TCU no centro da política portuária

A conclusão, pelo Tribunal de Contas da União (TCU), do julgamento sobre o arrendamento do Tecon Santos 10, projetado para ser o maior terminal de contêineres do porto de Santos, recolocou em evidência o debate acerca dos limites entre controle externo e autonomia regulatória (acórdão 2894 – Plenário, de 2025). Há meses, o tema mobilizava discussões intensas, sobretudo em torno do modelo de leilão a ser adotado para definir o futuro operador do terminal.

O ponto central era a adoção do chamado “modelo bifásico”. Pela proposta da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), a concorrência seria inicialmente restrita a operadores sem vínculos contratuais ou societários com o mercado de contêineres do porto de Santos, abrindo-se à participação dos operadores já atuantes (“incumbentes”) apenas em caso de frustração da primeira fase.

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O ministro-relator, Antonio Anastasia, divergiu desse desenho. Em seu voto, sustentou que a vedação inicial aos incumbentes poderia reduzir a competição e, por isso, propôs substituir o modelo por uma etapa única, condicionada ao desinvestimento obrigatório do ativo detido pelo vencedor do certame.

Em posição oposta, o ministro Bruno Dantas, que conduziu o voto vencedor, defendeu que a modelagem bifásica não apresentava ilegalidades e que, diante dessa constatação, o TCU não deveria substituir o juízo técnico da Antaq.

Mesmo recorrendo a esse argumento, o acórdão impôs muitas determinações e recomendações à agência reguladora, para que fizesse modificações na contratação. Entre elas, a recomendação de substituir a vedação a incumbentes pela vedação a armadores na primeira fase (item 9.3.1) e a determinação de implantação de pátio ferroviário interno com capacidade mínima de escoamento de 900 TEU/dia (item 9.1.5). Houve, ainda, recomendação para que se avalie a elevação do valor mínimo de outorga, atualmente fixado em zero (item 9.4.5).

O projeto do Tecon Santos 10 remonta a 2019 e, desde então, passou por amplo processo de formulação. A discussão sobre o modelo licitatório envolveu a Empresa de Planejamento e Logística, a Secretaria Nacional de Portos e Transportes Aquaviários, a Subsecretaria de Acompanhamento Econômico e Regulação do Ministério da Fazenda e a própria Antaq, além das contribuições recebidas em audiências e consulta públicas.

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Embora o desenho regulatório tenha sido discutido ao longo de anos por órgãos e entidades especializadas, talvez apenas agora, no âmbito do controle externo, que a definição sobre aspectos centrais do modelo acabou firmada. Essa dinâmica chama atenção para o equilíbrio entre deferência técnica e protagonismo institucional, especialmente quando a intervenção do TCU altera parâmetros sensíveis de política pública delineados pela administração competente.

No fim, o possível desfecho de mais este caso expõe a complexidade de, no contexto brasileiro atual, se promover a coordenação institucional em projetos estratégicos de infraestrutura. A definição do modelo pelo TCU, ainda que não ignore a expertise da Antaq, reforça que o debate sobre quem formula e controla políticas públicas, no Direito e na realidade, está longe de terminar.

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