De olho na infiltração das organizações criminosas em setores econômicos, o Ministério da Justiça planeja definir um rol de práticas que costumam estar associadas à lavagem de dinheiro para criar um sistema de alertas de risco. O objetivo é identificar casos com indícios de irregularidades com foco na prevenção.
A iniciativa faz parte de um esforço pela “asfixia financeira” do crime organizado, conforme disse em entrevista ao JOTA o secretário nacional de Justiça, Jean Keiji Uema, que quer ter meios de levantar as cadeias produtivas em que a criminalidade está mais inserida.
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A priorização será nos setores de combustível, imobiliário e nas instituições de pagamento, como as fintechs, além dos fluxos ilícitos em operações de comércio exterior. As áreas foram alvo recente de operações mirando a expansão do Primeiro Comando da Capital (PCC) em setores formais da economia e na lavagem de dinheiro.
“Nós queremos fazer um relatório de diagnóstico, com tipologias e sinais de alerta sobre lavagem de dinheiro”, afirmou. “Com isso nós queremos criar um guia de boas práticas e prevenções adaptadas aos setores, conversando com o setor privado”.
As medidas serão debatidas no âmbito da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla). A iniciativa que reúne 90 instituições dos três Poderes e dos níveis federal, estadual e municipal aprovou no final de novembro dez ações para serem desenvolvidas em 2026.
No setor imobiliário, por exemplo, um dos meios estudados para detectar irregularidades é a compra de imóveis com dinheiro vivo.
“Nós queremos levantar essa tipologia e sinais de alerta. No caso de uma imobiliária, uma incorporadora, com determinadas características em determinadas situações. Você vai identificar que ali tem uma tipologia característica de lavagem de dinheiro, de risco”, disse o secretário.
A ideia é também dialogar com as empresas que atuam no ramo. No setor imobiliário, passa por contribuir com o Conselho Federal de Corretores de Imóveis (Cofeci) na regulamentação de práticas e cumprimento de normas.
‘Esquema Refit’ e combustíveis
Outra frente de atuação será na cadeia de combustíveis, historicamente vulnerável à atuação de organizações criminosas. A proposta é investir contra práticas que envolvem sonegação fiscal, adulteração de produtos, lavagem de dinheiro e cartelização.
Segundo Uema, o setor é um dos principais em que há lavagem de dinheiro organizada.
A ação mira também os crimes praticados por meio do comércio exterior, como os relacionados ao caso do Grupo Fit (antiga Refit), dono da refinaria de Manguinhos, no Rio de Janeiro.
As investigações apontaram para um esquema estruturado de fraude fiscal e ocultação patrimonial que simulava operações e movimentava dinheiro dentro e fora do Brasil. O prejuízo causado já seria de mais de R$ 26 bilhões e o grupo é considerado o maior devedor contumaz do país.
“Nós vamos ter uma ação específica de combate aos fluxos financeiros ilícitos por meio de operações no comércio internacional que é, por exemplo, o que a gente viu ali na Refit. Então, envolve avançar em determinadas discussões, importação, exportação, como esses mecanismos são usados para lavagem de dinheiro”.
Fintechs e meios de pagamento
No campo digital, a atenção vai se voltar aos arranjos de pagamento, principalmente os que operam as transferências via Pix. Empresas do setor já têm a obrigação de monitorar riscos envolvidos na operação e manter uma comunicação com as autoridades.
Diagnóstico de anos anteriores das ações da Enccla já haviam apontado que o crime organizado se vale de instrumentos tecnológicos e empresariais para dissimular e movimentar recursos de origem ilícita.
Entre as áreas mapeadas estão empresas de tecnologia financeira, bancos digitais, carteiras virtuais e plataformas de pagamento instantâneo. Agora, o objetivo será focar em inteligência financeira e trocas de informações entre instituições.
Estão envolvidos nessa ação, além de polícias Federal e civis, o Coaf, o Banco Central, e a Receita Federal.