O custo individual de uma derrota judicial no Brasil é extremamente baixo, o que incentiva a litigância predatória, afirmou o diretor jurídico do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), Walter Baère, nesta quinta-feira (4/12), no Fórum Jota Segurança Jurídica, em Brasília.
Segundo Baère, existe um incentivo à litigância de massa porque os custos de ingresso de uma ação judicial contra a União são muito baixos, assim como os custos de ter uma demanda negada.
“O país vive um ambiente de litigiosidade epidêmica e a gente precisa entender um pouco esse fenômeno”, afirmou. “Há concessão maciça de gratuidade da Justiça, o que onera não só os cofres públicos na defesa, mas toda a sociedade”.
Baère discutiu o tema em um painel com Flavio Roman, Advogado-Geral da União substituto e diretor da Câmara de Proteção à Segurança Jurídica no Ambiente de Negócios (Cejan) dentro da Advocacia-Geral da União (AGU).
Esta terceira edição do Fórum Jota foi parte do projeto Jurisprudente e teve também a presença do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, e dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino e Gilmar Mendes. O Fórum é um projeto especial marcado por conversas entre os jornalistas do JOTA e lideranças políticas para discutir o presente e o futuro do Brasil.
O diretor jurídico do BNDES citou os números da pesquisa Justiça em Números, do CNJ, que apontam para 83 milhões de processos ativos em dezembro de 2023, dos quais mais de 9 milhões eram contra o poder público.
“Nesse ano chegamos a 80 milhões, teve uma redução de quase 4%”, afirmou. “Isso significa que o Judiciário está se esforçando para dar conta da demanda e tem entregado à sociedade. É a primeira vez na série histórica em que há uma queda da litigância no Brasil, mas o número ainda é muito elevado em termos absolutos.”
Para ele, a litigância em massa é um problema de três dimensões, sobretudo a litigância com a administração pública.
“Ela gera um problema sistêmico de insegurança jurídica e temos uma percepção do empresariado e da sociedade brasileira que é correspondente”, afirmou. “Ela também gera um problema econômico, porque a incerteza inibe investimento. E cria uma ineficiência na gestão e desenho de política pública.”
Baère afirmou que um caminho para solucionar o problema é tratar de forma coletiva os temas que são a maior parte das ações — previdência social, por exemplo, é o número um —, porque tratá-los de forma individual gera uma “ineficiência sistêmica por parte do Poder Judiciário”.
“Podemos criar câmaras especializadas, etapas de conciliação prévia, etapa de produção de prova pericial, sobretudo em matéria de benefício previdenciário, prévia ao ingresso e ao ajustamento da ação, na qual o próprio resultado da perícia já vai orientar o curso da ação”, afirmou. “A gente pode extinguir milhões de ações de forma imediata com um mecanismo conciliatório prévio em matérias dessa natureza.”
O segundo passo, disse ele, é inverter a lógica de incentivo para o contencioso, reduzindo a concessão de justiça gratuita para os casos onde ela realmente cabe. Outro é identificar os litigantes predatórios e criar punições para quem usa o sistema judicial para prejudicar a sociedade como um todo.
Flavio Roman afirmou, por sua vez, que a excessiva judicialização prejudica o próprio Judiciário e os cidadãos.
“Se a gente tem 80 milhões de processos, aquele meu direito não se efetiva porque isso se tornou um gargalo”, disse.
Ele afirmou que a AGU tem buscado mecanismos para atuação no combate da litigância predatória no que tem sido chamado de Pacto Nacional pela Segurança Jurídica.
Fazem parte dele a futura criação de uma central de inteligência de monitoramento de litigância predatória e a criação pelo governo do Conselho Nacional de Monitoramento e Acompanhamento dos Riscos Fiscais Judiciais. Segundo Roman, o conselho “desarmou a bomba da emenda constitucional que congelava os pagamentos de precatórios e passou a tratar do tema de forma estrutural”.
Roman destacou também a importância de buscar soluções consensuais e fugir da cultura de o Judiciário ser a primeira solução buscada pelas pessoas.
“O Judiciário é a última ratio, a gente tem que primeiro dialogar”, afirmou.
Atritos entre poderes
O advogado-geral da União substituto também comentou, no final do painel, sobre a decisão do ministro Gilmar Mendes que suspendeu diferentes dispositivos da Lei do Impeachment (Lei 1.079/1950) relativos ao afastamento de ministros da Corte. Parlamentares reagiram, criticando a decisão.
A AGU apresentou na quarta-feira (03/12) ao STF uma manifestação endereçada ao ministro com pedido de reconsideração.
Ao comentar se a decisão causou turbulência entre os Poderes em um momento no qual o Legislativo e Executivo já vivem uma crise institucional, Roman disse que isso “faz parte do diálogo entre os Poderes”, mas que certamente haverá um entendimento para essa questão.
“A discussão alusiva aos processos regulados pela Lei 1.079, que remonta à década de 1950, traz complexidades que não são triviais e que, dadas as fricções que eventualmente acontecem entre os poderes, pode demandar uma resposta ou não”, afirmou. “Isso não significa que as decisões adotadas, principalmente monocraticamente, por um determinado ministro relator, como o ministro Gilmar Mendes, que é o decano da corte, não possam sofrer críticas.”
Roman afirmou que a posição do AGU tenta dialogar com o próprio relator, estimulando a uma nova reflexão sobre a urgência do tema, tendo em vista que o processo já está pautado para ser discutido pelo plenário virtual.
“E eu tenho certeza que o plenário do Supremo Tribunal Federal vai saber levar em consideração tanto a decisão alongada do seu decano — muito refletida, são 71 páginas, remetendo a conceitos históricos, a toda evolução constitucional — quanto a contribuição do próprio advogado-geral da União, apresentada ontem”, afirmou Roman.
“Tenho certeza que o final da história vai ser sempre a pacificação”, disse.