Este artigo analisa a interface complexa entre planejamento tributário, simulação e tributação de devoluções de capital em Fundos de Investimento Imobiliário (FII), com foco nas lições extraídas de recursos especiais julgados pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
A partir da análise da jurisprudência administrativa, especialmente acórdãos recentes, discute-se a aplicação do artigo 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional (CTN) e da norma antielisiva da Lei 9.779/1999, evidenciando os desafios na distinção entre elisão lícita e abuso de direito em operações societárias.
O estudo também aborda a relevância do incidente de desconsideração da personalidade jurídica no contexto processual tributário, destacando sua função como instrumento de salvaguarda dos direitos dos contribuintes.
Por fim, propõe-se uma reflexão crítica sobre a necessidade de critérios claros para a requalificação de atos societários e a importância da segurança jurídica para o desenvolvimento do mercado de FII no Brasil.
Introdução
O mercado de Fundos de Investimento Imobiliário no Brasil tem se consolidado como importante instrumento de investimento coletivo, com patrimônio líquido que ultrapassa R$ 250 bilhões em 2025, segundo dados da Anbima.
A atratividade dos FII decorre, em grande medida, do regime tributário especial que lhes é aplicado, conforme a Lei 8.668/1993, alterada pela Lei 9.779/1999, que prevê isenção de tributos sobre rendimentos distribuídos aos cotistas, desde que observados determinados requisitos legais.
Pode-se observar também que a Receita Federal e o Carf têm intensificado a fiscalização sobre operações societárias realizadas por esses fundos, especialmente aquelas envolvendo devoluções de capital, que podem ser interpretadas como simulação ou abuso de direito tributário. Ainda que tal escolha seja justificada para Maneira (2023, p.45-67) a distinção entre devolução de capital verdadeira e simulação é crucial para garantir a segurança jurídica dos investidores e evitar a tributação indevida.
A controvérsia reside na aplicação do artigo 116, parágrafo único, do CTN, que autoriza a desconsideração de atos simulados ou realizados com o propósito de dissimular o fato gerador tributário, e da norma antielisiva da Lei 9.779/1999, que busca coibir práticas que configurem concorrência predatória ou elisão abusiva.
Em especial, a tributação das devoluções de capital em FII tem sido objeto de recursos especiais no Carf, que apresentam decisões divergentes quanto à natureza jurídica e tributária dessas operações, impactando diretamente a segurança jurídica dos investidores.
Este artigo visa analisar as lições extraídas desses recursos especiais, destacando a importância da distinção entre planejamento tributário lícito e simulação, bem como a função do incidente de desconsideração da personalidade jurídica no âmbito processual tributário.
A relevância do tema é reforçada pelo aumento expressivo de litígios envolvendo FII no Carf e pela necessidade de aprimoramento dos critérios para requalificação de atos societários, garantindo equilíbrio entre o combate à fraude e a proteção dos direitos dos contribuintes.
Planejamento tributário e simulação: fundamentos jurídicos
O planejamento tributário lícito, ou elisão fiscal, consiste na adoção de estratégias legais para minimizar a carga tributária, sendo assegurado pelo ordenamento jurídico.
Já a simulação configura-se quando há dissimulação da realidade econômica com o objetivo de fraudar o Fisco, autorizando a desconsideração dos atos conforme o artigo 116 do CTN. Sobre isso, Derzi e Piscitelli (2021, 89-112) destacam que a comprovação do dolo é requisito essencial para a caracterização da simulação, o que demanda análise criteriosa das operações.
No contexto dos FII, operações como capitalizações e devoluções de capital são comuns para otimizar fluxos financeiros, porém, quando realizadas sem respaldo econômico legítimo, podem ser requalificadas como simulação.
A norma antielisiva da Lei 9.779/1999 atua como instrumento de controle, equiparando o FII a pessoa jurídica para fins tributários em situações específicas, especialmente quando há participação de incorporadores ou construtores, conforme análise crítica de Tôrres (2024).
Jurisprudência do Carf: recursos especiais e decisões relevantes
A análise dos acórdãos do Carf revela divergências quanto à tributação das devoluções de capital em FII. No Acórdão 1402-007.457, o Carf rejeitou a aplicação da norma antielisiva, reconhecendo que a consultoria imobiliária sem participação direta em empreendimentos não configura simulação, afastando a tributação como rendimento ordinário.
Por outro lado, decisões como o Acórdão 106-15.131 entendem que determinadas devoluções devem ser tributadas como ganho de capital, evidenciando a complexidade da matéria. A contagem do prazo decadencial (artigo 173, I, do CTN) também tem sido objeto de debate, especialmente em sequências de atos societários, como capitalizações seguidas de reduções de capital, que podem gerar insegurança jurídica quanto à possibilidade de revisão fiscal.
As principais lições do Carf indicam que a devolução de capital, quando verdadeira, é o retorno do investimento dos cotistas e não receita tributável, conquanto o artigo 116 do CTN permite desconsiderar atos que caracterizem abuso de forma, como simulação ou fraude para mascarar operações e fins tributários, aplicando-se quando a devolução de capital é usada para disfarçar rendimentos tributáveis.
A norma antielisiva da Lei 9.779/1999 coíbe planejamentos artificiais que busquem vantagem fiscal indevida por meio de estruturas fraudulentas, incluindo devoluções simuladas.
Assim, o Carf diferencia planejamento legítimo de abuso, tributando apenas as devoluções usadas para mascarar renda, conforme destacado por Derzi e Piscitelli (2021, 89-112).
Incidente de desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais
O incidente de desconsideração da personalidade jurídica, previsto nos artigos 133 a 137 do Código de Processo Civil, tem papel central no processo tributário, sobretudo em execuções fiscais que envolvem FII e suas estruturas societárias.
Conforme já sugerido por Machado (2023, p. 200-225), o incidente exige cognição exauriente e ampla defesa, vedando constrições patrimoniais prematuras, o que protege os direitos dos contribuintes contra abusos fiscais.
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A integração do incidente com o CTN, no que tange à simulação e abuso de direito, fortalece a segurança jurídica, evitando decisões arbitrárias e promovendo o equilíbrio entre o combate à fraude e a proteção do devido processo legal. Tôrres (2024) também ressalta a importância da segurança jurídica para o desenvolvimento do mercado de FII, destacando que critérios claros e uniformes para requalificação de atos societários são fundamentais para garantir estabilidade e confiança dos investidores.
Conclusão
As lições extraídas dos recursos especiais no Carf evidenciam a necessidade de critérios claros e uniformes para a requalificação de atos societários em FII, especialmente no que concerne às devoluções de capital.
A distinção entre planejamento tributário lícito e simulação deve ser pautada em análise rigorosa do dolo e do propósito negocial, evitando interpretações excessivamente restritivas que comprometam a segurança jurídica e o desenvolvimento do mercado.
O incidente de desconsideração da personalidade jurídica emerge como importante instrumento processual para garantir o contraditório e a ampla defesa, assegurando que a responsabilização tributária seja fundamentada e proporcional.
Recomenda-se, pois, a harmonização jurisprudencial e legislativa, com vistas a consolidar diretrizes que equilibrem o combate à elisão abusiva e o estímulo a investimentos legítimos em FII, contribuindo para a estabilidade do sistema tributário e o fomento econômico.