O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar nesta quarta-feira (10/12) um conjunto de ações sobre o Marco Temporal para demarcação das Terras Indígenas. Até o momento, só foram feitas manifestações das partes e entidades que atuam no processo.
As sustentações orais vão continuar na sessão de quinta-feira (11/12). Os votos dos ministros ficarão para outra sessão, ainda a ser marcada.
A discussão é sobre a constitucionalidade da Lei 14.701/2023, que estabeleceu que os povos originários só têm direito à demarcação de suas terras se estivessem ocupando ou disputando o local na data da promulgação da Constituição, em outubro de 1988.
As manifestações feitas até aqui se centraram no marco temporal: partidos alinhados à esquerda e entidades indígenas e ou ligadas a pautas de meio ambiente defendem sua derrubada. Partidos de direita e associações de agricultura e pecuária querem a sua manutenção.
Algumas manifestações trataram também de outros temas. A Advocacia-Geral da União (AGU) defendeu a aplicação de um plano apresentado pelo órgão com regras para operacionalizar a indenização a proprietários de boa-fé de territórios indígenas, com proposta para fixar o valor pela terra nua.
Outras falas abordaram as questões envolvendo o procedimento para demarcação, e as regras para consulta e participação de estados e municípios.
O julgamento do conjunto de ações no STF começou um dia depois de o Senado ter aprovado uma proposta de emenda à Constituição que estabelece o Marco Temporal para demarcações. O texto seguiu para análise da Câmara.
A lei em julgamento pela Corte já havia sido uma resposta do Congresso contra a decisão do STF, de 2023, que rejeitou a existência do Marco Temporal para demarcação de terras indígenas e declarou sua inconstitucionalidade.
Validade
Representante do Partido Progressistas, Rudy Maia Ferraz, defendeu a constitucionalidade da lei. Em sua avaliação, a legislação traz previsibilidade, confiabilidade nos atos e processos de demarcação das terras indígenas. Ele defendeu que a lei trouxe segurança jurídica porque delimitou parâmetros objetivos. “Essa é uma tese capaz de conciliar todos os interesses envolvidos”.
O advogado destacou que o processo de demarcação de terra indígena não é igual em todo o Brasil, por isso, as balizas precisam estar bem estabelecidas. “A demarcação não será a mesma no Rio Grande do Sul, na região norte ou no Mato Grosso do Sul.”
Inconstitucional
O advogado Miguel Novaes, representante do PT, destacou aspectos que entende serem inconstitucionais, para além do Marco Temporal, como a possibilidade de realocação de povos indígenas.
“A previsão na lei é que caso a área tradicionalmente ocupada não esteja disponível, simplesmente se realoque a comunidade indígena. Não estamos falando de um apartamento funcional, de uma área urbana a ser desapropriada. Estamos falando de comunidades que possuem estreita e pessoal relação com a terra ali depositando suas tradições e seus costumes. Como então fazer essa simples troca? Não é possível”, disse.
Pelo PDT, a advogada Nara Loureiro Cysneiros Sampaio disse que a lei do Marco Temporal pode trazer consequências negativas ao Brasil em negociações de tratativas internacionais, como o acordo entre Mercosul e a União Europeia. “Cada dispositivo dessa lei é um argumento na mão de quem quer barrar o acordo”, afirmou.
Sampaio também disse que a norma “premia a grilagem, incentiva a invasão, transforma ilícito em investimento”, e que traz isenção tributária “ampla e irrestrita sobre exploração de riquezas naturais em terras indígenas”.
Conciliação e indenização
Falando pela AGU, Isadora Maria Cartaxo reforçou a posição do órgão de afastar a validade do Marco Temporal, no sentido do que o Supremo decidiu em 2023.
Cartaxo defendeu a adoção de um plano transitório apresentado pela AGU para regularização das terras indígenas que são alvo de disputas judiciais, como forma de garantir “camada de segurança jurídica extra”. Segundo ela, existem 156 processos judiciais envolvendo demarcação de terras indígenas.
O plano da AGU foi apresentado no processo e faz um tipo de transição entre as regras anteriores e as definidas pelo STF, com foco em temas como ressarcimento e indenização a proprietários que ocupem de boa-fé os territórios indígenas.
A defesa do órgão é para que as indenizações pelas benfeitorias feitas na propriedade e pelo valor da terra nua só sejam garantidas nos casos em que não há ocupação indígena em 1988. “Havendo ocupação em 1988, só as benfeitorias são indenizáveis”, afirmou.
O plano da AGU adota um parâmetro 60% do valor total do imóvel (VTI) para definir a quantia da indenização pela terra nua. O índice é adotado pelo INCRA para desapropriação para fins de reforma agrária.
Conforme Cartaxo, a ideia não é garantir ao particular o valor de mercado da terra. “Representa deságio assumido conscientemente porque o objetivo do plano não é satisfazer integralmente o interesse econômico individual, mas encerrar passivo histórico. É uma proposta de conciliação. O plano já vem pautando debates e soluções consensuais”, declarou.
Legislativo
O advogado da Câmara, Jules Michelet Pereira Queiroz e Silva, disse que a existência do Marco Temporal não é um obstáculo para a demarcação dos territórios, já que o prazo definido pela Constituição já se encerrou há 30 anos.
“O marco busca criar um cenário de segurança jurídica sobre o qual pode se desenvolver a solução adequada de conflitos. Quando se criam conceitos de maior subjetividade, permite-se que a solução da controvérsia se passe por juízos individuais, como o caso do laudo antropológico”, afirmou.
“A lei não é apenas uma cláusula de marco temporal, é um estatuto de procedimentos, de garantias e responsabilidade de estado. Fortalece o devido processo legal, protege a comunidade indígena e procura substituir a lógica da violência privada por solução institucional”.
A advogada-geral do Senado, Gabrielle Tatith Pereira, foi na mesma direção. Ela ressaltou que, para encerrar a violência no campo, é necessário “contemplar na maior medida possível os interesses e os direitos de todas as partes envolvidas”. Segundo ela, o Marco Temporal “não representa negar políticas públicas aos povos originários”.
As ações julgadas pelo STF foram apresentadas pelos partidos Progressistas, Republicanos e Liberal, que pedem o reconhecimento da validade da lei (ADC 87). De outro lado, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Rede, PSol (ADI 7582); PT, PCdoB, PV (ADI 7583); e PDT (ADI 7586) contestaram a norma.