A competência senatorial para a aprovação de autoridades já foi tratada aqui (sobre os indicados para as agências reguladores), aqui (com um comentário sobre o MS 38216, em que se sustentava violação ao direito líquido e certo dos parlamentares em razão da demora na marcação da data para a sabatina do então indicado André Mendonça), aqui (sobre o controle cabível em relação às sabatinas) e aqui (sobre os limites da obstrução parlamentar quanto às sabatinas de autoridades).
Ocorre que a dinâmica dos indicados, sobretudo ao cargo de ministro do STF, continua sendo muito peculiar. Como sabido, existem algumas regras formais, como as previsões constitucionais do art. 101, parágrafo único (“Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal”) e do art. 52, inciso III, alínea a, da CF (“Compete privativamente ao Senado Federal aprovar previamente, por voto secreto, após arguição pública, a escolha de Magistrados, nos casos estabelecidos nesta Constituição”).
A disciplina regimental constante dos arts. 383 e seguintes do Regimento Interno do Senado Federal (RISF) também é importante. Lá consta que a mensagem presidencial com a indicação precisa vir acompanhada de algumas documentos, como o currículo do indicado (para evidenciar seu notável saber jurídico), algumas declarações (que materializam o requisito constitucional da reputação ilibada) e memoriais com outras informações, bem como o rito a ser seguido para as sabatinas. Para evitar a repetição literal, remete-se o leitor ao próprio texto do RISF.
Vale registrar que a atual redação do RISF nessa parte foi dada pela Resolução do Senado nº 41/2013, oriunda do PRS nº 8/2011, de autoria do então senador Roberto Requião (MDB-PR), e pela Resolução do Senado nº 7/2015, oriunda do PRS nº 27/2015, de autoria do então senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB).
A primeira dessas modificações regimentais foi justificada pela necessidade de aperfeiçoar o rito de aprovação de autoridades. Nas palavras do senador Requião, era preciso acabar com as sabatinas “mal instruídas e precárias” e “moralizar” a escolha de autoridades.
De fato, antes, a redação do art. 383 era extremamente sucinta,[1] e cada comissão adotava um procedimento próprio. Na CCJ, por exemplo, havia o Ato nº 1, de 2007-CCJ, que disciplinou o processo de aprovação dos indicados a ministro do STF, dos tribunais superiores, a governador de território (caso um dia venha a ser criado) e escolha e destituição do PGR. O atual art. 383 do RISF basicamente incorporou as previsões desse ato da CCJ.
Além do maior detalhamento do rito, dilatou-se o prazo de antecedência de convocação do candidato: antes não poderia ser inferior a 3 dias (inciso II da redação anterior); com a mudança, a antecedência da convocação passou a ser de pelo menos “5 dias úteis” (art. 383, inciso II, alínea e, do RISF). Uma das principais modificações, sem dúvida, foi a permissão para a participação da sociedade, por meio do Portal e-Cidadania do Senado, pelo qual passou a ser possível encaminhar informações sobre ou perguntas ao candidato.
À época, em 2013, houve um estopim importante para a aprovação desse PRS: após a aprovação de um indicado à ANS em julho, o Senado recebeu uma leva de pedidos para que fosse anulada a sabatina na Comissão de Assuntos Sociais (CAS), porque o indicado havia omitido de seu currículo enviado ao Senado a informação de que trabalhara como diretor jurídico (advogado) para a operadora de planos de saúde Hapvida. O fato foi revelado por matéria do jornal O Estado de S. Paulo no dia seguinte à sua posse. Pouco tempo depois, a Comissão de Ética da Presidência da República recomendou a sua destituição, e o diretor acabou renunciando. O episódio reforçou a pecha de que as sabatinas eram algo pro forma.
A segunda modificação regimental mencionada veio corrigir uma importante omissão na redação dada pela Resolução do Senado nº 41/2013, acrescentando a possibilidade de inquirição do candidato, por cada senador, por até 10 minutos. Antes disso, os senadores dispunham de apenas 5 minutos. Além disso, a nova redação dada ao art. 383, inciso II, alínea f, do RISF, passou a prever réplica e tréplicas imediatas, na tentativa de eliminar as “respostas em bloco” de que às vezes se valiam os candidatos.
Ainda entre as formalidades do RISF, cumpre registrar que o quórum de aprovação do nome do indicado no âmbito da comissão que faz a sabatina é o de maioria simples dos votos dos presentes. No caso do indicado a ministro do STF, considerando que a CCJ tem 27 membros, bastaria o voto de 14 senadores. O quórum de maioria absoluta previsto no art. 101, parágrafo único, da CF, aplica-se tão somente ao plenário.
Além disso, a eventual rejeição do nome do indicado no âmbito da CCJ (mesmo que pela unanimidade) não implicaria um veto definitivo da Casa, já que a aprovação do nome – pela própria literalidade constitucional, que exige maioria absoluta – compete ao Plenário do Senado. O art. 383, inciso VII, do RISF, prevê que o parecer da comissão será apreciado pelo plenário. Dessa forma, não tem aplicação às sabatinas o disposto nos arts. 101, § 1º, e 254 do RISF, que disciplinam o arquivamento das proposições rejeitadas no âmbito da CCJ e das comissões em geral.[2] Assim, somente o plenário pode verdadeiramente rejeitar o nome do indicado.
A aprovação pela CCJ tampouco é necessariamente garantia de êxito. Um nome aprovado na CCJ pode ser rejeitado pelo plenário. Em 2005, isso aconteceu com um indicado pela Câmara dos Deputados para compor o CNJ: Alexandre de Moraes, que à época era Secretário da Justiça do Estado de São Paulo. Seu nome chegou a passar pela CCJ, mas com 3 votos contrários e 1 abstenção. No plenário, ele obteve 39 votos (quanto seriam necessários 41; foram 16 votos contrários). A votação se deu após um requerimento de inversão de pauta para votar logo a indicação do seu nome, que era o último na lista dos 15 indicados. Na ocasião, houve senadores que lamentaram a rejeição. Nos bastidores, circulou que teria havido uma motivação política, pois o indicado teria vencido o candidato do governo para a vaga.
Entretanto, a decisão tomada no dia 18 de maio acabou sendo revertida no dia 24 de maio, após a aprovação de um requerimento pelo senador Romeu Tuma (PFL-SP) argumentando que vários senadores não puderam registrar seus votos porque, naquele momento, estava sendo realizada outra votação informal. Com isso, foi realizada uma nova votação “com o objetivo de respeitar o desejo da maioria dos senadores”, nas palavras usadas pelo senador Renan Calheiros (PMDB-AL). Dessa vez, o indicado obteve 48 votos a favor e 7 contra.
Hoje, a rigor, a repetição de votação nesses moldes já não mais seria possível.
Se ocorre a rejeição do nome em quaisquer das autoridades dos arts. 52, incisos III e IV, da CF, conforme o Ato da Mesa nº 1, de 11 de maio de 2010, art. 4º, o resultado da votação será proclamado. A manifestação do Senado, seja qual for, será comunicada ao presidente da República, consignando o resultado da votação (art. 383, inciso VIII, do RISF). Os senadores que não votaram apenas poderão se manifestar sobre sua ausência em plenário, sendo vedado se pronunciarem sobre o resultado da votação em si, que tem caráter terminativo e irrecorrível (art. 4º do Ato da Mesa nº 1/2010).
Nos termos do art. 5º do referido Ato, é vedada a apreciação, na mesma sessão legislativa, de indicação de autoridade rejeitada pelo Senado Federal. Ou seja, incide o princípio da irrepetibilidade em relação ao nome do indicado para o mesmo cargo, mas não há óbice a que outrem seja indicado para ocupá-lo.
A rejeição do nome, contudo, não impede que, no futuro, o indicado venha a ser aprovado para outro cargo. Por exemplo, em 2015, o embaixador indicado para a OEA foi rejeitado, mas, em 2023, seu nome foi aprovado para a OMC. Ainda assim, o peso da rejeição no plenário é grande e os outros nomes já rejeitados pelo plenário do Senado – Luiz Alfredo Salomão foi rejeitado para ANP em 2003; Bruno Pagnoccheschi, e Paulo Vieira o foram para a ANA em 2009, e Bernardo José Figueiredo Gonçalves de Oliveira, para a ANTT, em 2012 – não tiveram outra sorte, pois jamais voltaram a ser indicados para quaisquer cargos.
[1] Eis a redação anterior do art. 383 do RISF: “Art. 383. Na apreciação do Senado sobre escolha de autoridades, observar-se-ão as seguintes normas:
I – a mensagem, que deverá ser acompanhada de amplos esclarecimentos sobre o candidato e de seu curriculum vitae, será lida em plenário e encaminhada à comissão competente;
II – a comissão convocará o candidato para, em prazo estipulado, não inferior a três dias, ouvi-lo, em arguição pública, sobre assuntos pertinentes ao desempenho do cargo a ser ocupado (Const., art. 52, III);
III – a arguição de candidato a chefe de missão diplomática de caráter permanente será feita em reunião secreta (Const., art. 52, IV);
IV – além da arguição do candidato e do disposto no art. 93, a comissão poderá realizar investigações e requisitar, da autoridade competente, informações complementares;
V – o relatório deverá conter dados sobre o candidato, passando a constituir parecer com o resultado da votação, aprovando ou rejeitando o nome indicado;
VI – a reunião será pública, sendo a votação procedida por escrutínio secreto, vedadas declaração ou justificação de voto, exceto com referência ao aspecto legal;
VII – o parecer será apreciado pelo Plenário em sessão pública, sendo a votação procedida por escrutínio secreto;
VIII – a manifestação do Senado será comunicada ao Presidente da República, consignando-se o resultado da votação.
Parágrafo único. A manifestação do Senado e das comissões sobre escolha de chefe de missão diplomática de caráter permanente será procedida em sessão e reunião secretas (Const. art. 52, IV)”.
[2] Eis o que preveem os mencionados dispositivos: “Art. 101. À Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania compete: (…) § 1º Quando a Comissão emitir parecer pela inconstitucionalidade e injuridicidade de qualquer proposição, será esta considerada rejeitada e arquivada definitivamente, por despacho do Presidente do Senado, salvo, não sendo unânime o parecer, recurso interposto nos termos do art. 254.”
“Art. 254. Quando os projetos receberem pareceres contrários, quanto ao mérito, serão tidos como rejeitados e arquivados definitivamente, salvo recurso de um décimo dos membros do Senado no sentido de sua tramitação.
Parágrafo único. A comunicação do arquivamento será feita pelo Presidente, em plenário, podendo o recurso ser apresentado no prazo de dois dias úteis contado da comunicação.”