O presidente Lula disse nesta quinta-feira (18/12), em entrevista coletiva no Palácio do Planalto, acreditar que o Brasil, sua sociedade e sua economia já estão prontos para o fim da escala 6×1. A fala do presidente ocorre no momento em que a redução da jornada de trabalho ganha tração no Congresso Nacional, onde tramitam duas PECs a respeito do tema. E reflete também a percepção em seu entorno de que o Parlamento pode, de fato, aprovar as mudanças já no ano que vem.
“Não existe um único argumento que possa dizer que a sociedade brasileira não está pronta. Se nos anos 1980 a gente já queria reduzir, a gente tem que levar em conta os avanços tecnológicos”, disse o presidente, lembrando ter sido um dos primeiros sindicalistas a defender a redução da jornada, há quatro décadas. “Acho que o comércio e a indústria estão preparados, e os avanços tecnológicos, nos últimos 40 anos, permitem que a gente faça a redução.”
Desde o início deste ano, quando o assunto voltou a ser discutido com mais força no Congresso, integrantes do governo viam as possibilidades de aprovação da redução da jornada com ceticismo. Alguns auxiliares de Lula comentavam, nos bastidores, que essa era uma luta importante para o governo entrar, mesmo que fosse para perder.
Entretanto, essas mesmas fontes acreditam que o assunto ganhou tanto impulso nos últimos meses que já vislumbram chances consideráveis de aprovação no Parlamento já no ano que vem. Uma das fontes faz um paralelo com a isenção do Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil. A cúpula do Congresso foi praticamente obrigada a colocar o projeto em discussão. E muitos parlamentares, mesmo pessoalmente contrários, acabaram constrangidos a não votar contra a isenção. O mesmo processo estaria acontecendo com a escala 6×1, acreditam alguns interlocutores do governo.
Confira mais destaques da entrevista:
Acordo Mercosul-UE
Na entrevista coletiva, Lula também se referiu às chances de assinatura do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia já na reunião do bloco sul-americano, no próximo sábado (20/12), em Foz do Iguaçu. Havia expectativa de que o tratado fosse firmado ainda neste ano, mas resistências por parte da França e da Itália estão dificultando sua aprovação pelo Conselho Europeu.
Lula disse que, “da parte do Mercosul está tudo resolvido”. Afirmou que “sempre soube que a França era contra”. E contou ter telefonado nesta quinta-feira para a premiê italiana, Giorgia Meloni, que lhe pediu mais “uma semana, um mês” para convencer os agricultores de seu país.
“Eu sempre soube que a França era contra”, disse Lula. “A novidade para mim foi a Itália. E eu liguei hoje para a primeira ministra Meloni. Eu disse para ela que a data de 20 de dezembro não foi uma data proposta por nós. Foi proposta pela Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, e pelo Antonio Costa, presidente do Conselho Europeu. Ela ponderou para mim que não é contra o acordo. Apenas está vivendo um certo embaraço político por conta dos agricultores italianos, mas que ela tem certeza de que é capaz de convencê-los a aceitar o acordo.”
Lula disse ainda que “a esperança é a última que morre”, sobre a votação prevista para esta quinta-feira no Conselho Europeu, caso haja um acordo pela aprovação.
“Se não for possível assinar o acordo no sábado, paciência”, disse Lula.
Nos bastidores, auxiliares do presidente afirmam que dificilmente o acordo será assinado no sábado, por conta dos entraves políticos na Europa. Entretanto, o governo brasileiro deve dar aos europeus o prazo de um mês pedido por Meloni, apesar da indicação anterior de que, se não houvesse a assinatura agora, jogariam a toalha.
Sem privatização dos Correios
O presidente lamentou “profundamente” a crise nos Correios, disse que “nós não podemos ter uma empresa pública, por mais importante que seja, dando prejuízo”, mas descartou privatizar a empresa. Segundo Lula, “uma empresa pública não precisa ser a rainha do lucro, mas não pode ser a rainha do prejuízo”, e seu governo vai “tomar as medidas que tivermos que tomar, mudar todos os cargos que tiver que mudar”.
Ele afirmou ainda que deu à ministra de Gestão e Inovação, Esther Dweck, a “missão de entregar os Correios recuperados”.
“Eu não tenho interesse de ter estatal tendo prejuízo, o povo brasileiro não tem interesse de ter estatal com prejuízo”, afirmou. “Mas, enquanto eu for presidente, não tem privatização”, disse, indicando que pode haver parceria com empresas privadas ou até mesmo a mudança para uma empresa de economia mista.
Tarifaço e reciprocidade
Lula também foi questionado pelos jornalistas sobre o tarifaço promovido pelo presidente Donald Trump, dos Estados Unidos. Ele celebrou o fato de a discussão não estar mais no âmbito político, como no início, quando o americano relacionou as tarifas à situação jurídica do ex presidente Jair Bolsonaro. Disse que mantém diálogo constante com Trump e que espera que haja uma solução em breve. Mas, se não houver, não descartou lançar mão da lei de reciprocidade, aprovada pelo Congresso, contra os EUA.
“Eu sempre defendi que é direito soberano de um país taxar produtos de outro país se entender que está tendo prejuízo com importações. O que eu fui contra é que os motivos pela taxação não eram verdadeiros. E acho que o presidente Trump já entendeu isso. E eu acho que nós vamos chegar a um acordo”, disse Lula. “A cada 15 dias eu estou tomando atitude e mandando mensagem pessoal ao Trump. Quem engorda o porco é o olho do dono. Eu tenho que cobrar, eu tenho interesse. Se concluirmos que não terá solução, nós podemos colocar em prática a reciprocidade”, afirmou, destacando que não tem interesse em adotar a medida.
Dosimetria
O presidente Lula negou ter conhecimento sobre o suposto acordo realizado entre governo e Congresso Nacional para a aprovação do Projeto de Lei 2.162/2023 (PL da Dosimetria), que propõe a diminuição das penas dos condenados pela tentativa de golpe nos atos de 8 de janeiro de 2023. “Se houve acordo com o governo, eu não fui informado. Se o presidente foi informado, então não houve acordo”, afirmou o petista.
Em sua fala, o presidente fez referência à declaração do líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), que disse ter realizado um “acordo de procedimento” para permitir a votação do PL da Dosimetria em troca do apoio da oposição à aprovação do Projeto de Lei Complementar (PLP) 128/25, que prevê o aumento da tributação sobre bets e fintechs.
“As pessoas que cometeram um crime contra a democracia brasileira terão que pagar pelos atos que cometeram contra o país. Nem terminou o julgamento, e as pessoas querem reduzir as penas”, criticou Lula.
Afirmou ainda que irá vetar o projeto que abranda as penas dos condenados. “Com todo o respeito que eu tenho pelo Congresso Nacional, ao chegar à minha mesa eu vetarei”, declarou.
INSS
Sobre o caso de corrupção no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Lula relembrou que a iniciativa de apuração partiu do governo, que, segundo ele, propôs a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).
O petista também justificou o atraso das investigações. “Demorou porque, como a gente não quer fazer pirotecnia, a gente quer investigar com seriedade, a PGR levou quase dois anos para fazer a apuração”, argumentou.
Ele reprovou a prática de corrupção contra os aposentados do INSS e assegurou que a investigação alcançará todos os envolvidos, independentemente da proximidade com o governo. “Se tiver filho meu metido nisso, vai ser investigado. Se tiver Haddad, Rui Costa, vai ser investigado”, advertiu.
Lula aproveitou para exaltar a devolução do dinheiro desviado e disse ter reafirmado que “todos vão pagar pelos delitos que cometeram”.
Venezuela
Em relação à disputa entre Venezuela e Estados Unidos, Lula disse que “nunca ninguém diz por que quer o conflito com a Venezuela; não sei se é petróleo, minerais críticos, terras raras” e afirmou se preocupar com o real motivo da insurgência.
Por outro lado, informou que ofereceu ajuda tanto ao presidente americano quanto ao líder venezuelano. “Eu falo para o Trump e o Maduro: é importante resolver essas ‘pendengas’ todas numa mesa de negociação”, pontuou. Afirmou ainda ser a favor de procurar soluções para os problemas e contrário à prática de “fazer política procurando inimigos”.
“Se os problemas que estão em litígio são os que aparecem na imprensa, não há por que usar arma”, avaliou.
O petista se posicionou contrário ao conflito em razão da extensão e da proximidade da fronteira que o Brasil mantém com o país sul-americano. “Nós temos muitos quilômetros de fronteira com a Venezuela, nós não queremos um conflito aqui na nossa região.”
Acrescentou ainda que deve haver uma nova conversa com Trump sobre o assunto, antes do Natal, com o objetivo de evitar uma guerra e contribuir para a realização de um acordo diplomático. “Eu fico preocupado com o que está por trás da atuação dos EUA. Porque não pode ser simplesmente derrubar o Maduro.”
Messias X Alcolumbre
Perguntado sobre a indicação de Jorge Messias ao cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Lula declarou que “apenas cumpriu o dever de presidente da República”.
Explicou que, em sua visão, o impasse quanto à indicação decorre da resistência do Senado, especialmente do atual presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), que teria preferência pelo nome do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG). “Houve problema porque o Senado queria indicar o companheiro Pacheco, que tem muito mérito, gosto individualmente, sonhei que fosse candidato em Minas Gerais.” Na sequência, o petista disse não ter nada contra Alcolumbre, mas, apesar disso, manteve a indicação de Messias.
Quanto à sabatina de Messias no Senado, Lula frisou que “não dá mais este ano, o Congresso vai entrar em férias”. A posse do indicado deve ocorrer na volta do recesso, no ano que vem.
Eleição X Flávio Bolsonaro
“Eu posso afirmar que nós talvez não estejamos mostrando o que nós temos que mostrar”, declarou Lula na coletiva, ao comentar a dificuldade de subir nas pesquisas.
Segundo o petista, a dificuldade está em comunicar à população a totalidade das ações políticas. “Eu digo para o Sidônio sempre: a dificuldade de mostrar é porque tem muita coisa”, avaliou.
Acrescentou ainda que não está em posição de julgar os adversários Flávio e Michelle Bolsonaro e que, independentemente das candidaturas anunciadas pela oposição, “a gente vai ganhar as eleições”.
Gleisi Galípolo
O presidente afirmou ter “100% de confiança” em Gabriel Galípolo, atual presidente do Banco Central (BC), apesar de reiterar que nunca foi favorável à independência da instituição.
Ao comparar seu governo com gestões anteriores, recordou que Fernando Henrique Cardoso substituiu quatro ou cinco presidentes do BC. Citou também que, em seu mandato anterior, Henrique Meirelles permaneceu oito anos à frente do Banco Central.
Além disso, disse perceber sinais de que a taxa de juros deve cair em breve. “Da mesma forma que a gente sente o cheiro de chuva, eu estou sentindo que logo, logo, a taxa de juros vai baixar”, afirmou, acrescentando que espera que Galípolo esteja sentindo o mesmo “cheiro”.
Apesar das impressões, enfatizou que jamais fará pressão para que o BC reduza os juros, interferindo na autonomia da instituição.