Muito se tem falado da expansão de projetos de infraestrutura no Brasil decorrentes de contratos de concessões e parcerias público-privada (PPPs). Para se ter uma ideia, contratos de PPPs aumentaram quase 300% na segunda década de vigência da Lei que instituiu o modelo (Lei 11.079/2004) se comparada com a primeira, conforme relatório da consultoria Radar PPP[1].
Estima-se, ainda, que o Brasil termine o ano de 2025 com mais de 150 leilões de concessões e PPPs, resultando em mais de R$ 150 bilhões de investimentos em infraestrutura, segundo dados da mesma consultoria[2].
Segundo dados e projeções recentes da Abdib (Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústria de Base), existem atualmente 469 novos projetos de concessão e PPPs de origem federal, estadual ou municipal, com cerca de R$ 760 bilhões de investimentos em diversas áreas de infraestrutura[3].
Concessões e PPPs são contratações públicas complexas, de longo prazo e que envolvem elevadas somas de dinheiro público e privado para implantação e operação de projetos de infraestrutura: rodovias, aeroportos, iluminação pública, saneamento básico, escolas, hospitais etc. Por isso exigem uma estruturação altamente técnica, que depende de pessoal qualificado e maior tempo de preparação em comparação a contratos administrativos comuns.
A opção por concessões e PPPs pode incorporar as mais variadas motivações: apropriação da eficiência e inovação do setor privado, diminuição do tamanho do Estado, redução de déficit de infraestrutura, melhoria da qualidade dos serviços públicos e insuficiência de recursos públicos para novos investimentos.
Sobre a essa última justificativa, isto é, utilização de concessões e PPPs para contornar déficit fiscal, é preciso redobrar a atenção, tendo em vista que essas ferramentas contratuais não se justificam simplesmente para suprir eventual falta de recursos públicos ou contornar regras orçamentárias e fiscais.
De fato, concessões e PPPs proporcionam bons resultados, tais como incorporação de infraestrutura moderna, geração de empregos, arrecadação, consumo e renda, que geram impactos sociais relevantes: promoção da dignidade humana, redução das desigualdades e desenvolvimento econômico e social. Mas é preciso cautela no comprometimento de recursos públicos com essas contratações.
Aqui, é importante esclarecer que “concessões” é o termo empregado para designar as concessões comuns, regidas pela Lei nº 8.987/1995 (Lei Geral de Concessões), nas quais não há contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado. Parcerias Público-Privadas (PPPs), por sua vez, configuram concessões especiais, caracterizadas pela existência de contraprestações do parceiro público ao privado, dividindo-se em PPP patrocinada, na qual a contraprestação estatal é adicional à tarifa paga pelo usuário, e PPP administrativa, em que a contraprestação é exclusiva do Estado[4].
O desafio fiscal desses arranjos contratuais é pouco explorado. Não se questiona se o parceiro público terá recursos suficientes para cumprir suas obrigações financeiras ao longo da execução contratual, pois o foco está em discutir boas modelagens contratuais e normas que garantam a efetiva segurança jurídica dos projetos. Contudo, em cenário de crise fiscal, o aspecto financeiro e orçamentário das concessões e PPPs deveria ser uma preocupação premente.
Apesar da diferença entre os modelos contratuais, tanto as concessões comuns quanto as PPPs envolvem invariavelmente compromissos financeiros futuros assumidos pelo poder concedente. Até mesmo nas concessões comuns, em que não há contraprestação do parceiro público, o poder concedente pode assumir riscos de demanda, de construção, operacional ou cambial, que refletem obrigações financeiras futuras.
A complexidade e a longa duração desses contratos os tornam necessariamente incompletos, o que significa que ao longo da execução contratual inevitavelmente vão surgir eventos imprevisíveis e que produzirão impactos no equilíbrio econômico-financeiro inicial, exigindo que o poder concedente promova o reequilíbrio da equação em favor do concessionário. Ou seja, é previsível que o parceiro público terá que desembolsar valores em favor do concessionário durante a vigência desses contratos.
Por isso, esses riscos devem estar previstos na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do ente público contratante, especificamente no Anexo de Riscos Fiscais, que é o documento no qual são identificados e estimados os passivos contingentes e outros riscos fiscais capazes de afetar as contas públicas[5].
Também com foco no planejamento financeiro das parcerias público privadas, o art. 10, I, “c”, da Lei 11.079/2004 — apesar de sua redação pouco clara — condiciona a abertura do processo licitatório de uma PPP à prévia autorização fundamentada em estudo técnico que comprove a observância dos limites e condições relativos à dívida pública consolidada, às operações de crédito, à concessão de garantias e demais aspectos de endividamento público, considerados os compromissos que o concedente assumirá no respectivo contrato.
A Lei de PPPs ainda prevê um gatilho que determina a suspensão das transferências voluntárias e da concessão de garantias pela União aos estados e municípios que comprometerem mais de 5% da receita corrente líquida do exercício anterior com despesas continuadas decorrentes de parcerias público-privadas[6].
Embora não haja um limite legal expresso para o endividamento dos entes públicos com contratos de concessões e PPPs, é certo que esses arranjos contratuais exigem responsabilidade fiscal e transparência por parte dos poderes concedentes, sob pena de comprometimento de sua sustentabilidade fiscal e da própria capacidade de honrar suas obrigações financeiras ao longo da execução contratual.
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É preciso avaliar se os poderes concedentes (União, estados e municípios) estão considerando seus contratos de concessão e PPP fora do balanço patrimonial, pois tal prática pode comprometer a correta mensuração da dívida pública, por desconsiderar compromissos futuros oriundos dessas contratações, tornando incerta a capacidade financeira do parceiro público para quitar suas dívidas caso os riscos se materializem.
Cabe lembrar aqui o caso de Portugal nos anos 1990, que para suprir seu déficit de infraestrutura e driblar regras fiscais, assumiu compromissos futuros com PPPs sem registrá-los como dívida em seus demonstrativos, comprometendo cerca de 10% do PIB do país com compromissos fiscais fora do balanço.
Essa experiência evidencia a necessidade de transparência na contratação de concessões e ppps, sob pena de comprometimento da sustentabilidade fiscal do poder concedente.
A transparência e responsabilidade fiscal dos gastos públicos relacionados a concessões e PPPs é imprescindível para evitar que tais instrumentos contratuais sejam utilizados como mera forma de contornar restrições fiscais, em detrimento de suas finalidades legítimas: atrair investimento, eficiência e inovação do setor privado, bem como aumentar a qualidade dos serviços públicos prestados.
[1] https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/contratos-de-ppps-avancam-quase-300-em-segunda-decada-de-parcerias-no-brasil/
[2] https://www.cnnbrasil.com.br/economia/investimentos/ppps-devem-superar-150-leiloes-e-r-150-bilhoes-em-investimentos-em-2025/
[3] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2025/11/investimento-em-infraestrutura-chega-a-r-280-bi-em-2025-mas-crescimento-desacelera-diz-estudo.shtml
[4] Art. 2º, §§ 1º a 3º, da Lei 11.079/2004 (Lei de PPPs).
[5] Art. 4º, §3º, da Lei Complementar 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal).
[6] Art. 28, caput, da Lei 11.079/2004.