Pejotização: Trabalhador que é uma empresa pode receber pagamento em 90, 120 e até 150 dias

Enquanto os processos sobre pejotização estão suspensos aguardando a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o Tema 1389, os trabalhadores individuais que atuam como Pessoa Jurídica (PJ) esperam um outro prazo: o de pagamento. 

Além de todas as discussões sobre condições de trabalho, benefícios e segurança, quem deixa para trás a CLT para prestar serviço como PJ tem que lidar também com o fato de que o tempo de pagamento das empresas para PJs não é o mesmo do que o para funcionários com carteira assinada. 

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O Instagram tem inúmeros posts de influenciadores reclamando de ofertas de agências que, além de terem valores baixos, pagam somente depois de 90 dias. No X, um vídeo do influenciador Pedro Castilho em que ele reclama de uma proposta para criar conteúdo em que deveria comentar o visual da cantora Duda Beat chegou a 700 mil visualizações. O motivo da reclamação: o pagamento seria de R$ 400 e ele só veria o Pix em sua conta depois de 3 meses.

Depois da pandemia, os prazos de pagamento para PJs ficaram mais alongados. Prazos de 120 e até 150 dias, que antes eram raridade, se tornaram comuns, afirma George Sales, professor de mercado financeiro na Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi). 

“Com a pandemia de Covid-19, as empresas represaram todos os pagamentos para fornecedores para não ficarem sem caixa. Antes, o fluxo de pagamento de muitas empresas era de 15, 30, 45 dias. Depois, o pagamento em 90, 120 e até mais, se tornou comum”, afirma Sales.

“A folha de pagamento CLT, se não for paga, é judicializada imediatamente. Mas para o pagamento de fornecedores, a judicialização é caso a caso. Então imagina se faz sentido alguém que está recebendo R$ 10 mil entrar na Justiça para reclamar disso, sendo que pode sair mais caro que isso, e ainda perder futuros contratos?”, diz Sales. “Então as empresas começaram a adiar os prazos e depois isso se tornou praxe nos contratos.” 

Com a tendência de pagamentos adiados, profissionais relatam também uma nova prática no mercado: alguns pagadores oferecem a possibilidade de um adiantamento do pagamento, mas com um desconto significativo – de 10% a 15%. 

“Isso é uma clara demonstração da pressão financeira sobre o PJ e das vantagens, para as empresas, em ter o dinheiro por mais tempo”, afirma Sales. 

O advogado trabalhista Marcel Marquesi explica que, no atual cenário, discutir os prazos é algo bastante inviável — a não ser que a situação seja de fraude na contratação e a pessoa peça o reconhecimento de vínculo na Justiça do Trabalho. 

Na assinatura do contrato, o prestador de serviço tem pouco poder de negociação: as empresas costumam ter contratos padrões para a contratação e a escolha é entre assinar ou não fazer o serviço. E, se a empresa atrasa o pagamento, o questionamento judicial, além de caro e demorado, na prática prejudica a contratação de novos serviços. 

Ou seja, ao ser contratado para prestar serviço como PJ, o trabalhador é colocado em uma relação que tecnicamente é a chamada business to business (B2B), mas, na prática, continua sendo a de um trabalhador individual e de uma empresa.

“Mesmo empresas maiores muitas vezes não processam os clientes, mesmo os inadimplentes, e para o trabalhador individual isso é ainda mais inviável”, afirma Marquesi, do escritório MCM Advogados.  

O cenário muda se a situação for de um contrato de prestação de serviços que, na verdade, mascara um vínculo empregatício que deveria estar registrado como tal, diz o advogado. 

É justamente essa a controvérsia do Tema 1389 no Supremo: a licitude da contratação de trabalhador como pessoa jurídica para prestação de serviços, o ônus da prova quando há alegação de fraude na contratação e a competência da Justiça do Trabalho para julgar essas causas. O Tema 1389 também abrange os autônomos.

Nas situações que hoje são consideradas fraudes, no entanto, o problema do pagamento adiado não costuma existir, porque os contratos tendem a prever pagamentos mensais, que chegam na conta do trabalhador a cada 30 dias, como se fossem um salário, lembra Lucia Garcia, economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

Garcia afirma que, embora não haja essa questão do pagamento, “nesses casos de situação fraudulenta a vida do trabalhador PJ é um inferno, porque ele exerce todo o trabalho como se fosse um empregado, mas sem os direitos e garantias”. E isso acaba sendo um problema sério quando a empresa enfrenta problemas financeiros, já que o trabalhador pejotizado individual é tratado como qualquer outro fornecedor.

Quem mais comumente tem que lidar com a questão do pagamento adiado são os profissionais que de fato prestam serviço para várias empresas sem vínculo, que em muitos setores são conhecidos como freelancers. 

Empresas de uma pessoa só

Mesmo desconsiderados os casos de contratação fraudulenta, os trabalhadores — especialmente os profissionais liberais — estão tendo que se adequar a novos modos de contratação para além da CLT, diz Garcia. 

Na prática, afirma a pesquisadora, o adiamento do pagamento é parte do fenômeno em que o trabalhador tem que lidar com problemas que originalmente são da unidade de produção capitalista, ou seja, das empresas — em que primeiro se gasta para depois ganhar. 

“Não estou falando de investimento, mas de custo operacional”, afirma. “O trabalhador vai ter que lidar com a realidade da produção, que é o adiantamento de valores; o tempo de rotação da produção, que é o tempo em que se começa e termina uma tarefa; o tempo de realização da produção, que é quando você vai receber pelo que você gastou.” 

Isso coloca o trabalhador independente no lugar de um empresário, com todos os dilemas da instabilidade capitalista e sem as vantagens, diz Garcia. 

“Porque ele não tem uma acumulação anterior, não é herdeiro. Ele é individual, então é atomizado no mercado. E ele sequer consegue determinar o preço, porque mesmo que seja autônomo, ele vai ter que cobrar a média do setor”, afirma a pesquisadora.

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Além de lidar com uma nova realidade de planejamento financeiro para dar conta do fluxo de pagamentos irregular, o profissional autônomo precisa incluir nas suas preocupações outros com os quais não estava acostumado a lidar, como o tempo para a gestão — algo com o que ele não precisa se preocupar na CLT.

Sales afirma que, para compensar a falta de benefícios CLT e para cobrir impostos, um PJ deve procurar receber entre 30% e 50% a mais do que o salário nominal com carteira assinada. 

“O trabalhador PJ precisa ser altamente organizado e proativo para pagar seus próprios impostos (emitir nota fiscal, contratar contador), contribuir para a previdência, ter um plano de saúde e para provisionar uma reserva financeira para férias e para o caso de rescisão contratual”, diz o economista. 

Por outro lado, os trabalhadores pejotizados têm a vantagem de ter um pagamento bastante reduzido de Imposto de Renda, que pode chegar a 27,5% em caso de contratação com carteira assinada, mas que é significativamente menor para Pessoa Jurídica.

Essa tendência de contratação de PJs vinha se consolidando há anos. Se o Supremo considerar lícitas as situações que hoje são consideradas fraudes, ela vai se consolidar de vez, apontam os especialistas, e gerar um rombo nas contas da Previdência.

Para Lucia Garcia, a única saída dos trabalhadores descontentes com os prazos de pagamento — e todas as outras condições — é encontrar novas formas de se organizar, como por meio de cooperativas, associações e outros empreendimentos coletivos.

“Porque essas preocupações são questões organizacionais”, diz Garcia. 

De acordo com ela, vai ser preciso encontrar uma nova forma de organizar a produção, tarefa para a qual os sindicatos não são apropriados. 

“Mesmo que houvesse uma atualização da Lei Sindical e de alguma forma os sindicatos fossem autorizados a representar esses trabalhadores PJs, eles não bastam, porque o sindicato é reivindicador de condições de trabalho, ele não organiza produção”, afirma a pesquisadora.  

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