Está em discussão na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado a criação da Cide-Bets, um tributo de 15% incidente sobre as transferências de dinheiro feitas por pessoas físicas às plataformas. Embora o objetivo declarado seja financiar a segurança pública, a medida carrega um “efeito reverso” perigoso: ao elevar substancialmente a carga tributária do setor recém-regulamentado, o projeto corre o risco de fortalecer justamente o mercado ilegal que promete combater.
O debate sobre fontes de financiamento é legítimo, mas o desenho atual da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico específica para as bets – incidindo sobre o depósito e não sobre o lucro (GGR) – é um presente para as plataformas clandestinas. Um estudo recém-divulgado pela LCA Consultoria Econômica aponta falhas metodológicas graves na proposta: ao encarecer artificialmente a operação legal, a medida reduz a competitividade das empresas sérias e estimula a migração de apostadores para sites irregulares, diminuindo a “canalização” (a parcela do mercado que joga dentro da lei).
Os números da LCA são alarmantes: estima-se que 51% do mercado de apostas no Brasil já opere na ilegalidade. Estamos falando de um mercado total que movimenta até R$ 78 bilhões anuais , onde mais da metade desse volume flui hoje por canais obscuros, sem pagar impostos. Ao projetar uma arrecadação de R$ 8,5 bilhões com a nova Cide, o governo comete um erro contábil: ignora que essa cobrança incidirá apenas sobre o mercado legal, que encolherá com a medida.
Enquanto isso, o setor regulado já se prepara para uma contribuição robusta. Em 2025, a previsão é recolher cerca de R$ 9 bilhões em tributos federais (PIS, Cofins, IRPJ, CSLL) e R$ 600 milhões municipais. Isso sem contar a outorga e a contribuição de 12% sobre o GGR, que já atua como um “imposto seletivo”, destinando verbas para a segurança pública e educação. Criar uma nova taxa sobre o depósito ameaça canibalizar toda essa base de arrecadação já constituída.
A mecânica da Cide-Bets funciona, na prática, como um bônus financeiro para o crime. Ao taxar o depósito do cidadão em 15% no site legalizado, o governo faz com que R$ 100,00 valham apenas R$ 85,00 na plataforma regulada. Já na plataforma ilegal, que não retém imposto e não segue regras de compliance, os mesmos R$ 100,00 continuam valendo R$ 100,00. Cria-se, por força de lei, uma vantagem competitiva de preço imediata para sites que operam na clandestinidade e sem nenhuma proteção ao jogador.
A experiência internacional reforça o alerta. Na Holanda, o aumento da carga tributária fez com que o mercado ilegal ultrapassasse o legal pela primeira vez, capturando 53% das apostas e gerando frustração de receitas. Na Colômbia, a implementação de tributo sobre depósitos resultou em queda superior a 30% na receita bruta.
No Brasil, onde a taxa de canalização é estimada em apenas 49%, o risco é iminente. O Senado precisa avaliar este contrassenso: uma Cide criada para combater o crime organizado não pode entregar a esse mesmo crime a maior vantagem comercial da história do setor. Penalizar quem opera na luz, com sede no Brasil e regras de jogo responsável, é a receita para empurrar o cidadão para a sombra.
O caminho para ampliar a receita e proteger o consumidor é combater a clandestinidade, não asfixiar a legalidade. Cada ponto percentual que trazemos do mercado ilegal para o legal gera milhões em arrecadação e segurança. Apostar na viabilidade do mercado regulado é a única escolha responsável.