IR mínimo e lucros de 2025: armadilha do fisco ou excesso de zelo do contribuinte?

Em 26 de novembro de 2025, foi publicada a Lei n.º 15.270/2025, que dispõe da redução, integral ou parcial, do imposto de renda da pessoa física para rendimentos tributáveis até R$ 7.350,00. Considerando o impacto financeiro da medida, o diploma também trouxe uma nova sistemática de cobrança do IR para aqueles que possuem rendimentos, tributáveis ou não, acima de R$ 600 mil ao ano. Para esses indivíduos, a legislação passa a prever, a partir do ano-calendário de 2026, uma alíquota mínima do imposto que pode alcançar até 10%.

O denominado Imposto de Renda da Pessoa Física Mínimo, ou IRPFM, tem sido objeto de diversos artigos desde que o seu esqueleto foi desenhado no PL que deu origem à Lei n.º 15.270/2025. Os motivos para o agito da comunidade acadêmica são de duas ordens: se de um lado o sistema é intrinsecamente complexo, de outro há claramente imprecisões redacionais no diploma legal.

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Exemplos de controvérsias não são poucos. Veja-se a incoerência do art. 16-A, XII, `c`, o qual permite que os lucros apurados até 2025 sejam distribuídos aos sócios ou acionistas até o exercício de 2028, sem tributação mínima na pessoa física, com o art. 205, § 3º, da Lei n.º 6.404/86 (Lei das SAs), que exige que os dividendos sejam pagos dentro do mesmo exercício e no prazo máximo de 60 dias da sua declaração.

Nesse contexto, o presente artigo busca analisar especificamente as discussões relativas à alínea `b` e à alínea `c`, 2, do inciso XII do art. 16-A. Ambos os dispositivos tratam de requisitos específicos para que o lucro apurado até 2025 possa ser deduzido da base de cálculo do IRPFM. O primeiro deles exige que a “(…) distribuição tenha sido aprovada até 31 de dezembro de 2025 pelo órgão societário competente para tal deliberação”. A interpretação parece simples, bastando que haja ata de reunião, realizada até o final do exercício, que autorize a distribuição dos lucros que sejam apurados no ano.

A controvérsia surge da interpretação conjunta com o segundo dispositivo acima mencionado, o qual determina que o pagamento dos dividendos “observe os termos previstos no ato de aprovação realizado até 31 de dezembro de 2025”. Considerando que no Direito não há, ou pelos menos não deveria haver, signos linguísticos inseridos no texto sem um objetivo específico, passou-se a refletir sobre quais seriam esses “termos previstos” que deveriam ser observados na distribuição. Afinal, qual seria a preocupação do fisco em relação às distribuições de lucros apurados anteriormente ao exercício de 2026?

Para responder tal pergunta, deve-se analisar quais os “termos” que usualmente constam em um ato de aprovação de distribuição de dividendos. Em primeiro lugar, o valor do lucro apurado a ser distribuído. Em segundo, o critério de distribuição, que engloba a proporcionalidade ou não do pagamento em relação à participação societária e os valores a serem destinados a cada sócio ou acionista. Em terceiro, questões relacionadas ao pagamento, como a forma de transferência – à vista ou parcelado – e o prazo para tanto – data da transferência integral ou o termo inicial da realizada a prazo.

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Desses componentes usuais, não se observam maiores complicações na inserção da proporção que será distribuída a cada sócio, da forma de pagamento e do prazo para tanto. Apesar de dificultarem o planejamento das empresas, debates no meio acadêmico e profissional não faltaram nessas últimas semanas para que uma distribuição de um saldo substancial de lucros não afetasse a atividade econômica.

O maior problema reside, assim, na eventual necessidade de inclusão do valor nominal do lucro e, consequentemente, do montante discriminado a ser pago a cada sócio. Isso porque, havendo exigência de que essa ata tenha como data limite 31/12/2025, ou seja, antes de finalizado o exercício, torna-se inviável a apuração do resultado da sociedade – que consiste em ato muitas vezes complexo, sujeito à avaliação dos sócios ou acionistas e que, justamente por isso, possui prazo de quatro meses após o término do exercício social para ser aprovado em termos nominais (art. 132 da Lei n. 6.404/76).

Teríamos, assim, duas normas que supostamente conflitariam. Se, de um lado, tem-se a permissão expressa de dedução da base do IRPFM dos dividendos “relativos a resultados apurados até o ano-calendário de 2025” (art. 16-A, XII, ‘a’), de outro, há a obrigação de distribuição nos termos aprovados, o que potencialmente incluiria a previsão dos valores nominais a cada sócio ou acionista (art. 16-A, XII, ‘c’, 2).

Essa “incongruência” ocasionou uma corrida das empresas, sob recomendação de assessorias econômicas e jurídicas, para se prevenir de eventuais impugnações futuras por parte da Receita Federal do Brasil. Uma das “soluções” mais discutidas foi a realização da apuração parcial dos resultados de 2025, seja dos três primeiros trimestres ou até mesmo até novembro, para que, pelo menos em relação aos lucros desse período, não houvesse possibilidade de questionamento.

Todavia, e sem prejuízo das cautelas necessárias em face da conturbada relação entre fisco e contribuintes, será que não estaríamos diante de um conflito somente aparente? Se a Lei n.º 15.270/2025 garante expressamente a dedução dos lucros apurados até 2025, a interpretação do art. 16-A, XII, ‘c’, 2, que não menciona a necessidade de inserção do valor nominal dos dividendos a serem pagos, poderia ser restritiva para vedar a dedução daquilo que não foi apurado específica e discriminadamente?

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Nos parece que não. Em primeiro lugar, porque, como já mencionado, não há previsão expressa de inclusão do valor nominal na ata de aprovação da distribuição – impedindo uma resposta via interpretação literal. Em segundo, porque, sob uma interpretação sistemática, não haveria sentido uma visão restritiva da norma que teria como consequência o esvaziamento do conteúdo de alínea anterior prevista no mesmo artigo (art. 16-A, XII, ‘a’). Em terceiro, porque a própria legislação societária permite que o resultado da sociedade seja apurado e aprovado, em termos numéricos, até o quarto mês do exercício seguinte.

Nesse sentido, em relação ao ano-calendário de 2025, nos parece que a exigência legal se refere não ao valor nominal dos lucros a ser distribuído, mas sim à porcentagem do total que será pago aos sócios ou acionistas. Bastaria, assim, a menção percentual, já que, pelos motivos descritos, seria incabível a menção nominal.

Apesar da conclusão alcançada nesse breve ensaio, reforça-se, em face da ausência de esclarecimento dessas questões pelo órgão competente e do contencioso onipresente no sistema tributário brasileiro, que os contribuintes devem buscar e implementar medidas para mitigar os riscos de uma possível interpretação distinta pela Receita Federal do Brasil.

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