Regulação da Cannabis medicinal de baixo THC avança e abre espaço para novo mercado no Brasil

O Brasil ingressa na etapa decisiva da regulamentação do cultivo medicinal de Cannabis de baixo THC e, com isso, passa a vislumbrar a consolidação de um mercado regulado com potencial de movimentar bilhões de reais ao longo dos próximos anos. A evolução recente decorre da decisão da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que homologou o plano de ação apresentado pela União e pela Anvisa e fixou 31 de março de 2026 como prazo final para a conclusão da norma que disciplinará o plantio, o processamento e a industrialização da planta destinada a fins medicinais e farmacêuticos.

Esse movimento se apoia no entendimento firmado pelo Tribunal no Incidente de Assunção de Competência nº 16 (IAC 16), no qual se reconheceu que o cânhamo industrial, variedade de Cannabis com baixos teores de THC, não se enquadra nas proibições penais da Lei de Drogas. A partir desse fundamento, tornou-se juridicamente possível a concessão de autorização sanitária para toda a cadeia produtiva, o que tende a reconfigurar o atual modelo baseado na importação de produtos regulados pela Anvisa desde 2015. Em termos econômicos, essa dependência reduz competitividade, pressiona custos logísticos e alimenta a judicialização do fornecimento.

Com notícias da Anvisa e da ANS, o JOTA PRO Saúde entrega previsibilidade e transparência para empresas do setor

Com a homologação do plano de ação, União e Anvisa passam a ter a obrigação de comunicar ao Tribunal cada etapa concluída do cronograma em até 5 dias, o que introduz maior previsibilidade e reduz margens de incerteza regulatória. Enquanto isso, a Anvisa avança no campo técnico com a coleta de evidências científicas a partir do Edital de Chamamento nº 23/2025, iniciativa que resultará no relatório que subsidiará a minuta normativa.

Do ponto de vista econômico, os números indicam um setor com potencial expressivo. Estudos da Embrapa e do Instituto Ficus projetam, no Brasil, receitas líquidas superiores a 5,7 bilhões de reais até 2030, acompanhadas de mais de 1,2 bilhão de reais em investimentos diretos e cerca de 14 mil e 500 empregos formais. No cenário internacional, o mercado de cânhamo movimenta de 5 a 7 bilhões de dólares ao ano e mantém ritmo de crescimento que pode alcançar 25% ao ano até 2033.

A construção desse mercado tende a estimular inovação tecnológica, desenvolvimento de cultivares tropicais, novas aplicações em biotecnologia e expansão de empresas de base científica voltadas à saúde e à bioeconomia. Além disso, a cultura apresenta vantagens agronômicas relevantes, como rentabilidade superior ao algodão e menor demanda hídrica e de insumos, fatores que dialogam diretamente com investimentos orientados por critérios ESG.

Nesse contexto, a conformação regulatória definirá as condições de entrada e operação das empresas, incluindo requisitos rigorosos de governança, rastreabilidade, regularidade fiscal e controles internos compatíveis com o risco sanitário. Como a finalidade produtiva será exclusivamente medicinal e farmacêutica, a escala tecnológica exigida tende a elevar o padrão de atuação dos agentes econômicos.

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A demanda já existe e continua em expansão. Mais de 670 mil pacientes utilizam terapias à base de Cannabis no Brasil e o Ministério da Saúde executou mais de 820 decisões judiciais de fornecimento. Essa discrepância entre demanda crescente e ausência de cadeia produtiva local reforça a urgência de um marco regulatório estável, tecnicamente orientado e economicamente coerente.

À medida que o prazo estabelecido pelo Superior Tribunal de Justiça se aproxima, inicia-se a fase mais sensível da construção institucional do setor. É nesse momento que serão consolidados os parâmetros sanitários, econômicos e jurídicos que moldarão o mercado brasileiro de Cannabis medicinal de baixo THC e definirão sua competitividade no longo prazo.

Nesse cenário, o desafio não está apenas em concluir a regulamentação, mas em definir a arquitetura institucional que sustentará o setor pelos próximos anos. É desse desenho que nasce a dinâmica competitiva, porque em mercados regulados emergentes a vantagem costuma surgir de quem consegue interpretar antes os vetores técnicos e ajustar a governança empresarial à curva regulatória. A Cannabis medicinal de baixo THC, portanto, não representa apenas uma nova fronteira agrícola, mas a construção de um ecossistema econômico, tecnológico e sanitário capaz de reposicionar o Brasil em cadeias globais de valor, com impactos diretos sobre inovação, bioeconomia e indústria farmacêutica.

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