Regulamentação de cigarros eletrônicos: a hora é agora

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou recentemente que todos os países regulem bolsas de nicotina, cigarros eletrônicos, produtos de tabaco aquecido, ao menos com o mesmo rigor dos produtos tradicionais, durante a abertura da 11ª conferência da Convenção-Quadro da OMS para o Controle do Tabaco (CQCT). O combate global ao tabagismo, responsável por mais de 7 milhões de mortes anuais e altos custos para os sistemas de saúde pública, tem se concentrado historicamente em medidas para reduzir o uso, como impostos, restrições de publicidade e políticas de ambientes livres de fumo. No entanto, uma ferramenta essencial para a saúde pública tem sido negligenciada: a regulamentação da toxicidade do produto.

Um artigo, do qual sou coautor, juntamente com dois pesquisadores da Universidade de Viena, foi publicado no mês passado pela Frontiers, editora de artigos científicos de acesso aberto (https://www.frontiersin.org/journals/public-health/articles/10.3389/fpubh.2025.1687986/full) onde defendo que é imperativo estabelecer um arcabouço regulatório baseado em ciência para definir limites de emissão de substâncias tóxicas, a fim de reduzir os danos à saúde.

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O estudo indica que a toxicidade é que impacta diretamente os resultados de saúde. O foco anterior no combate ao tabagismo era unicamente na redução da prevalência, pois era quase impossível obter reduções significativas de toxicidade nos cigarros tradicionais. No entanto, a redução do dano pode ser acelerada ao diminuir a exposição geral a substâncias tóxicas, mesmo que um grande número de pessoas continue a usar esses produtos.

O Quadro Convencional para o Controle do Tabaco da OMS, em vigor desde 2005, já prevê a regulamentação de conteúdo e emissões nos seus Artigos 9 e 10, oferecendo um mecanismo para reduzir os danos. Contudo, o trabalho sobre uma estratégia fundamental de redução de toxicidade estagnou. Embora as diretrizes parciais tenham sido desenvolvidas, elas não fornecem orientações específicas para a regulamentação de constituintes e emissões prejudiciais, uma prioridade identificada pelos países desde 2006. O grupo de trabalho sobre os Artigos 9 e 10 foi suspenso em 2018 devido a desafios técnicos e de governança, incluindo desacordos entre as Partes.

É importante desenvolver um arcabouço eficaz e baseado em evidências, análogo às práticas regulatórias observadas em outros setores, como o regulamento Reach da União Europeia, que estabelece limites específicos para substâncias na indústria química. Outro exemplo são os padrões europeus de emissões veiculares, que impõem limites progressivamente mais rigorosos. O setor de alimentos também regula aditivos com base em avaliações de segurança e níveis máximos permitidos.

Para o setor de tabaco, a base técnica requer o acordo sobre uma lista de substâncias tóxicas, o desenvolvimento de métodos de medição padronizados e o estabelecimento de limites reais. Nove toxicantes prioritários — ligados a carcinogênese, toxicidade cardiovascular e pulmonar (acetaldeído, acroleína, formaldeído, benzeno, 1,3-butadieno, monóxido de carbono, benzo[a]pireno, NNK, NNN) — podem ser selecionados inicialmente para estabelecer um padrão de referência.

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Para produtos não combustíveis, como tabaco aquecido, cigarros eletrônicos e bolsas de nicotina oral, as listas de toxicantes devem ser adaptadas para refletir seus perfis e vias de exposição distintos.

A adoção de um sistema de classificação baseado em emissões permitiria aos reguladores estabelecer padrões de desempenho baseados em ciência. Isso poderia ser operacionalizado por meio de uma abordagem de rotulagem semelhante às etiquetas de eficiência energética (como em eletrodomésticos ou veículos), ajudando os consumidores a diferenciar produtos de alta e baixa emissão.

É crucial que este arcabouço seja dinâmico e adaptável, revisando periodicamente os métodos de teste para acompanhar os avanços tecnológicos e o conhecimento científico, um ciclo de feedback contínuo.

No Brasil, os cigarros eletrônicos são proibidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária desde 2009. No entanto, o número de consumidores vem crescendo ano a ano e os dispositivos são facilmente comprados em lojas físicas ou pela internet. O primeiro Levantamento Nacional sobre a Demanda por Bens e Serviços Ilícitos, realizado pela Escola de Segurança Multidimensional (ESEM) da Universidade de São Paulo (USP) em parceria com o Instituto IPSOS, divulgado no mês passado, mostra que mesmo proibidos ou sem regulação no Brasil, os novos produtos de tabaco e nicotina seguem em expansão. A pesquisa indica que 10 milhões de brasileiros consomem cigarros eletrônicos e sachês de nicotina frequentemente. Entre eles, 8,5 milhões usam cigarros eletrônicos e 1,5 milhão utilizam sachês de nicotina de regularmente.

O enfoque atual, centrado apenas na redução do uso, não tem sido capaz de compensar o crescimento populacional. O mundo está a caminho de perder a meta global de redução de 30% no uso de tabaco até 2025, e a projeção é que mais de 1,2 bilhão de pessoas ainda estarão fumando em 2050. Uma estratégia regulatória focada na redução de emissões prejudiciais é, portanto, uma necessidade de saúde pública.

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