A contratação integrada, tal como disciplinada pelas Leis 13.303/16 (Lei das Estatais) e 14.133/21 (Lei de Licitações), distingue-se por ser licitada sem projetos previamente desenvolvidos pelo ente público.
Seu fundamento é o anteprojeto, que consolida elementos descritivos (demonstração e justificativa do programa de necessidades, visão global de investimentos e os elementos de contorno e dados de engenharia disponíveis) e prescritivos (especificações estéticas, funcionais, econômicas, ambientais e de acessibilidade). Sobre essa base, são formuladas as propostas na licitação e, já durante o contrato, desenvolvidos os projetos básico e executivo pelo contratado.
Essa sistemática envolve a transferência ampliada de riscos ao contratado, em razão da responsabilidade pela concepção de engenharia a ser desenvolvida. Assim ocorre a ponto de a Lei 14.133/21 definir como obrigatória a estruturação de matriz de riscos analítica para as contratações integradas (art. 22, § 3º) e indicar, como reflexo da maior incerteza técnica, que o preço contratado poderá abranger, de forma específica, “parcela referente à remuneração do risco” (art. 23, § 5º).
Como decorrência desse modelo, a disciplina legislativa prevê hipóteses de reequilíbrio econômico-financeiro em contratações integradas atreladas à ocorrência de certos eventos supervenientes.
O art. 133 da Lei 14.133/21 estabelece que é possível reequilíbrio: em razão de caso fortuito e força maior (inc. I); por pedido do ente público para alteração do projeto ou das especificações, ressalvada a responsabilidade do contratado por erros de projeto (inc. II); e por evento superveniente alocado na matriz de riscos como de responsabilidade do ente público (inc. IV). O art. 134 acrescenta a possibilidade de reequilíbrio em caso de criação, alteração ou extinção de tributos, ou por superveniência de normas legais que produzam “comprovada repercussão sobre os preços contratados”. A sistemática da Lei 13.303/16 segue a mesma lógica (arts. 42, 43 e 81).
Um tema que a legislação deixa em aberto diz respeito à possibilidade de reequilíbrio quando os dados do anteprojeto se revelam incompatíveis com a realidade, de modo a produzir distorções nas premissas e nos preços contratados.
Por muito tempo, prevaleceu nos órgãos de controle a visão de que os riscos relativos a omissões e inconsistências no anteprojeto seriam assumidos pelo contratado – que, portanto, não poderia reclamar reequilíbrio nesses casos. Por essa concepção, o defeito no anteprojeto seria “fato que não se constitui em hipótese legalmente admitida de aditamento contratual (…)” (TCU, Acórdão 2433/2016 Plenário, Auditoria, Relator Ministro Benjamin Zymler).
Essa visão tem sido objeto de revisão.
Em resposta a consulta sobre o tema, o Tribunal de Contas do Espírito Santo fixou a tese de que o reequilíbrio do contrato será cabível “quando houver onerosidade excessiva decorrente de significativa e imprevisível divergência entre o anteprojeto e estudos definitivos (…)” (Consulta 00023/2021-5, Plenário, rel. Cons. Sérgio Aboudib Ferreira Pinto, j. 19/08/2021).
Conclusão similar foi definida pelo Plenário do TCU no Acórdão 2.429/2024 (rel. Min. Benjamin Zymler, j. 13/11/2024). Nesse julgado, o TCU buscou distinguir casos de “imprecisões comuns” – que, na visão daquela Corte, constituiriam risco do contratado –, de “erros substanciais, que ensejem uma onerosidade excessiva no contrato”, para concluir que estes últimos podem justificar o reequilíbrio contratual.
No entanto, a fronteira entre as duas hipóteses não foi delimitada de forma objetiva e definitiva. Uma das determinações desse acórdão inclusive consistiu em apontamento à empresa estatal então fiscalizada para incluir “nas próximas matrizes de risco ou normativo interno da empresa estatal o que constituiria ‘onerosidade excessiva’ necessária para configuração do desequilíbrio econômico-financeiro da avença”.
Esses julgados representam importante evolução, ao fornecer resposta à indagação sobre o cabimento de reequilíbrio em contratações integradas em hipóteses não especificadas em lei. A resposta é positiva e se baseia na superação da concepção de que a transferência de riscos ensejaria o repasse indiscriminado, ao contratado, de problemas crônicos de concepção do anteprojeto.
É evidente que a lógica da contratação integrada deve ser observada, mas ela deve ser estruturada de modo a se articular de forma adequada e factível com a realidade e com as premissas técnicas e econômico-financeiras pré-contratuais, sobre as quais o ente público permanece tendo responsabilidade, inclusive por disposição constitucional (art. 37, § 6º, da CF/88).
A transferência de riscos de projeto ao contratado, tal como determinada pelos arts. 22, § 4º, da Lei 14.133/21 e 42, § 3º, da Lei 13.303/16, não pressupõe nem implica o repasse da responsabilidade por vícios nos atos preparatórios da licitação.
De outra parte, o entendimento acima exposto suscita outras questões.
Uma delas é: quando estarão configurados erro substancial e onerosidade excessiva? Em resposta, o Acórdão 2.429/24 pareceu atrelar a ocorrência de erro substancial a uma certa dimensão econômica do desvio para correção do defeito de anteprojeto. Em outras palavras, para haver erro substancial, deve estar configurada onerosidade excessiva.
Já para determinar a onerosidade excessiva, o TCU invocou entendimento que tem sido por ele aplicado para hipóteses de imprevisão, de modo a concluir que, se não houver previsão no contrato em sentido diverso, a onerosidade excessiva ocorrerá se “o lucro líquido da contratada se tornar negativo”.
Essa resposta, que já suscita controvérsias no campo da teoria da imprevisão, parece ainda menos adequada para a questão aqui tratada.
Por um lado, deve-se observar que o erro substancial pode decorrer de dificuldades técnicas não necessariamente refletidas na dimensão econômica das alterações exigidas. A onerosidade excessiva pode constituir um (mas não o único) parâmetro adequado para a caracterização de erro substancial.
Por outro lado, ao condicionar a revisão do contrato à ocorrência de lucro negativo, tal entendimento anula a responsabilidade do ente público por um erro por ele produzido e acaba por beneficiá-lo. Opera-se um paradoxo: reconhece-se a ocorrência de defeito tão grave a ponto de justificar hipótese não legislada de reequilíbrio em favor do contratado, mas o remédio consiste em obrigar o contratado a fornecer a obra a preço de custo, garantindo-se apenas que ele não tenha prejuízo.
Essa solução é insuficiente. Produz, como resultado prático, a exoneração da responsabilidade do ente público pelo defeito de origem, em razão da eliminação do resultado ordinário que adviria da execução do contrato, que abrange o lucro pactuado. Isso significaria penalizar o contratado pelo erro estatal, impondo-lhe o ônus e os custos (inclusive de oportunidade) de mobilizar capital, recursos e gerir riscos em prol da coletividade sem retorno real.
Ressalvada essa observação, o entendimento em questão constitui avanço que vai além do reconhecimento de uma solução contratual – o direito ao reequilíbrio por defeitos no anteprojeto. É um sinal importante a ser considerado para a estruturação de novas licitações e pelos licitantes na elaboração de suas propostas, notadamente quanto ao tratamento dos riscos de engenharia.
E é mais uma manifestação do princípio da preservação dos contratos, na medida em que se admite que erros substanciais podem resultar não necessariamente na invalidação do contrato, mas na possibilidade de sua adequação à realidade efetiva de execução do ajuste.