem aufere renda mais elevada.
A idealização do cashback é fundada em pilares sociais, com direta repercussão na arrecadação como uma ferramenta de equilíbrio da carga tributária suportada por essa camada da sociedade, mas, para que essa devolução funcione, é necessária uma mudança da forma de consumo.
A informalidade, comum nas relações de consumo, além de propiciar um ambiente de sonegação fiscal, fomenta a concorrência desleal. E, como remédio à essa realidade, a devolução privilegiará operações que ocorram com a emissão de documentos fiscais que identifiquem individualmente o consumidor, permitindo relacionar cada operação ao volume de tributos incidentes naquela aquisição.
Tal mecanismo além de fortalecer a cidadania fiscal é também um aliado das antigas e longas investidas da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para inibir o mercado informal de telecomunicações, que segundo pesquisas mais recentes, apontam um mercado de aproximadamente 13 milhões de assinantes informais, contra uma estimativa de 46 milhões de clientes residenciais e 6 milhões B2B regularizados, com aproximadamente 52% dos provedores atuando sem outorga[1].
Para além de desencorajar a conhecida informalidade do setor, a redução dos custos para as famílias de baixa renda também traz outra nuance positiva para o setor que é aumento da capacidade dessa parcela da população adquirir produtos de telecomunicação, ampliando o alcance de novos clientes, além de promover a inclusão digital.
Entretanto, todos esses aspectos positivos do cashback para o setor de telecomunicação apenas serão possíveis de ser percebidos se a sua implementação for bem estruturada.
De pronto, há um certo nível de complexidade no mecanismo de devolução, pois demandará uma integração de sistemas da CBS, do IBS e do Cadastro Único e um maior controle dos beneficiários, que deverão residir no Brasil, manter regularidade cadastral no CPF e possuir renda per capita de até meio salário-mínimo nacional.
Especificamente sobre os serviços de telecomunicações, o §1º do artigo 116 da Lei Complementar nº 214/2025 dispõe expressamente que no fornecimento de tais serviços as devoluções serão concedidas no momento da cobrança, porém, ainda não há clareza de como essa devolução se dará, considerando, especialmente, que a regra geral de devolução observará o período de apuração, a periodicidade de pagamentos e formas de creditamento às pessoas físicas destinatárias.
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O que podemos notar é que a reforma tributária implementa sistemáticas que indiretamente beneficiam o setor, mas ainda não consolidam a possibilidade de maiores conquistas à expansão digital e crescimento de mercado, seja em razão da real expectativa do aumento da carga tributária, seja pela ausência da instituição de incentivos fiscais diretos, como aqueles concedidos para outras atividades econômicas, a exemplo da redução em 60% do IBS e da CBS sobre bens e serviços relacionados à segurança cibernética. Permanecem, portanto, as duras críticas sobre os desafios de políticas públicas que verdadeiramente fomentem setores essenciais à população.
[1] Regularização de ISPs domina segundo dia de debates no Evento NEO 2025 – TELETIME News