Recém-empossada como presidente da International Fiscal Association (IFA), a tributarista colombiana Natalia Quiñones descreve a mobilidade como um dos maiores desafios atuais relacionados à tributação internacional. Para a especialista, as regras tributárias globais ainda têm como base as fronteiras nacionais, que estão se tornando cada vez mais irrelevantes tanto para pessoas físicas quanto jurídicas.
Em entrevista concedida ao JOTA durante o 77º Congresso da associação, Quiñones também mencionou como prioritária a relação entre tributação e sustentabilidade ambiental, tema que, segundo ela, tem sido capitaneado principalmente por países da América Latina. “Há propostas de criação de tributos globais para uma ação climática global. Eu apoio essas propostas, mas elas infelizmente permanecem mais como uma prioridade latino-americana, e não uma prioridade mundial, como deveria ser”, disse.
Primeira mulher à frente da IFA, que tem como braço brasileiro a Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF), Quiñones ainda destacou futuros projetos da IFA América Latina, como a realização de cursos executivos, a criação de uma base de dados de especialistas das mais diversas especialidades tributárias e uma iniciativa de intercâmbio entre jovens tributaristas.
Deslocalização
De acordo com Natalia Quiñones, um dos principais desafios quando o assunto é tributação internacional atualmente está relacionado à mobilidade. Isso porque, apesar de vivermos em um mundo em que tanto companhias quanto pessoas físicas podem atuar nos mais diversos países, e no qual existe a figura dos nômades digitais, as legislações ainda dependem de localidade física. “O mundo e a economia estão indo em direção à deslocalização, e nossas regras têm como base a localização”, pontua.
A tributarista aponta que as fronteiras nacionais são cada vez mais irrelevantes para companhias e indivíduos, mas ainda são um dos pilares das normas tributárias. “As pessoas estão se reunindo, se movimentando e reduzindo a importância de sedes. Então, como vamos criar regras que só podem ser aplicadas em territórios pequenos, quando as atividades estão acontecendo por todo o mundo?”, questiona.
Neste cenário, para Quiñones, a troca de informações entre jurisdições se torna essencial. Para ela é necessário transparência, não só em relação às informações financeiras, mas também sobre proprietários de empresas e outros ativos.
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Da mesma forma, segundo Quiñones, as inovações tecnológicas tornam necessário pensar na economia espacial, ou seja, nas operações relacionadas a satélites, turismo espacial ou outras estruturas que acontecem fora da órbita terrestre. “Pelas regras atuais ninguém tem jurisdição sobre essas transações, porque o espaço é comum para toda a humanidade. Então, como vamos tributar esses rendimentos?”, problematiza.
Ainda em relação às novas tecnologias, a presidente da IFA salienta a complexa relação entre tributação e inteligência artificial. Ela acredita, por exemplo, que ferramentas desse tipo podem começar a ser utilizadas para capturar informações sobre contribuintes, e será necessário garantir a precisão desses dados.
América Latina
Segundo Natalia Quiñones, a América Latina tem se destacado no debate de como aliar a sustentabilidade ambiental e a questão tributária. “Nós, na América Latina, somos dolorosamente conscientes do fato de que não temos dinheiro para responder aos diferentes desafios que [a mudança climática] está trazendo”, diz. Para tanto, uma das propostas tem sido a criação de tributos globais.
Ainda, a região – e o Brasil, em especial – têm se destacado ao trazer à mesa a questão da desigualdade “e de como o Imposto de Renda falhou em capturar a riqueza e o rendimento das pessoas com maior capacidade contributiva”, afirma a tributarista. “Essa é uma questão que é muito visível na América Latina, porque sabemos que os segmentos mais ricos não têm obrigação de distribuir dividendos e podem gastar através das suas empresas. Então às vezes eles sequer têm renda a ser tributada”, pontua.
Da mesma forma, tributos voltados especificamente às grandes fortunas têm falhado por falta de dados. Estruturas corporativas e mesmo propriedades de pessoas físicas ainda são opacas às administrações, dificultando a tributação.
A presidente da IFA também comentou as tarifas implementadas pela gestão de Donald Trump. Para ela, as medidas têm moldado os sistemas tributários ao redor do globo, mas têm um tempo de vida limitado, não sendo sustentáveis no longo prazo. Para ela, a postura dos Estados Unidos ignora a interdependência e a interconexão entre os países.
Pilotos
Primeira mulher à frente da associação, Quiñones diz que tem três projetos-piloto em andamento para a IFA América Latina, com previsão de lançamento em breve. Uma das ideias está relacionada à disponibilização de cursos executivos, sendo o primeiro deles sobre a tributação de projetos cinematográficos. O curso de curta duração provavelmente será sediado em Ushuaia, no sul da Argentina. “Nós esperamos que pessoas que estão interessadas em gravar filmes e documentários na Espanha e na América Latina venham e entendam o tratamento tributário e os benefícios fiscais que estão disponíveis para esses projetos”, diz.
Além disso, a presidente pretende organizar uma base de dados onde os membros possam explicitar suas áreas de atuação, iniciativa que será iniciada na América Latina.
A terceira iniciativa está relacionada ao público jovem. A ideia é que jovens profissionais possam fazer períodos de estágio em escritórios ou companhias de outros países, absorvendo o conhecimento gerado durante a experiência e o trazendo de volta ao seu país de origem.
Sendo a primeira mulher a presidir a IFA, Quiñones diz que sua liderança será focada em “trabalho coletivo e em aumentar as conquistas coletivas” dos membros da associação. “Ser mulher requer que você crie esse ambiente onde você pode ser apoiado e também apoiar outras pessoas em seus esforços. Será uma nova fase para a IFA, um espaço aberto onde todas as mulheres, jovens e qualquer pessoa que incorpore a diversidade, pode participar e tornar seu talento, seu entusiasmo e suas ideias muito visíveis”, sintetiza.
Sobre a IFA
A International Fiscal Association é uma organização internacional não governamental e não setorial que trata de questões fiscais. Seus objetivos são o estudo e o avanço do direito internacional e comparado no que diz respeito às finanças públicas, especificamente o direito fiscal internacional e comparado, bem como os aspectos financeiros e econômicos da tributação. A IFA busca alcançar esses objetivos por meio de seus congressos anuais, conferências, eventos e publicações científicas. O próximo Congresso Anual da IFA ocorrerá em Melbourne, Austrália, de 18 a 22 de outubro de 2026.