Lições internacionais sobre regulação do trabalho por plataformas

O Brasil está prestes a definir regras para as atividades intermediadas por plataformas digitais de transporte privado de passageiros e encomendas. A Comissão Especial da Câmara dos Deputados deve finalizar, em breve, o relatório sobre a regulamentação do trabalho intermediado por aplicativos. Na reta final dos trabalhos da comissão, vale ressaltar alguns aprendizados e pontos de atenção que vêm de fora do país. Todas as legislações têm consequências e é preciso antecipá-las, evitando repetir erros e remédios que sabemos não ser a solução.

Um estudo realizado pela consultoria 6Pages demonstra que, em países onde leis mais radicais foram implementadas, houve diminuição do mercado, dos postos de trabalho e, consequentemente, dos ganhos do trabalhador. Exemplos de legislação, como a implementada em Seattle, nos EUA, mostra que é necessário que os modelos de ganhos mínimos sejam coerentes com a realidade dos mercados. Caso contrário, há consequências negativas que impactam toda a cadeia de valor do setor, inclusive, o próprio trabalhador. Quem deveria ser beneficiado acaba sendo o mais prejudicado.

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Em Seattle, foi aplicado uma interferência desproporcional no valor e na forma da remuneração dos entregadores, o que desbalanceou o ecossistema do delivery: houve redução de pedidos, queda no faturamento dos restaurantes e, consequentemente, há menos trabalho disponível para os entregadores. A legislação resultou em uma redução de até 68% no número de entregas, já que os valores das taxas aumentaram, chegando a compor até 60% do valor dos pedidos. Para efeitos de comparação, os pedidos feitos na cidade chegam a custar até 93% mais do que pedidos semelhantes feitos em Portland, no estado vizinho de Oregon.

A experiência europeia deixa um alerta claro. Em Madri, a Lei Rider, que tentou transformar entregadores em empregados formais, reduziu a oferta de trabalho, encareceu o serviço, estimulou cooperativas artificiais e aumentou a informalidade, levando inclusive à saída ou redução de operação de várias plataformas. Em Lisboa, a tentativa de enquadramento rígido gerou distorções tão evidentes que o próprio governo português passou a revisar a legislação, reconhecendo que o modelo tradicional de emprego não se ajusta a uma atividade cuja essência é a autonomia. Nos dois casos, a consequência foi a mesma: menos oportunidades, mais custos e um mercado menos dinâmico, exatamente o oposto do desejado.

Na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, uma das propostas em análise estabelece uma taxa mínima de R$ 10 por entrega, acrescida de R$ 2,50 por quilômetro rodado. Hoje, porém, as plataformas operam com modelos bastante variados, combinando valores fixos que normalmente ficam entre R$ 6,50 e R$ 7,50, além de adicionais por quilômetro que variam de R$ 1,20 a R$ 1,50, conforme a empresa, a cidade e a dinâmica da demanda. Trata-se de um ecossistema heterogêneo, que reúne serviços de entrega, logística urbana, last-mile e até transporte individual, cada qual com estruturas de custo e operação distintas.

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Uma proposta mesmo que bem-intencionada, caso não seja estruturada a partir de estudos sobre impacto econômico e social, pode ter efeito contrário. Frequentemente, as consequências não intencionais custam caro para o próprio trabalhador. Oferecer ganhos irreais a trabalhadores, em um primeiro momento, pode parecer muito positiva, mas a situação que ocorre em Seattle mostra que esse tipo de medida afetaria toda cadeia produtiva do delivery.

No Brasil, o trabalho intermediado por é uma realidade consolidada que opera há mais de uma década. Os números demonstram a robustez desse ecossistema: segundo dados do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), entre 2022 e 2024, o número de entregadores ativos cresceu 18% e o de motoristas aumentou impressionantes 35%. Atualmente, cerca de 455 mil brasileiros atuam como entregadores e 1,7 milhão como motoristas em aplicativos, representando uma fonte de renda vital para mais de 2 milhões de famílias. Esses trabalhadores escolheram as plataformas digitais pela flexibilidade e autonomia que essa atividade proporciona.

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O consumidor brasileiro, por sua vez, já incorporou esses serviços ao seu cotidiano de forma natural e voluntária. Segundo pesquisa recente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), 71% dos estabelecimentos no país já trabalham com entregas. Outro levantamento da associação, feito em parceria com o Sebrae, aponta que o delivery está presente no cotidiano de 76% dos consumidores brasileiros. A aceitação massiva das plataformas demonstra que o mercado encontrou um equilíbrio eficiente entre oferta e demanda, preço e qualidade, sem necessidade de intervenção regulatória pesada.

A experiência internacional demonstra que regulamentações excessivas podem destruir modelos de negócio que já proporcionam renda, flexibilidade e satisfação tanto para trabalhadores quanto para consumidores. O desafio não é reinventar o setor, mas encontrar formas de aprimorar a proteção social sem comprometer a dinâmica que tornou essas plataformas uma realidade de sucesso no Brasil

Portanto, é fundamental equilibrar a proteção social dos trabalhadores com a realidade do setor, na busca por um modelo viável e eficaz para o ecossistema dos aplicativos. Os exemplos mundiais apontam que o equilíbrio deve ser o principal componente na discussão dos deputados sobre regulação do trabalho intermediado por aplicativo.

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