A previdência complementar à do regime geral é crucial para alargar e repactuar a proteção social dos trabalhadores brasileiros, sobretudo os ditos independentes. Para parcela expressiva deles, a carteira assinada não assegura e nem disciplina como se ocupam e ganham a vida. Para eles se prevenir contra acidentes e se preparar para a velhice, precisam formar uma poupança de longo prazo, mas não podem ou não querem o fazer no regime geral. Para que acreditem nesse meio de poupar, importa saber que o dinheiro que lá guardam será investido segundo regras públicas de prudência e submetido a rigorosa fiscalização.
Regular bem é imprescindível para um brasileiro tomar a decisão, voluntariamente, de poupar parte do que ganha no lugar de gastar e ainda deixar essa poupança sob gestão de uma entidade terceira. Por isso, é importante que a agenda pública dê atenção a forma como é realizada essa supervisão estatal. Fiscalizar bem não passa por ter vários órgãos a tentar exercer a mesma competência e de forma cumulativa.
Antes de tudo, é bom destacar que o Brasil já dispõe de uma expressiva poupança acumulada nas entidades fechadas de previdência complementar (EFPC) na casa de 11% do PIB. Há um complexo sistema de supervisão desses investimentos. Ele impediu que qualquer dessas entidades perdessem um real que fosse com a falência do Banco Master, para dar um exemplo de assunto do momento (aliás, ao contrário das notícias equivocadas em que chamaram de “fundo de pensão” o que eram fundos próprios levantados por alguns governos regionais e fora daquele sistema).
Sempre há espaço para aprimoramentos institucionais que fortalecem a previdência complementar, mas é indispensável evitar sobreposições como a que passou a afetar sua fiscalização. Em março, o Tribunal de Contas da União (TCU) publicou a instrução normativa 99/2025 e se colocou como mais um órgão fiscalizador do setor, avançando sobre o espaço discriminado na lei 12.154/2009 para a atuação da Previc (Superintendência Nacional de Previdência Complementar). Ora, já havia uma rede específica de controles com: um órgão normatizador, o Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC); um órgão supervisor e fiscalizador, a Previc; e uma instância recursal específica, a Câmara de Recursos da Previdência Complementar. Cada instituição tem claramente definida a sua função e, ao longo dos anos, desenvolveu maturidade para regular esse setor estratégico.
A sobreposição ditada pela iniciativa citada do TCU expôs um risco evidente: o conflito de expertises. É inegável a capacidade técnica do Tribunal no acompanhamento das contas públicas; da mesma forma, é incontestável que a Previc acumulou vasta competência e experiência na regulação e fiscalização das EFPC. Mas, isso tem gerado conflitos preocupantes, como a possibilidade de dupla penalização ou de entendimentos divergentes entre os órgãos — um apontando irregularidades e outro não. Isso produz distorções sob o ponto de vista jurídico, pois um mesmo caso passa a ser julgado por duas instituições no mesmo âmbito, situação incompatível com princípios basilares da Justiça e da segurança jurídica.
O texto normativo do TCU também desconsidera que as EFPC são organizações autônomas e privadas. Ao interferir na programação administrativa e financeira das entidades, a corte de contas acaba por desrespeitar essa autonomia. O argumento de que parte dos recursos teria origem pública, por conta da contribuição de patrocinadores estatais, não se sustenta diante do fato de que o patrimônio dos fundos pertence integralmente ao trabalhador participante. Mesmo quando há contribuições de entes públicos, o valor aportado passa a compor um patrimônio privado destinado exclusivamente ao benefício futuro dos trabalhadores.
Por certo, é imprescindível que o TCU mantenha sua fiscalização sobre instituições públicas, inclusive as patrocinadoras estatais que financiam parte dos planos. Entretanto, a atual sobreposição entre dois entes públicos na fiscalização das EFPC cria insegurança jurídica generalizada. Ainda assim, existe espaço para uma atuação coordenada entre a Previc — reguladora e fiscalizadora definida em lei — e o TCU, desde que respeitados os limites institucionais de cada órgão.
O Supremo Tribunal Federal (STF) foi acionado e pode solucionar a sobreposição criada pela instrução normativa do TCU. O caso está sob relatoria do Ministro Cristiano Zanin, que poderá afastar a insegurança jurídica e fortalecer a função social prevista na Constituição da previdência complementar.
Enfim, é indispensável preservar essa autonomia para que as entidades de previdência complementar sejam uma fonte cada vez maior de investimentos, sobretudo no longo prazo, tão necessários ao desenvolvimento nacional.