A transição para uma economia ambientalmente responsável depende, de maneira estrutural, da integridade da informação. Sem dados fidedignos, consenso social e comunicação transparente, nenhuma política climática será eficaz, bem como nenhum mecanismo de responsabilização será satisfeito e nenhum pacto ambiental internacional se manterá, pois lhes faltarão a base primordial de sustentação: concordância global das catástrofes que progressivamente se aproximam.
Paradoxalmente, justamente no momento histórico em que mais se exige precisão e clareza na comunicação científica, emergem tecnologias capazes de erodir de forma profunda a base epistêmica que sustenta a coesão social necessária ao enfrentamento das mudanças climáticas e dos desafios ambientais em geral.
A proliferação de desinformação em massa, que é impulsionada por deepfakes climáticos altamente verossímeis e personalizados para públicos específicos, aliada à lógica algorítmica que privilegia engajamento sobre precisão factual, inaugura um cenário no qual a crise da verdade climática se revela simultaneamente como uma crise tecnológica, comunicacional e política.
Greenwashing algorítmico
Com um simples comando, modelos de IA podem fabricar, em segundos e com custo zero, narrativas negacionistas, imagens de supostas queimadas, falsas evidências de manipulação de dados climáticos ou discursos que desacreditam concordâncias científicas, produzindo um ambiente comunicacional altamente instável que gera polarizações sem evidências comprovadas, influenciando a opinião pública e os discursos políticos. Esse cenário se agrava quando a manipulação digital se vincula a uma prática já conhecida no campo ambiental e consumerista: o greenwashing.
Agora, temos o greenwashing algorítmico, em que empresas, governos ou grupos organizados podem fabricar provas sintéticas de sustentabilidade: fotografias editadas de empreendimentos “verdes”, vídeos de práticas ambientais inexistentes, visualizações enganosas sobre emissões, métricas fictícias de carbono ou simulações de impactos que não correspondem à realidade. Além de confundir consumidores, investidores e órgãos reguladores, o greenwashing algorítmico dificulta a própria mensuração do retrocesso/progresso climático e distorce indicadores para políticas públicas, mercados e instrumentos financeiros verdes.
Crise da verdade e desinformação
Isso também expõe uma questão estrutural: a capacidade dos sistemas digitais de moldar crenças, percepções e comportamentos. É preciso observar que plataformas digitais priorizam intensidade emocional, não precisão ou veracidade da informação disseminada. Isso porque sistemas generativos podem reproduzir vieses ambientais ou interesses econômicos, de modo que os mercados de dados permitem instrumentalização política das narrativas climáticas.
Em última análise, isso afeta diretamente a conformação da vontade coletiva, comprometendo direitos fundamentais como o acesso à informação, a participação democrática e o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
A crise da verdade climática também revela vulnerabilidades sociais e territoriais. A Amazônia, não raramente transformada em campo de batalha informacional, foi alvo recente de campanhas sintéticas que disseminaram rumores, distorceram dados de desmatamento e reforçaram estereótipos depreciativos sobre povos indígenas e populações tradicionais.
Nem mesmo a cidade-sede, Belém, foi poupada também, pois tornou-se alvo de conteúdos preconceituosos e de fake news que distorceram sua imagem, reforçando estigmas históricos sobre a região amazônica e contribuindo para a disseminação de visões depreciativas e desinformadas a respeito de seus territórios e populações.
Outro ponto foi o episódio recente envolvendo alegações falsas de que o Brasil teria destruído áreas da floresta para construir uma rodovia destinada à COP30, amplificado por veículos conservadores internacionais, demonstra a capacidade de desinformação transnacional de moldar percepções sobre a região e influenciar agendas políticas e regulatórias.
Trata-se de um exemplo emblemático de colonialismo informacional e climático: conceito que descreve situações em que temas ambientais de relevância global são debatidos a partir de narrativas sintéticas e produzidas fora dos territórios diretamente afetados, deslocando responsabilidades e riscos para populações vulneráveis e países em desenvolvimento.
Nesse arranjo assimétrico, desconsidera-se que os povos amazônicos ocupam uma posição estrutural de desvantagem e, não raro, figurarão como os principais atingidos por essas práticas discursivas, que moldam percepções, legitimam decisões e aprofundam desigualdades históricas no campo climático.
Integridade da informação como bem jurídico constitucional
Daí que a integridade da informação ambiental se qualifica em um bem jurídico transdisciplinar, situado na intersecção entre direito ambiental, direito da comunicação, proteção de dados, regulação da IA, soberania e governança digitais.
Acima de tudo, é um bem jurídico diretamente ancorado no art. 225 da Constituição, cujo comando impõe ao poder público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.
Em especial, o inciso VI, do referido artigo, ao determinar a promoção da educação ambiental em todos os níveis de ensino e o incentivo à conscientização pública para a preservação ambiental, evidencia que a circulação de informações corretas, acessíveis e cientificamente fundamentadas é parte integrante e indissociável da própria proteção ambiental.
Assegurar a integridade das informações climáticas e ambientais, portanto, não deve ser encarada como apenas uma política pública desejável, mas um imperativo constitucional. Sem informação íntegra, não há educação ambiental efetiva e não há conscientização pública sobre os problemas importantes que a todos afetam: desfazem-se as condições materiais mais básicas para a tutela do meio ambiente como bem de uso comum do povo.
“COP da Verdade” seletiva
A chamada “COP da Verdade”, termo que refletia a expectativa de que países reconhecem a urgência do clima para estabelecer negociações e implementações de ações concretas urgentes (apesar das críticas), explicitou essa virada – ao menos formalmente – ao reconhecer que a degradação do ecossistema informacional é um risco global para a ação climática.
A Declaração sobre a Integridade da Informação sobre Mudança do Clima, resultado da Conferência e assinada por diversos países, estabelece o compromisso conjunto de fortalecer a confiabilidade de dados climáticos, garantir transparência e fomentar cooperação internacional para proteger a integridade informacional. No Brasil, a Portaria Interministerial Secom/MMA/MRE 30/2025, ao instituir o Comitê Informação e Clima Brasil, consolida institucionalmente a resposta estatal ao fenômeno, articulando comunicação pública, política ambiental e diplomacia climática.
Apesar dessa louvável iniciativa – que veremos em um futuro próximo sua efetividade ou não –, durante o evento, temáticas imprescindíveis ficaram relegadas a um segundo ou terceiro planos.
A temática da IA, por exemplo, foi tratada de maneira marginal: apenas alguns painéis destacaram seus possíveis benefícios, sem ressaltar, todavia, os reais impactos ambientais como construção de datacenters, mineração de metais necessários à fabricação de hardware e infraestrutura, produção excessiva de lixo eletrônico e consumo de energia, frequentemente alinhando o discurso aos interesses de grandes corporações tecnológicas.
A verdade não importa mais?
Opiniões e interesses econômicos disfarçados de informação crível, aliados às câmaras de eco e aos vieses de confirmação, resultam na falta de confiança pública na ciência e distorcem o debate democrático, impactando diretamente a eficácia de políticas ambientais. Em outros termos, compromete-se a base fática compartilhada que sustenta decisões judiciais, administrativas e legislativas, colocando em risco a tutela jurídica do clima e a implementação de compromissos assumidos pelos Estados e organismos internacionais.
A erosão deliberada da verdade ambiental (por desinformação, manipulação ou greenwashing algorítmico) representa uma violação estrutural do dever constitucional de proteção ao meio ambiente e aos tratados que se prestem a tanto. Quando a verdade climática é corroída, não se compromete apenas a qualidade do debate público, mas inviabiliza-se a própria execução do art. 225 da CF, pois educação e conscientização dependem, invariavelmente, da circulação de informações verdadeiras, verificáveis e cientificamente embasadas.
Assim, em um ambiente informacional capturado por narrativas falsas, a pergunta deixa de ser retórica e torna-se um alerta constitucional e internacional: sem verdade, não há tutela ambiental possível.
Saída da crise para futuros possíveis
A superação dessa crise exige uma abordagem integrada. Requer regulação de IA e da informação ambiental e climática, protocolos de verificação e rastreabilidade de dados e perfis, fortalecimento da mídia independente, participação significativa de povos indígenas e comunidades tradicionais e políticas públicas que compreendam a desinformação como risco ambiental e social estruturante.
Exige, sobretudo, reconhecer que a luta contra as mudanças climáticas é simultaneamente uma luta pela verdade. Sem garantir a integridade da informação, perde-se a capacidade de agir; sem agir, perde-se a chance de proteger o clima. Perdendo a chance de proteger o clima, perde-se qualquer possibilidade de futuro possível.