Os impactos da reforma tributária na indústria alimentícia

A indústria alimentícia é um setor amplo e diversificado, responsável pela produção, processamento, transformação, conservação e embalagem de alimentos e bebidas. Inclui desde a produção de alimentos básicos, como óleos vegetais, açúcar e leite, até a fabricação de produtos ultraprocessados, como refrigerantes, carnes processadas e alimentos prontos para consumo.

Dada a relevância deste segmento, que é o maior do país, a reforma tributária do consumo, levada a efeito pela Emenda Constitucional nº 132/2023, e regulamentada pela Lei Complementar nº 214/2025, traz impactos significativos, seja em razão dos regimes diferenciados, seja em razão da incidência do imposto seletivo.

Regimes Diferenciados na Indústria Alimentícia

Os regimes diferenciados concedidos à indústria alimentícia vão desde a desoneração total da Cesta Básica Nacional de Alimentos, com redução de 100% das alíquotas da CBS e IBS; e a parcial, com redução de 60%, aplicado a produtos predeterminados, conhecidos como “Cesta Básica Estendida”.

Conheça o JOTA PRO Tributos, plataforma de monitoramento tributário para empresas e escritórios com decisões e movimentações do Carf, STJ e STF

O rol da Cesta Básica Nacional de Alimentos foi elencado no Anexo I da Lei Complementar nº 214/2025, composto por 26 itens, com o nome do produto e sua classificação na NCM; e contempla a famosa dupla arroz e feijão, até carnes, peixes e queijos – com algumas exceções. A lista ainda inclui café, manteiga, margarina, pães, mate, farinhas, açúcar e massas alimentícias.

Da mesma forma, a Cesta Básica Estendida conta com 17 itens, dispostos no Anexo VIII da Lei Complementar nº 214/2025, com descrição e NCM, que vão desde produtos hortícolas, frutas e grãos, até molho de tomate, sucos, óleos e amido.

A composição da Cesta Básica Nacional de Alimentos e a Cesta Básica Estendida gerou diversas discussões durante a tramitação legislativa, diretamente relacionadas à quantidade de produtos beneficiados, em face aos impactos econômicos e arrecadatórios da desoneração dos produtos.

As desonerações representam impacto direto na arrecadação da CBS e do IBS e geram o potencial aumento da alíquota de referência – ainda não publicada.

Nesse contexto, depreendemos que a Cesta Básica Nacional de Alimentos e sua versão estendida pretendem desonerar os produtos para viabilizar o consumo por toda a sociedade, em especial à população com menor recurso econômico, pois atinge diretamente o custo final do produto.

Receba de graça todas as sextas-feiras um resumo da semana tributária no seu email

Dentre algumas discussões que podem ser aprofundadas, destacamos a aplicação irrestrita da desoneração ao produto, sem considerar a capacidade financeira do adquirente; e a desconsideração do valor nutricional dos produtos beneficiados com a redução.

Os Ultraprocessados e o Imposto Seletivo

O imposto seletivo, que poderá ser cobrado a partir de 2027, foi inserido no art. 153, VIII, da Constituição Federal, com o intuito de desestimular o consumo de bens e serviços nocivos à saúde da população e ao meio ambiente. Neste escopo, os alimentos ultraprocessados e as bebidas açucaradas tornaram-se passíveis de serem incluídos na lista de produtos com tributação seletiva.

Isso porque, alimentos ultraprocessados e bebidas açucaradas têm elevadas quantidades de açúcar, gordura, sal ou calorias, que promovem o excesso de peso e aumentam a chance de desenvolver câncer, além de fornecem poucas fibras, vitaminas e minerais. Ademais, sua produção traz impactos ambientais consideráveis, pois afeta a biodiversidade, consome muita energia, emite poluentes e implica o uso excessivo de água, além de depender amplamente do uso de embalagens que, posteriormente, são descartadas inadequadamente no meio ambiente.

No entanto, somente as bebidas açucaradas figuram entre as hipóteses que tratam do imposto seletivo (art. 409, §1°, V, da Lei Complementar 214/2025). Os alimentos ultraprocessados não foram abarcados pelo imposto.

O afastamento dos ultraprocessados decorreu de uma preocupação da indústria alimentícia, que foi acatada pelos legisladores, de que o aumento no preço desses produtos pudesse impactar de maneira desproporcional os consumidores de baixa renda, exacerbando a desigualdade econômica e social. Curioso é que o mesmo argumento econômico é utilizado pela comunidade científica ligada à saúde para defender a incidência do imposto seletivo sobre os ultraprocessados, uma vez que o consumo crescente destes alimentos pelas pessoas mais pobres no Brasil, em virtude de preços mais baratos do que o de alimentos saudáveis, prejudicam a saúde dos mais vulneráveis. Tanto quanto o alerta dos cientistas, a preocupação da indústria alimentícia é legítima, à medida que o aumento da carga tributária em um dos setores mais relevantes da economia brasileira, pode causar impactos na cadeia produtiva e na oferta de empregos, o que também é prejudicial.

Outra questão é a liberdade de escolha dos consumidores. Neste ponto, o país carece de políticas públicas de educação e informação que esclareçam aos consumidores quanto aos riscos dos alimentos ultraprocessados e de políticas econômicas que fortaleçam o poder de compra do consumidor, para que ele possa dignamente optar pelo tipo de alimento que vai à sua mesa.

Inscreva-se no canal de notícias tributárias do JOTA no WhatsApp e fique por dentro das principais discussões!

Por fim, há dúvidas quanto à natureza extrafiscal do imposto seletivo. Num primeiro lançar de olhos, o imposto seletivo teria natureza extrafiscal, uma vez que o seu objetivo é incentivar comportamentos menos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. No entanto, ao afastar os ultraprocessados da incidência do imposto, vê-se que não há um propósito claro em inibir alimentos prejudiciais à saúde. Por outro lado, por se tratar da espécie imposto, tributo que não possui destinação vinculante obrigatória, tampouco os recursos serão destinados para a conscientização da população quanto ao tipo de alimento que consome ou para o financiamento de alimentos mais saudáveis para os mais pobres, o que aponta para a possibilidade de uma natureza arrecadatória, desvinculada da preocupação com a saúde da população e o meio ambiente.

Conclusão

A indústria alimentícia, maior segmento econômico do país, foi agraciada na reforma tributária com reduções nas alíquotas do IBS e CBS.

No entanto, o setor poderá sofrer a incidência do imposto seletivo que, atualmente, recai sobre as bebidas açucaradas, havendo ainda discussões quanto à incidência sobre os ultraprocessados que, se de um lado são prejudiciais à saúde e ao meio ambiente; de outro lado, o aumento de sua tributação poderia ser igualmente prejudicial, por desequilibrar a cadeia produtiva e a oferta de empregos, além de não estar clara a finalidade extrafiscal, tendo em vista que a destinação dos recursos não está atrelada a políticas públicas para melhoria da saúde alimentar da população ou à mitigação dos danos ambientais.

A adoção de medidas de adequação na indústria alimentícia para a Reforma Tributária deve ser realizada em caráter de urgência, considerando as alterações tributárias substanciais, com a desoneração, total ou parcial, da CBS e do IBS aos produtos da Cesta Básica, e a oneração com a incidência do imposto seletivo.

Dentre as providências necessárias, destacamos i) a avaliação da composição do preço, considerando a alteração da tributação incidente e do custo dos produtos; e ii) a adequação dos sistemas de tecnologia, com as regras fiscais adequadas, para viabilizar a aquisição e venda dos produtos com a correta tributação, e a consequente escrituração em conformidade com as novas regras.

Generated by Feedzy