Após mais de três décadas de discussões, o Congresso Nacional outorgou a Emenda Constitucional 132, promulgada em 20 de dezembro de 2023, que ensejou na reforma tributária, instituindo um novo modelo no sistema tributário brasileiro sobre o consumo. Posteriormente, a EC foi regulamentada pela Lei Complementar 214, de 16 de janeiro de 2025.
As alterações advindas da mencionada Emenda Constitucional implicarão na extinção dos seguintes tributos sobre o consumo: PIS, Cofins, ICMS, ISSQN e reduzirá à zero o IPI (mantido em relação aos produtos que são produzidos exclusivamente na Zona Franca de Manaus), além de prever a instituição de três novos tributos: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e o Imposto Seletivo (IS).
A EC instituiu a criação de o IVA-Dual, com o IBS de competência municipal, estadual e distrital, e CBS pertencente à competência federal. Essa reestruturação teve por objetivo simplificar o sistema tributário, eliminar a incidência cumulativa de tributos e instituir a arrecadação no destino com alíquotas uniformes. Além disso, o objetivo também é restringir a concessão de benefícios fiscais excessivos e introduzir o Imposto Seletivo, destinado a onerar produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.
A reforma tributária trouxe grandes implicações em todo o sistema, especialmente no tocante ao agronegócio. Este setor é um dos pilares da economia brasileira, desempenhando papel crucial tanto no abastecimento alimentar quanto na geração de superávit da balança comercial (IPEA, 2024)[1]. A importância estratégica do agronegócio está destacada no artigo 187 da Constituição Federal de 1988, responsável por dispor que o Estado deve promover, regular e avaliar o agronegócio[2].
Em razão das mudanças trazidas pela reforma tributária, somado a relevância do setor para país, é necessário tecer alguns comentários sobre estas questões, pois foram inúmeras as mudanças no setor.
O primeiro ponto relevante recai sobre o produtor rural pessoa física. Isso porque, se ele auferir rendimento superior a R$ 3,6 milhões, passará ser obrigatoriamente contribuinte do IBS e CBS, que representa um ponto de inflexão na história da tributação do setor, uma vez que este não figurava como contribuinte na cadeia do consumo e grande parte dos produtos e insumos adquiridos para sua produção estavam submetidos à alíquota 0% ou não tributados, a exemplo do IPI, PIS e Cofins.
Soma-se o fato que o produtor não é contribuinte do ISSQN, salvo questões específicas, e, em relação ao ICMS, a maior parte da venda da sua produção é isenta, alíquota zero ou diferida, ou era reduzida em razão do Convênio 100, de 1997.
Assim é possível compreender que o produtor terá novos custos com tributos que até então não eram submetidos a ele. Além disso, em razão de sua inclusão como contribuinte, haverá o aumento de obrigações acessórias decorrente da emissão de notas fiscais eletrônicas, acesso ao sistema do split payment, demandando custos com a capacitação profissional, organização contábil e mudança cultural significativa, com intuito de evitar eventuais autuações fiscais, especialmente nos primeiros anos da implementação da reforma tributária.
A Emenda Constitucional estabeleceu a alíquota 0% para os itens da cesta básica (taxativa), alíquota reduzida em 100% dos produtos hortícolas, frutas e ovos, além da redução em 60% da alíquota para alimentos destinados ao consumo humano, produtos agropecuários, aquícolas, pesqueiros, florestais, extrativistas vegetais in natura e insumos agropecuários.
Diante disso, surgem alguns questionamentos sobre como se darão essas reduções. Elas serão aplicadas para toda cadeia produtiva ou apenas para determinada etapa? Cita-se como exemplo a criação de animais bovinos para a comercialização pelo produtor rural cuja alíquota reduzida corresponde a 60%, enquanto a comercialização do frigorífico para o supermercado ficará sujeita a alíquota 0%. Assim, não parece crível que o produtor rural, base da cadeia produtiva, que está a mercê de todas intempéries climáticas e econômicas, além de fatores políticos, realize o pagamento do tributo, enquanto a indústria e o comércio serão submetidos a alíquota 0%.
A reforma tributária também trouxe impactos expressivos sobre as cooperativas agroindustriais, que passam a se submeter a novas sistemáticas de apuração e recolhimento dos tributos. Isso exigirá reestruturação administrativa e estratégica, especialmente no ponto em que os cooperados passarão a decidir se elas serão optantes pelo regime regular ou não.
Receba de graça todas as sextas-feiras um resumo da semana tributária no seu email
Por último, outro ponto relevante destacado refere-se à instituição de nova base de incidência para contratos de parceria e arrendamento, o que poderá gerar ônus adicional ao setor do agronegócio, tendo em vista que muitas propriedades rurais são exploradas por meio dessas modalidades contratuais.
A nova legislação estabelece como contribuinte do IBS e CBS aquele que, no ano-calendário anterior, auferir receita superior a R$ 240 mil com essas operações, desde que envolvam mais de três imóveis distintos que não componham uma mesma unidade produtiva ou tenha auferido R$ 288 mil no ano calendário.
Portanto, são inúmeros os pontos que serão alterados pela reforma tributária decorrentes da Emenda Constitucional 132, promulgada em 20 de dezembro de 2023, e regulamentada pela Lei Complementar 214, de 16 de janeiro de 2025, no agronegócio, que deverá ser objeto de análise e estudo pelos profissionais ao longo dos próximos anos.
[1] https://www.ipea.gov.br/cartadeconjuntura/index.php/tag/comercio-exterior-do-agronegocio/
[2] https://www.conjur.com.br/2017-out-20/direito-agronegocio-tributacao-diferenciada-agronegocio-nao-privilegio/