A problemática da importação irregular de defensivos químicos, e do uso desses produtos na agricultura brasileira, é um tema que vem chamando a atenção nos últimos anos no país. Foram publicados vários estudos sobre o impacto de tais substâncias químicas no meio ambiente e na saúde humana, e veiculadas reportagens nos mais diversos meios de comunicação sobre o aumento significativo do número de apreensões de defensivos químicos piratas e importados irregularmente.
Esta importação contrária à ordem jurídica ocorre quando estes produtos são introduzidos no país sem o cumprimento de normas e regulações exigidas para registro, autorização de importação ou documentação pertinente junto aos órgãos competentes. Por exemplo, produtos importados sem licença de importação, sem o devido registro pelo Ministério da Agricultura e Pecuária no Brasil ou no país de origem, ou com rotulagem contendo incompletudes ou irregularidades.
A legislação que regula os defensivos químicos no Brasil determina que esses produtos, seus componentes e afins, só poderão ser produzidos, exportados, importados, comercializados e utilizados, se previamente registrados em órgão federal. A importação deve obedecer a uma série de exigências documentais que envolvem o requerimento de importação, licença concedida pelo órgão competente, documentação aduaneira, fatura, nota fiscal, conhecimento ou manifesto da carga, entre outros.
Nessa toada, a importação irregular de defensivos ocorre se há descumprimento dessas exigências, ou seja, o produto chega ao país de modo clandestino ou fraudulento, sem autorização, sem registro (ou ainda com registro em que há pendências de informações), sem controles sanitários e ambientais exigidos.
Isso pode significar que o produto importado não foi registrado ou foi proibido no país de origem ou no Brasil; que há documentação falsificada ou ausente; que os produtos foram rotulados de modo incorreto ou enganoso, de modo que há indicação falsa quanto à natureza ou composição da mercadoria.
Os registros desse fenômeno são diversos e podem ser encontrados facilmente nos veículos de comunicação sob manchetes como: “Justiça Federal do Paraná condena seis pessoas por importação e comercialização de defensivos agrícolas ilegais”[1], “Operação Terra Limpa apura importação e fabricação irregular de defensivos agrícolas”[2] e “Força-tarefa apreende 62 defensivos agrícolas irregulares no estado de Tocantins”[3].
A inserção do tema nas agendas acadêmica, política e econômica também não é novidade, visto que o Brasil, tendo em vista o seu clima e a sua área agrícola, é o maior consumidor do mundo de defensivos químicos, e tem sua produção agropecuária vinculada ao mercado desses insumos. Sendo assim, a importação irregular de defensivos agrícolas representa um grande desafio para o agronegócio, pois envolve a governança ambiental, a saúde pública e a própria competitividade do setor.
O fenômeno em tela da importação de defensivos irregulares, no entanto, tem se tornado mais preocupante na medida em que a entrada de produtos se intensificou em velocidade superior à capacidade de resposta institucional do Estado, trazendo prejuízos a concorrência no país.
Ao consultar dados de importação na plataforma Comex Stat, por exemplo, verifica-se que, nos últimos anos, alguns produtos foram importados em quantidades duas, três vezes maiores a cada ano, em um cenário em que a necessidade de aumento da produtividade e a redução de custos podem vir a incentivar práticas econômicas de risco.
Ao adentrar no território brasileiro, irregularmente, por meio antes descrito, um defensivo químico não possui todas as garantias de origem, qualidade, efetividade e segurança que são exigidas dos produtos dessa natureza que passaram pelo devido processo de registro e autorização para ser produzido, importado e comercializado. Isso implica a existência de falhas regulatórias, que propiciam a distorção da concorrência e geram risco sistêmico para o país, violando nossa Ordem Econômica Constitucional.
Com efeito, de acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (IDESF)[4], publicada em 2022, o mercado ilegal de defensivos agrícolas representa cerca de 24% do total de defensivos utilizados no país. Em 2025, estima-se que esse percentual seja de 25%[5].
Entre as modalidades de ilegalidade, tem-se contrabando, falsificação, desvio de finalidade, roubo ou furto, e importação irregular. As apreensões de produtos irregulares ou ilegais seguem ocorrendo por meio de operações de fiscalização realizadas pelo Ibama, Receita Federal e Polícia Federal em vários Estados brasileiros, com aplicação de multas ambientais e remoção dos insumos irregulares.
A importação irregular gera um conjunto de externalidades negativas que são absorvidas em troca de produtos oferecidos por preços geralmente menores: trabalhadores agrícolas ficam expostos a produtos de origem e composição desconhecidas, sem rótulos confiáveis ou garantia de pureza da composição; há o risco de contaminação hídrica e da fauna e flora por moléculas proibidas, causando desequilíbrio ecológico generalizado.
Essa atuação econômica irregular também fragiliza a imagem do agronegócio brasileiro internacionalmente, pois suscita questionamentos quanto ao cumprimento de protocolos sanitários e à credibilidade de certificações de exportação, além de aumentar o risco de barreiras e restrições comerciais por importadores relevantes devido a questões sanitárias, fitossanitárias e ambientais.
Sabe-se que o Brasil possui um arcabouço regulatório e fiscalizatório robusto, que envolve três entes federais (MAPA, Ibama e Anvisa) para o processo de registro dos produtos e autorização de importação, e ainda estados, municípios e forças policiais para a realização da fiscalização e combate a práticas ilícitas.
No entanto, o crescimento das apreensões de defensivos indica que há a necessidade de maiores esforços em quantificar o volume desses produtos entrando em território nacional (produtos que podem ser irregulares em sua própria composição, ou que apresentam irregularidades formais, como em registros e certificações), em identificar os agentes envolvidos, sejam fornecedores, importadores ou comercializadores dos produtos.
Sob a lente jus-econômica, a importação irregular gera ainda outros impactos negativos para além daqueles descritos acima. Ocorrem ainda perdas fiscais, pois há evasão tributária na venda e na cadeia produtiva. Crescem os riscos de embargos e devoluções de cargas exportadas, devido a irregularidades documentais e ou verificação de contaminação.
Inevitavelmente, há redução no investimento em pesquisa e desenvolvimento. O mercado passa a ser palco de disputa entre produtos regularizados, que cumprem todos os requisitos formais e possuem garantia de qualidade e eficácia, e produtos irregulares, comercializados a preços reduzidos. E, como consequência não apenas econômica, mas social, aumentam os custos de saúde e fiscalização ambiental.
A importação irregular de defensivos agrícolas, portanto, é uma infração que revela falhas sistêmicas que combinam vantagens econômicas, fragilidades regulatórias e fiscalizatórias. O Brasil enfrenta um desafio que ameaça a sustentabilidade e competitividade do agronegócio, a segurança ambiental e a saúde pública.
Por isso, o cenário requer iniciativas que envolvam o Poder Público e agentes privados para combater essa prática ilegal comercial irregular, cujo crescimento sofisticado ameaça até mesmo a reputação internacional do agronegócio brasileiro.
[1] TRF4. Justiça Federal do Paraná condena seis pessoas por importação e comercialização de defensivos agrícolas ilegais. Disponível em: https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=noticia_visualizar&id_noticia=26157
[2] BAND. Operação Terra Limpa apura importação e fabricação irregular de defensivos agrícolas. Disponível em: https://www.band.com.br/agro/agromais/noticias/operacao-terra-limpa-apura-importacao-e-fabricacao-irregular-de-defensivos-agricolas-202410301205
[3] Governo Federal. Força-tarefa apreende 62 defensivos agrícolas irregulares no estado de Tocantins. Disponível em: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/noticias/2022/forca-tarefa-apreende-62-defensivos-agricolas-irregulares-no-estado-de-tocantins
[4] IDESF. O Mercado Ilegal de Defensivos Agrícolas no Brasil, 2022.
[5] Notícias Agrícolas. Brasil tem cerca de 25% do mercado de defensivos sendo ilegal; CropLife BR mantém campanha de conscientização, 2025. Disponível em: https://www.noticiasagricolas.com.br/videos/bom-dia-agronegocio/402324-brasil-tem-cerca-de-25-do-mercado-de-defensivos-sendo-ilegal-croplife-br-mantem-campanha-de-conscientizacao.html