Reforma tributária e a transformação digital

A economia digital envolve uma gama de atividades baseadas no uso de tecnologia, internet, dados e software, englobando comércio eletrônico, streaming (ex: Netflix, Spotify), plataformas digitais nas mais diversas áreas (ex: iFood, Rappi, Uber), fintechs, criptoativos, inteligência artificial, dentre outras.

Esse segmento vem crescendo exponencialmente e transformando os modelos tradicionais de negócios, o que exige adaptações contínuas na legislação.

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A criação de um imposto sobre valor agregado que tributasse toda a base de consumo da economia digital no destino era o modelo tido como ideal para resolver os problemas de tributação desse segmento.  E foi exatamente esse o modelo adotado pela reforma tributária, introduzida pela EC nº 132/23 e regulamentada pela Lei Complementar 214/25.

Base ampla de incidência

O sistema tributário atual, criado na década de 60, foi baseado em uma economia essencialmente física, incompatível com as atividades desenvolvidas no contexto digital, que acabaram ficando em um limbo, no que diz respeito à tributação.

A separação entre ICMS (estadual) e ISS (municipal) gera conflitos de competência, bitributação e insegurança para empresas digitais, que não têm claro qual tributo recolher.

A dificuldade de enquadrar bens e serviços digitais, a exemplo do software e do streaming, nos conceitos tradicionais de “mercadoria” e “serviço”, gerou litígios e enorme insegurança jurídica.

No caso do software, as discussões se perpetuaram por anos, a partir da emblemática decisão do STF no RE 176.626-3 que equiparou o software padronizado e vendido em larga escala (“software de prateleira”) à mercadoria e o software customizado para atender as necessidades específicas do cliente (“software por encomenda”) a serviço. Essa discussão também teve reflexos para os tributos federais (IRRF, PIS, Cofins e Cide) incidentes nas remessas ao exterior envolvendo licença de uso e direitos de comercialização de software, que tem tratamento distinto a depender da natureza atribuída à operação.

O streaming também foi objeto de intensos debates. Os estados defendiam a incidência do ICMS, por configurar serviço de comunicação ou circulação digital, enquanto os municípios sustentavam que a disponibilização de áudio e vídeo é serviço sujeito ao ISS, o que acabou prevalecendo.

O modelo adotado pela reforma tributária tem uma base ampla de incidência, trazendo segurança jurídica e solucionando disputas sobre a natureza das operações realizadas no segmento digital para fins tributários.

IBS e CBS alcançarão bens, materiais ou imateriais, direitos e serviços indistintamente, tornando irrelevante a classificação da operação para fins tributários.

Tributação no destino

A tributação no local onde se encontra o consumidor é mais compatível com o mercado digital, que atua em diversas localidades. A sede do fornecedor passa a ser indiferente, devendo o tributo ser recolhido no local de consumo do serviço ou bem digital.

Esse sistema permite uma divisão mais equânime da receita de arrecadação e elimina a guerra fiscal entre os estados, que criam benefícios fiscais para atrair investimentos e arrecadação para sua região.

Por outro lado, em operações digitais pode ser difícil identificar com precisão o local de consumo, pois o consumidor pode estar fisicamente em um lugar, mas registrar a compra em outro.

Carga tributária

Apesar de reduzir litígios e trazer mais segurança jurídica, as alterações da reforma tributária poderão resultar em um aumento da carga tributária e possíveis reajustes de preço ao consumidor.

Com a implementação do IBS e da CBS, o setor digital, composto majoritariamente por prestadores de serviços, terá uma alíquota uniforme que substituirá o ISS, cuja alíquota máxima é de 5%, e o PIS e Cofins que incidem sobre a receita às alíquotas conjuntas de 3,65% no regime cumulativo ou de 9,25% no regime não cumulativo.  A alíquota padrão estimada pelo governo é de 28%, bem superior à carga tributária atual.

Regimes diferenciados

A Lei Complementar 214/25 criou regimes diferenciados com alíquotas reduzidas. No segmento digital, apenas serviços específicos à administração pública foram beneficiados.

O art. 140, I, da lei reduz as alíquotas de IBS e CBS em 60%, para serviços de programação e manutenção de páginas eletrônicas da administração pública, monitoramento e gestão de suas redes sociais e otimização de páginas e canais digitais para mecanismos de buscas e produção de mensagens, infográficos, painéis interativos e conteúdo institucional.

Também há redução de 60% das alíquotas para serviços relacionados à segurança da informação e segurança cibernética prestados à administração pública, especificados no Anexo XI à lei complementar.

Ativos virtuais

No campo dos ativos virtuais, como tokens, carteira digitais e criptomoedas, a Lei Complementar 214/25 trata os “serviços de ativos virtuais” no capítulo reservado aos serviços financeiros, que terão regime tributário específico.

A Lei Complementar define ativo virtual como a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para pagamentos ou investimentos, conforme define a Lei 14.478/2022, não incluindo as representações digitais com características de valor mobiliário, que tem regime próprio.

Os “serviços de ativos virtuais” estarão sujeitos ao IBS e à CBS e a base de cálculo será o valor da prestação do serviço.

Em atenção à não cumulatividade plena do novo regime, os contribuintes sujeitos ao regime regular que adquirem serviços de ativos virtuais, poderão se apropriar dos  créditos do IBS e da CBS.

A lei ressalta que as aquisições de bens e de serviços com ativos virtuais ficam sujeitas às normas gerais de incidência do IBS e da CBS ou ao regime diferenciado ou específico aplicável ao bem ou serviço adquirido. Isso significa que a compra de bens ou serviços com criptomoedas recebe o mesmo tratamento que a realizada com outros meios de pagamento.

Plataformas digitais

A reforma cria mecanismos para tributar e fiscalizar operações via plataformas digitais, atribuindo a elas responsabilidade solidária pelo pagamento do IBS e CBS. Isso exigirá controles e compliance na escolha de fornecedores.

O art. 22 da LC 214/25 responsabiliza solidariamente as plataformas, inclusive estrangeiras, nas operações e importações realizadas por seu intermédio. A responsabilidade também se aplica quando o fornecedor: (i) é domiciliado no Brasil; (ii) é contribuinte do IBS/CBS, mas não está cadastrado; e (iii) não emite documento fiscal.

Na prática, plataformas digitais como Amazon e Mercado Livre poderão ser responsabilizadas pelo pagamento do IBS e da CBS incidente nas vendas realizadas por intermédio de suas plataformas, devendo verificar se os fornecedores estão cadastrados e se emitem documento fiscal.

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A regra vale tanto para plataformas que intermediam as vendas como para as que controlam etapas essenciais da operação, como pagamento e entrega.

Conclusão

Conclui-se que a reforma tributária introduz um modelo de tributação mais compatível com a realidade das operações digitais. A tributação no destino corrige distorções e disputas entre os entes federativos, além de alinhar o sistema à lógica do consumo, relevante em um ambiente onde o prestador e o consumidor frequentemente se situam em localidades distintas. No entanto, as empresas poderão ter dificuldades para identificar com precisão o local de consumo.

A base ampla de incidência do IBS e da CBS assegura a neutralidade e elimina lacunas que historicamente causaram disputas e insegurança jurídica. Por outro lado, poderá haver aumento da carga tributária do setor digital, formado majoritariamente por prestadores de serviços que atualmente são tributados por ISS, PIS e Cofins.

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