A recente decisão da 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) reacende um ponto fundamental – e frequentemente negligenciado – no contencioso executivo trabalhista: a responsabilização pessoal de administradores quando a empresa adota estrutura societária de sociedade anônima de capital fechado. E, mais do que isso, delimita, com precisão rara, até onde o Judiciário pode avançar quando tenta transformar o simples inadimplemento em presunção automática de culpa de quem ocupa posições de direção.
Esse julgamento é importante não apenas pelo resultado – a exclusão dos diretores do polo passivo – mas pela pedagogia institucional que ele encerra. Ele devolve às empresas aquilo que a legislação já lhes assegura, mas que, muitas vezes, se perde na turbulência das execuções: a existência de um regime jurídico próprio para administradores de S.A., que não pode ser desconsiderado ao sabor da urgência da execução ou da retórica da hipossuficiência.
O cerne da discussão: não há “teoria menor” quando existe lei especial
O caso era típico: frustrada a execução em face da empresa, o juízo incluiu diretores da companhia – uma S.A. de capital fechado – no polo passivo, aplicando o art. 28, §5º, do CDC como autorização genérica para alcançar bens pessoais sempre que a pessoa jurídica não possui patrimônio suficiente.
O Tribunal Regional reiterou essa lógica, equiparando o simples inadimplemento a “má administração” e ignorando que, para administradores de S.A., existe uma moldura legal distinta, que exige dolo, culpa, violação à lei ou ao estatuto (art. 158 da Lei das S.A.).
Foi exatamente nesse ponto que o TST restabeleceu a ordem jurídica: a responsabilidade de diretores não decorre automaticamente da insolvência da empresa. Não se trata de proteger maus gestores, mas de impedir que estruturas societárias reguladas por lei específica sejam dissolvidas por analogias indevidas.
A decisão restabelece a racionalidade do sistema
Ao reconhecer transcendência jurídica e econômica, o TST foi claro:
onde a Lei das S.A. constrói um regime próprio de responsabilidade, o CDC não entra pela porta dos fundos.
E mais: a mera existência de crédito trabalhista – por mais relevante que seja – não afasta os princípios constitucionais da legalidade e do devido processo legal, tampouco a necessidade de comprovação de condutas concretas atribuíveis ao administrador.
Vale dizer que a 7ª Turma do TST reafirmou: diretores não são “devedores de reserva” e não podem ser responsabilizados por osmose.
Por que isso interessa – e muito – ao empresariado?
Porque consolida uma linha de segurança jurídica que vinha sendo fragmentada na prática executiva: a de que empresas organizadas sob forma de S.A., com governança minimamente estruturada, não podem ser tratadas como se fossem sociedades de fato.
Para o empresário – especialmente aquele que compõe conselhos, diretorias ou administra grupos econômicos complexos –, esse entendimento traz três mensagens essenciais:
O formato societário importa e protege.
Quem escolhe operar como S.A. tem um regime jurídico que não pode ser ignorado.
A gestão regular continua blindada.
Administradores que atuam dentro de seus poderes, com documentação adequada e sem desvio de finalidade, não devem ser arrastados para execuções como resposta automática à frustração da busca patrimonial.
A porta da responsabilização permanece aberta – mas com critérios.
A decisão não é uma carta branca. Onde houver abuso, fraude, conivência ou violação estatutária, o art. 158 continua atuando com todo vigor.
A dimensão estratégica: o que as empresas precisam fazer a partir daqui
A decisão não resolve – sozinha – o problema estrutural das execuções, mas oferece uma trilha. E essa trilha exige, das empresas, um conjunto de cuidados que vão muito além de “não misturar contas”.
É preciso se atentar à governança corporativa, especialmente:
reforçando a gestão documental, especialmente em decisões sensíveis;
registrando dissidências quando diretores discordam de medidas que possam gerar risco futuro;
assegurando a separação efetiva de patrimônios;
estruturando respostas técnicas em incidentes de desconsideração com abordagem convergente entre trabalhista e societário;
e, sobretudo, integrando a área trabalhista à gestão estratégica – e não apenas ao pós-sentença.
Quem não faz esse movimento, não levando a governança corporativa à sério, acaba reagindo tardiamente, quando o nome do administrador já apareceu no SISBAJUD.
O que esta decisão nos diz sobre o futuro
A 7ª Turma não apenas aplicou a Lei das S.A. – ela reposicionou o debate sobre responsabilidade de administradores no âmbito trabalhista. Reafirmou que o crédito alimentar é relevante, mas não autoriza atalhos. E, especialmente, que empresas que atuam com governança minimamente estruturada devem ser tratadas com o rigor técnico que sua própria organização jurídica pressupõe.
Para o empresariado, isso significa que há espaço real para defesas consistentes, desde que montadas com a densidade jurídica adequada. E, sobretudo, que estruturar governança trabalhista não é um luxo corporativo: é a diferença entre blindagem e responsabilização pessoal.
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Porque, ao final, a pergunta decisiva é sempre a mesma:
a sua empresa está documentando hoje as decisões que serão usadas amanhã para demonstrar a regularidade da gestão?
Se a resposta não for “sim”, esta decisão do TST deve funcionar como alerta – e como convite para um reposicionamento imediato, estruturado e estratégico da governança trabalhista e societária.
Processo: RR-1001885-49.2021.5.02.0605