Anfitriões no Airbnb suportam carga tributária maior que hotéis, diz estudo

As locações por temporada feitas por pessoas físicas têm carga tributária menor em relação aos hotéis? Há algum favorecimento a esse modelo de acomodação por conta de os atuais impostos sobre consumo (como o ISS) não incidirem sobre locações, sujeitas exclusivamente ao Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF)?

Um estudo da consultoria LCA, encomendado pela plataforma Airbnb, comparou a carga tributária total enfrentada por hotéis e locações por temporada e constatou que não há vantagem tributária para locações por temporada em relação à hotelaria. Pelo contrário, o estudo mostra que, em diversos cenários, a carga atual já é equivalente ou superior à da hotelaria, e que a reforma tributária tende a ampliar essas assimetrias.

A diferença é explicada pelas bases de cálculo e alíquotas na tributação de renda entre pessoas física e jurídica, o que faz com que a carga tributária varie de forma significativa entre os dois setores.

Nesse sentido, os anfitriões pessoas físicas (PF) de locação por temporada recolhem apenas um tributo, com alíquotas altas, sobre base mais ampla do que os hotéis. Colocando em números, um anfitrião pessoa física pode atualmente estar sujeito a uma alíquota de até 27,5% sobre os seus rendimentos de aluguel, deduzidos poucos gastos como condomínio e IPTU, enquanto um hotel no regime de Lucro Presumido recolhe carga de 19,5%, por exemplo.

Isso contraria a percepção de que há vantagem tributária para pessoas físicas que fazem aluguel por temporada, quando comparada à hotelaria. Ainda, mostra que, na verdade, há uma assimetria estrutural entre locadores e hotéis.

Motivos para a assimetria

Essa assimetria ocorre porque o modelo de tributação dos dois setores é distinto tanto na tributação sobre consumo quanto na tributação sobre renda. As locações por temporada realizadas diretamente por anfitriões, sem empresas, não se enquadram como prestação de serviços – devido à ausência de serviços acessórios e conforme a Lei Complementar 116/2003, que regula o ISS.

Assim, não há incidência de ISS ou de PIS/Cofins nas operações desses anfitriões, o que pode gerar uma impressão de menor carga tributária. Por outro lado, a tributação recai quase integralmente sobre o IRPF, que tem poucas deduções e alíquotas maiores.

Os anfitriões que alugam seus próprios imóveis sejam pessoas físicas ou jurídicas, também não podem aderir ao Simples Nacional, previsto pela Lei Complementar 123/2006, já que há vedação deste regime para esta atividade. Os hotéis e outros serviços de hospedagem têm acesso a regimes simplificados e benefícios fiscais, como o Simples, Lucro Presumido e Lucro Real, além de serem beneficiados por incentivos fiscais específicos, como o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) que isentou completamente os hotéis de pagamento de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS por 3 anos, entre outros.

No Simples Nacional, as alíquotas variam entre 6% e 33%, mas dados oficiais da Receita Federal usados pela LCA mostram que a carga média desses hotéis é de 12,1%, muito abaixo da carga tributária dos anfitriões. No caso do Lucro Presumido, a carga tributária também é inferior, sendo 16,8% na média. Os grandes hotéis, que faturam acima de 78 milhões de reais e, por isso, estão sujeitos ao Lucro Real, têm a menor carga tributária média de todas, considerando todas as deduções possíveis: apenas 11,9%, mesmo pagando ISS, PIS/COFINS, IRPJ e CSLL. 

Dentre os incentivos fiscais que beneficiam os hotéis, vale destacar o PERSE, que zerou IRPJ, CSLL e PIS/Cofins para hotéis entre 2022 e 2025, como um socorro pelos efeitos da pandemia de Covid-19. Este programa também não alcançou pessoas físicas que alugam seus imóveis para temporada. Assim, em muitos casos, compara-se a carga de 27,5% (anfitrião PF, pagando IRPF) com a de 2% a 5% (hotel PJ, pagando apenas o ISS).

Para Vanessa Canado, coordenadora do Núcleo de Tributação do Insper, o imposto de renda incidente sobre locações é substancialmente mais elevado que o aplicável ao setor hoteleiro. Mas ela lembra que essa não é uma peculiaridade brasileira: em sistemas de IVA no mundo todo, transações de consumidor para consumidor tradicionalmente não são tributadas pelos tributos de consumo.

Segundo ela, a assimetria estrutural decorre também do fato de que pessoas físicas não têm acesso a regimes simplificados e pagam IR pela tabela progressiva, enquanto PJs têm incentivos importantes, além da isenção de dividendos. Isso incentiva a pejotização e torna a tributação da PF proporcionalmente menos vantajosa.

A pesquisa demonstra que não há tratamento favorecido às locações por temporada, conclui Betina Grupenmacher, advogada e professora de Direito Tributário da UFPR. Assim, a carga efetiva dos anfitriões é equivalente ou superior à da hotelaria.

Cenário pós-reforma tributária

A reforma tributária substituirá os tributos atuais de consumo pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). A Lei Complementar 214/2025 definiu regras específicas para bens imóveis.

Para ser considerado como contribuinte de CBS e IBS sobre os bens imóveis, o locador pessoa física deverá alugar mais de três bens imóveis; e, obter, com essas operações, receita total superior a R$ 240 mil por ano. Assim, esses contribuintes seguem o mesmo regime da hotelaria.

Já o PLP 108/2024, na versão aprovada pelo Senado, aplicou esses mesmos requisitos do regime de bens imóveis ao serviço de hotelaria quando necessário caracterizar pessoas físicas como contribuintes de IBS/CBS. Além disso, o texto estabeleceu que o limite de R$ 240 mil reais também deve considerar a receita proveniente da locação por temporada.

Nesse cenário, a LCA estima que a carga total pode atingir 39% para anfitriões pessoa física – o dobro da hotelaria –, ao somar os tributos sobre o consumo e a renda. E avalia ainda que locações residenciais por temporada, quando não têm caráter empresarial, não deveriam configurar fato gerador de tributo sobre consumo, e que a aplicação indistinta da CBS e do IBS pode gerar desequilíbrios competitivos e onerar desproporcionalmente pessoas físicas.

Nessa linha, Vanessa Canado avalia que, mesmo após a reforma, o Brasil continuará a apresentar assimetrias estruturais relevantes por causa dos regimes simplificados e da ausência de simplificação da renda das PFs, o que torna a tributação regressiva e complexa para atividades híbridas como locações por temporada.

O estudo da LCA defende que o debate sobre tributação seja guiado por equilíbrio e simplificação. Dessa forma, será possível evitar onerar pessoas físicas, reconhecendo as contribuições da locação por temporada para a economia e a arrecadação do país.

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