A suposta atuação da servidora Mariângela Fialek nos desvios de emendas parlamentares estaria vinculada ao ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL), segundo investigações da Polícia Federal. Ela teria atuado como operadora central do esquema, enviando planilhas, listas e orientações a diversas comissões da Câmara sobre o uso do recurso público, supostamente sob influência de Lira.
A servidora, conhecida como “Tuca”, foi alvo de operação nesta sexta-feira (12/12). A decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), que autorizou a operação teve o sigilo levantado após a conclusão dos trabalhos policiais. Leia aqui a decisão de Dino no âmbito da PET 14949.
Ao autorizar a operação policial, Dino considerou os indícios “extremamente robustos” do esquema de desvios e ressaltou o risco de destruição de provas. Nesta manhã foram feitas buscas na residência da servidora, em Brasília (DF), e em todas as salas da Câmara onde ela exerce funções. Também foi autorizada a coleta de celulares, computadores e acesso a contas de e-mail e nuvem.
A operação teve o aval do procurador-geral da República, Paulo Gonet, que viu indícios de atuação de uma organização criminosa. Segundo ele, “a representação está encorpada com significativos elementos, materializados em diversos depoimentos e análises policiais, sugestivos da atuação ilícita da requerida Mariângela Fialek, que desponta exercer o controle de indicações desviadas de emendas decorrentes do orçamento secreto em benefício de uma provável organização criminosa voltada à prática de desvios funcionais e crimes contra a administração pública e o sistema financeiro nacional.”
A investigação teve origem após parlamentares denunciarem, na tribuna, a existência de um mecanismo de liberação de verbas sem a devida transparência. Depois, diante das declarações na tribuna, o ministro Flávio Dino determinou a instauração de inquérito policial para apuração e devidos esclarecimentos dos fatos.
Depoimentos de deputados
Entre os relatos mais contundentes está o do deputado José Rocha (União-BA), que disse à PF ter recebido todas as instruções de destinação de emendas por meio de Tuca, sem identificação de autores ou beneficiários. Ele também informou ter sido pressionado por Lira após questionar a falta de transparência.
“Quanto eu assumi a comissão eu tomei conhecimento que tinha uma emenda de R$ 1.125.000.000,00. E logo no dia 11 de abril de 2024, eu recebi da presidência da Câmara dos Deputados, através da assessora Tuca, uma minuta de ofício, dirigida ao Ministro da Integração Nacional, acompanhado de uma planilha de indicações de recursos para os Estados, sem identificar quem eram os autores, quais eram os objetos e os beneficiários”, disse Rocha.
E acrescentou: “Eu segurei o envio para o Ministério, questionando que eu precisava saber que destinação teriam esses recursos. E quais seriam os beneficiários? Quais seriam os autores? Aí segurei, vieram umas outras, se não me falha a memória, mais duas outras remessas de minuta de ofício acompanhado de planilhas. E eu segurei. Aí o presidente [refere-se a Lira] me liga, me liga dizendo que eu estava criando problema”.
Outros parlamentares, como Glauber Braga (Psol-RJ), Adriana Ventura (Partido Novo-SP) e Fernando Marangoni (União-SP), reforçaram a existência de um fluxo paralelo e centralizado de decisões sobre o uso de recursos públicos.
A análise de dados feita pela Polícia Federal revelou planilhas, anotações manuscritas e listas de verbas atribuídas a parlamentares. De acordo com os investigadores, esses registros demonstram um funcionamento estruturado, contínuo e ilegal, com indícios de direcionamento político e realocação irregular de milhões de reais, inclusive para municípios ligados a aliados de Lira — como Rio Largo (AL), município com população estimada em 70 mil habitantes, um dos mais beneficiados.
O depoimento de Glauber Braga apontou para a existência de redirecionamento forçado das emendas, determinado por Lira. Na decisão, Dino destaca um trecho em que o investigador pergunta: “Então o controle tanto do orçamento secreto, emendas do relator e agora emendas de comissão são vinculadas à Presidência da Casa, ou ao Presidente antigo da Casa?” e o deputado responde: “Sem dúvida nenhuma. Com certeza absoluta”.
Outro trecho traz o depoimento de Adriana Ventura. “Eu me indignei algumas vezes lá na comissão. E outros parlamentares disseram ‘é, tem razão’. E outros concordavam. E eu dizia ‘eu não sou laranja de ninguém’. E eu dizia ‘todo mundo aqui tem que saber para onde é que vai o dinheiro. Minimamente tem que dar transparência, porque que foi para tal lugar, porque a gente vai ser questionado’. Então acho que esse era o grande ponto”.
“Portanto, constata-se que os elementos probatórios extraídos dos depoimentos testemunhais encontram respaldo nos dados telemáticos, convergindo todos para a conclusão de que a Representada exerce função de coordenação da destinação das emendas parlamentares”, escreveu Dino na decisão.
Além das buscas, Mariângela Fialek também foi afastada de qualquer atividade relacionada a emendas parlamentares até a conclusão da investigação. O JOTA não conseguiu contato com a defesa da servidora. O espaço segue aberto.