O governo recebeu, nesta quinta-feira (18/12), a proposta de um projeto de Lei Geral da Gestão Pública. A minuta, apresentada aos ministros Esther Dweck, da Gestão e da Inovação (MGI), e Jorge Messias, da Advocacia-Geral da União (AGU), atualiza o Decreto-lei 200/1967, um dos pilares da organização da administração pública federal. O anteprojeto inclui a possibilidade de a União prestar assistência técnica a estados e municípios e facilita a colaboração do governo com o setor privado e organizações não governamentais. Também atenua regras de punição para servidores que agem “de boa-fé” com o objetivo de estimular a implementação de “soluções inovadoras”.
A proposta ainda prevê a criação do cargo de Ministro de Extraordinário para lidar com situações específicas e temporárias consideradas de interesse público nacional. Estabelece também a obrigatoriedade de a Lei Orçamentária Anual (LOA) ser acompanhada de um marco orçamentário com previsões de despesas para, no mínimo, três anos subsequentes.
Em linha com a ênfase na inovação e na colaboração, o projeto autoriza a criação de ambientes experimentais, os chamados sandboxes, que permitem a suspensão temporária e controlada de exigências regulatórias específicas. A proposta também prevê que, na atuação conjunta entre poderes, entes federativos e atores estatais e não estatais, sejam adotados mecanismos para o compartilhamento de informações e recursos e para corresponsabilização na implementação das políticas públicas.
O projeto foi elaborado por uma comissão de especialistas em gestão e em direito público liderada por MGI e AGU com maioria de representantes da sociedade civil. Do governo, a Controladoria-Geral da União (CGU) e do Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO) também participaram da elaboração.
De acordo com os autores, a proposta foi norteada por uma perspectiva de “governança pública colaborativa”, pautada pela “maior articulação federativa orientada para políticas públicas” e uma “relação interdisciplinar” entre governo, sociedade e mercado.
Agora, a proposta segue para uma avaliação geral dentro do governo Lula antes de ser encaminhada ao Congresso. Ainda não há um prazo de quando a minuta será enviada como projeto de lei. Também não há, segundo o MGI, um cálculo de eventuais impactos orçamentários da proposta – que serão feitos após a análise geral final dos textos por outros ministérios. Segundo Francisco Gaetani, secretário para a Transformação do Estado do MGI, o projeto não endereça diretamente questões fiscais e a expectativa é de redução de custos a partir da otimização de processos.
Dentro da pasta, a atualização do Decreto 200/67 é uma parte importante da agenda de transformação do Estado capitaneada no governo Lula pelo MGI. O anteprojeto já vem sendo rascunhado pela sociedade civil com apoio do Executivo há quase dois anos e chegará ao Legislativo em meio às discussões sobre o pacote da Reforma Administrativa.
Embora menos ampla, a Lei Geral da Gestão Pública dialoga, em partes, com a proposta da Câmara. As propostas partem de um diagnóstico semelhante de esgotamento do modelo burocrático tradicional e têm objetivos em comuns de planejamento estratégico, transformação digital e incentivo à inovação.
O governo, que evita se associar à ideia de reforma administrativa, nega que o projeto de lei seja um contraponto à proposta do Congresso e tenta se desvincular da expressão. A secretária-adjunta da secretaria extraordinária para a Transformação do Estado do MGI, Celina Pereira, diz que os debates sobre a atualização do Decreto 200/67 independem “de qualquer outra proposta que venha de qualquer ator” e são anteriores à discussão dos projetos apresentados em outubro sob a liderança do deputado Pedro Paulo (PSD-RJ).
Entenda ponto a ponto o anteprojeto:
A proposta estabelece que gestão das políticas públicas compreende um ciclo contínuo e articulado de formulação, implementação, monitoramento e avaliação. A Administração Pública deve promover o fortalecimento contínuo das capacidades estatais (recursos humanos, tecnológicos, financeiros, etc.) para assegurar a qualidade no uso de recursos e na efetividade das políticas.
Será mantido um catálogo unificado de políticas públicas, atualizado anualmente, para organizar e disponibilizar informações que apoiem a gestão, a cooperação federativa e a transparência para os cidadãos. A implementação poderá utilizar diversos meios, como parcerias federativas, instrumentos com organizações da sociedade civil e setor privado, instrumentos regulatórios e fomento. Os instrumentos de implementação podem ser definidos isoladamente ou de forma combinada, conforme a adequação aos objetivos.
A governança deve ser colaborativa entre poderes, esferas federativas e atores estatais e não estatais, com a adoção de mecanismos para viabilizar o compartilhamento de informações e recursos e a corresponsabilidade na implementação.
O projeto exige a promoção da participação da sociedade no ciclo de políticas públicas e nos processos de gestão, por meio de mecanismos como audiências públicas, conselhos, plataformas digitais e orçamento participativo.
As transferências de recursos da União devem observar a legislação de finanças públicas e priorizar a equidade na distribuição e o alinhamento com prioridades estratégicas nacionais. A União poderá implementar mecanismos de assistência técnica para o fortalecimento das capacidades estatais de Estados e Municípios.
Parcerias com o Setor Não Estatal: Prevê adoção procedimentos simplificados e proporcionais; A execução de recursos nessas parcerias deve observar os métodos usualmente adotados pelo setor privado, vedando a exigência de regras de contabilidade ou de pessoal similares às públicas.
Gestão e Inovação
Gestão de pessoas deve ser coordenada de forma integrada, valorizando a força de trabalho pública e alinhando o planejamento de pessoal às metas e prioridades governamentais.
A inovação pública será direcionada a aprimorar a qualidade das políticas e processos, estimulando a experimentação e a adaptação a contextos diversos. Inclui a possibilidade de estabelecer ambientes experimentais (sandboxes) que permitem a suspensão temporária e controlada de exigências regulatórias específicas para fins de teste e validação.
O projeto prevê a transformação digital como uma finalidade central da administração pública, que deve seguir o princípio do “digital como padrão”.
O desenvolvimento e uso de Inteligência Artificial na Administração Pública devem observar diretrizes como centralidade do ser humano, transparência, rastreabilidade, explicabilidade algorítmica e combate a vieses. A governança de dados promoverá a interoperabilidade e o reuso de dados como ativos estratégicos.
Estrutura, Planejamento e Orçamento
Define a organização da Administração Direta e Indireta. As entidades indiretas se vinculam a um órgão supervisor e podem ter sua atuação regulada por contratos de gestão, contratos de desempenho ou instrumentos similares, que podem prever a concessão de autonomias gerenciais em troca de metas e resultados.
Previsão para que seja criado o cargo de Ministro de Estado Extraordinário para desempenho de atividades excepcionais de interesse público nacional, com atuação delimitada por missão específica e duração máxima de 24 meses (prorrogável uma vez).
O planejamento governamental será contínuo e orientado por evidências, com a criação de uma estratégia nacional de longo prazo para um período mínimo de doze anos.
O projeto promove a articulação entre planejamento, orçamento e avaliação. A Lei Orçamentária Anual será acompanhada de um marco orçamentário de médio prazo (mínimo de três exercícios subsequentes).
Integridade e Controle
As atividades de controle (interno, externo, social e judicial) devem priorizar o foco em resultados e gestão de riscos, em substituição a abordagens exclusivamente formais ou procedimentais. O controle será exercido de forma proporcional aos riscos.
As decisões e atividades de controle deverão conciliar a exigência de regularidade com a necessidade de continuidade das políticas públicas. Os órgãos de controle priorizarão a celebração de instrumentos consensuais (como termos de ajustamento de gestão) com gestores para aprimoramento da gestão e correção de falhas.
Na apuração de responsabilidade, deve ser comprovado dolo ou erro grosseiro na conduta do agente. Agentes públicos que agiram de boa-fé e com diligência em soluções inovadoras que não alcançaram os resultados esperados não serão responsabilizados administrativamente pelo insucesso, desde que tenham documentado o processo. Erros de boa-fé em contextos de inovação serão tratados prioritariamente com orientação e capacitação.