Embaixada dos EUA atuou no Congresso para adiar votação do PL do VoD

Funcionários da Embaixada dos Estados Unidos em Brasília têm visitado gabinetes de parlamentares encarregados de projetos de lei que regulam serviços no ambiente digital. Matthew Lowe, conselheiro para Assuntos Econômicos da missão diplomática, lidera a equipe que se encontrou com pelo menos dois senadores e um deputado nas últimas semanas. Nas conversas, os diplomatas americanos desencorajaram o avanço de proposições em meio às negociações bilaterais sobre o Tarifaço.

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O JOTA apurou que Lowe esteve com o deputado Aliel Machado (PV-PR), relator do PL 4675/2025, que regula a concorrência nos mercados digitais, com o senador Eduardo Gomes (PL-TO), que relata o PL 2331/2022, de regulação dos serviços de vídeo sob demanda (VoD), e com o senador Nelsinho Trad (PSD-MS), autor do PL 2331/2022 e presidente da comissão temporária para tratar das relações econômicas com os EUA.

Todos os encontros ocorreram nas últimas semanas, quando havia indicativos de que os projetos poderiam avançar no Congresso. Em nota, a Embaixada dos EUA afirmou ao JOTA que, “por questão de privacidade”, não comentaria “conversas diplomáticas privadas”.

“Preocupação”

Lowe chegou na tarde de terça-feira (16/12) ao gabinete de Eduardo Gomes (PL-TO), acompanhado de assessores, para conversar sobre o PL 2331/2022. Gomes havia acabado de receber uma comitiva do Executivo para tentar fechar um acordo sobre a abrangência da regulação dos serviços de vídeo sob demanda (VoD).

Com o verniz próprio de conversas diplomáticas, os representantes da Embaixada dos EUA disseram ter preocupações com o momento em que o projeto poderia ser votado no Senado e como isso afetaria as empresas americanas. Lowe citou o “estágio positivo” em que se encontram as relações entre Brasil e EUA, com a retirada de tarifas por parte de Washington, e que o Senado poderia esperar um acordo mais amplo antes de pautar a proposta.

Antes do encontro com Lowe, Gomes afirmou aos integrantes do governo federal que a visita de um representante de Washington não era banal e se mostrou surpreso quando soube que não havia um embaixador designado para a missão diplomática em Brasília. O presidente dos EUA, Donald Trump, não indicou ninguém para o posto desde que assumiu, o que faz do encarregado de negócios, Gabriel Escobar, o mais alto funcionário americano no Brasil.

Antes de conversar com Gomes, Lowe esteve no gabinete do autor do PL 2331/2022, o senador Nelsinho Trad. Na conversa, o americano foi mais explícito do que nas tratativas com Gomes e manifestou contrariedade com a eventual aprovação do projeto, já que o texto criaria nova taxa para empresas americanas. Após esta reunião, Trad procurou Gomes para conversar sobre o andamento do texto e articulou para o debate sobre o mérito ser feito em 2026.

Novo personagem

A atuação de Lowe chamou a atenção dos integrantes do governo brasileiro por ele não ser um dos interlocutores nas conversas de alto nível com Washington sobre o Tarifaço e outros temas afins. Apesar de a Casa Branca se opor às políticas regulatórias contra empresas americanas ao redor do mundo, Lula e Trump nunca mencionaram o assunto nas conversas bilaterais. Quem participa das tratativas afirma que, por uma questão de soberania, Lula considera a regulação do ambiente digital um tópico inegociável.

Lowe encontrou os integrantes do governo brasileiro na antessala do gabinete de Gomes. Em uma rápida conversa, ele disse que era preciso “desacelerar” a tramitação do PL 2331/2022 para que não surgissem “bandeiras vermelhas” durante as negociações entre Lula e Trump. Ele também reforçou a necessidade de obter um “acordo melhor com as empresas” antes de votar a regulação.

Apesar da atuação da Embaixada dos EUA, fontes do Executivo evitaram superdimensionar o papel de Lowe no adiamento da votação do PL 2331/2022. O governo entendia que alcançar um acordo com Gomes seria ainda mais desafiador após artistas e representantes do setor audiovisual reclamarem da proposta regulatória para o VoD.

A controvérsia subiu de patamar após áudios de uma conversa privada entre a empresária Paula Lavigne e o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), líder do governo no Congresso, vazarem na imprensa. O desentendimento entre eles foi motivado por uma entrevista em que o ator Wagner Moura criticava a atuação do governo na concepção do relatório do PL 2331/2022.

Gomes, inclusive, reclamou na reunião com o governo que tinha ido prestigiar um show do cantor Caetano Veloso em Brasília, na última quinta-feira (11/12), e que no dia seguinte foi surpreendido ao receber ataques de artistas. Sem acordo, Gomes nem chegou a apresentar um relatório para o projeto em questão.

Regulação concorrencial

Semanas antes de o VoD virar assunto no Senado, Lowe foi até o gabinete do deputado Aliel Machado para levar a “preocupação” que nutria com o PL 4675/2025. Os pontos trazidos por Lowe foram similares aos da conversa com Gomes: inquietações com os efeitos da proposta sobre empresas americanas e a necessidade de evitar problemas em meio aos avanços na relação entre Brasil e EUA.

Na ocasião, a Câmara cogitava votar um requerimento de urgência para levar o PL 4675/2025 direto ao plenário. O dispositivo não foi apreciado devido à importância adquirida pela pauta da segurança pública e em função de desentendimentos entre o governo federal e o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).

O PL 4675/2025, de autoria do Executivo, regula a concorrência nos mercados digitais e foi enviado ao Congresso em setembro. Uma das inspirações para a elaboração do texto foi o Digital Markets Act (DMA), uma legislação da União Europeia atacada com frequência por Trump e assessores da Casa Branca. Desde que tomou posse, o presidente americano ameaça impor sanções ao bloco econômico em retaliação às medidas que considera “discriminatórias” contra as empresas dos EUA.

Outro lado

O JOTA enviou oito perguntas à Embaixada dos Estados Unidos para questioná-la sobre a atuação junto ao Congresso Nacional e sobre eventuais direcionamentos passados a Lowe por parte da Casa Branca, do Departamento de Estado, do Escritório do Representante de Comércio dos EUA (USTR) ou de outros órgãos subordinados ao governo em Washington. A missão diplomática também foi indagada sobre a frequência com que representações dos EUA se manifestam de forma favorável ou contrária sobre os projetos de lei em tramitação nos Legislativos de outras nações.

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A Embaixada limitou-se a dizer que não comentaria “conversas diplomáticas privadas” por questões de privacidade.

Questionada sobre os tópicos citados na reportagem, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) informou apenas que a posição do governo sobre o PL 2331/2022 é pública e está contemplada em duas notas, divulgadas nos dias 12 e 16 de dezembro.

O senador Nelsinho Trad disse que também tratou de outros temas da agenda bilateral com a Embaixada dos EUA, incluindo comércio e energia, e pontuou que debates sobre projetos que tramitam no Senado estão em fase de amadurecimento para “identificar pontos de convergência e eventuais impactos sobre setores estratégicos da economia brasileira”.

Trad lembrou que parlamentares brasileiros estiveram nos EUA para dialogar com congressistas e atores do comércio exterior e afirmou ser “natural e legítimo que representantes estrangeiros busquem interlocução com parlamentares brasileiros, no espírito da reciprocidade e da construção de entendimento mútuo”.

O JOTA não conseguiu contato com o senador Eduardo Gomes nem com o deputado Aliel Machado.

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