O recente ajuste feito pelo Supremo Tribunal Federal na tese do Tema 935 reacende, com intensidade, a atenção das empresas sobre a contribuição assistencial. Não se trata apenas de mais uma decisão envolvendo o custeio sindical.
O que o STF fez, sobretudo a partir do voto do ministro Gilmar Mendes, foi reposicionar os limites dessa cobrança dentro de um modelo que, embora reconheça a legitimidade do fortalecimento das entidades representativas, impõe exigências severas à forma como esses descontos podem chegar ao contracheque do trabalhador.
As implicações, ainda que não explicitadas de modo direto pelo tribunal, recaem inteiramente sobre o empregador, que permanece responsável pela operacionalização do desconto e pela preservação da integridade da autonomia individual do empregado.
É importante lembrar que a discussão sobre a contribuição assistencial, longe de ser nova, sempre esteve envolta em idas e vindas jurisprudenciais que produziram insegurança tanto para os sindicatos quanto para as empresas. Desde 2017, ano em que o próprio STF reafirmava a inconstitucionalidade da cobrança a não filiados, instalou-se uma expectativa legítima — e alimentada pelo próprio tribunal — de que tal desconto não poderia ser exigido daqueles que não integravam o sindicato da categoria.
O cenário mudou em 2023, quando, diante de um ambiente sindical fragilizado pela perda contínua de fontes de custeio, o Supremo revisitou a matéria e admitiu a cobrança assistencial de todos os trabalhadores, desde que assegurado o direito de oposição. Ainda assim, não havia clareza suficiente sobre como esse direito deveria ser exercido, tampouco sobre os limites da cobrança.
Pois bem. O julgamento dos embargos conduzido em novembro, com redação ajustada por Gilmar Mendes, devolve a essa equação um elemento que jamais poderia ter sido relativizado: a autonomia individual. O ministro, ao analisar o tema, foi categórico ao afirmar que a cobrança não pode, em nenhuma hipótese, retroagir ao período em que o STF considerava inconstitucional exigir contribuição assistencial de não filiados.
Trata-se, nas palavras do próprio relator, de resguardar a confiança legítima dos trabalhadores — mas, por consequência, proteger também as empresas de cobranças retroativas que seriam absolutamente incompatíveis com a segurança jurídica que o ordenamento busca preservar.
A decisão avança, entretanto, para um ponto ainda mais sensível sob a ótica empresarial: o direito de oposição. Em seu voto, Gilmar Mendes revisita episódios amplamente noticiados de práticas sindicais que, ao dificultarem a manifestação de discordância — seja por prazos irrisórios, exigência de entrega presencial da oposição, ou sistemas eletrônicos que misteriosamente falham no momento do envio — acabam esvaziando o exercício da liberdade individual.
E aqui está a linha de tensão que importa diretamente ao empresariado: ainda que tais condutas sejam praticadas pelo sindicato, serão as empresas, ao procederem os descontos, que enfrentarão a judicialização decorrente de um processo de oposição viciado.
Não por outro motivo, o relator faz questão de enfatizar que o direito de oposição deve ser substancial, e não meramente formal. Isso significa que, na prática, não basta que a convenção coletiva preveja a possibilidade de oposição; é necessário que essa possibilidade seja real, acessível, compreensível e exercível em condições adequadas.
Caso contrário, aquilo que deveria ser uma manifestação livre transforma-se em uma obrigação automática — cenário que o STF busca, justamente, evitar.
A empresa, nesse contexto, precisa estar atenta ao ambiente que circunda a negociação coletiva e aos procedimentos que o sindicato adota para viabilizar a oposição. Ainda que o tribunal não imponha formalmente um ônus ao empregador, a experiência revela que a responsabilidade final recai invariavelmente sobre quem efetua o desconto em folha.
Outro ponto que merece especial reflexão é a exigência de razoabilidade do valor da contribuição assistencial. O STF deixa claro que a fixação do montante não pode ser desvinculada da realidade econômica da categoria, nem servir como mecanismo de compensação generalizada por anos de esvaziamento financeiro das entidades sindicais. Para as empresas, esse aspecto tem dupla relevância: se por um lado não lhes cabe arbitrar o valor, por outro é sobre elas que incidirá a contestação caso o desconto venha a ser percebido como abusivo ou injustificado. O empregador, portanto, ainda que não tenha protagonismo na discussão do valor, é chamado a exercer prudência na sua implementação.
É preciso, também, registrar a divergência qualificada apresentada pelo Ministro André Mendonça, que, embora acompanhe o relator, sustenta que o respeito à autonomia individual somente se realiza com autorização prévia, expressa e individual. Ainda que essa tese não tenha prevalecido, ela aponta para um grau de proteção ainda mais rigoroso e evidencia que o debate está longe de se encerrar. As empresas, cientes dessa tensão interpretativa, devem se preparar para um cenário em que a exigência de clareza e transparência será cada vez maior.
Neste caminhar, o que se pode afirmar sem hesitação é que o ajuste promovido pelo STF não inaugura uma nova era de permissividade sindical, tampouco devolve às convenções coletivas o poder irrestrito que possuíram no passado. Ao contrário: a Corte admite a legitimidade da contribuição assistencial, mas a condiciona a salvaguardas indispensáveis, cuja observância passa pelo crivo da empresa. É o empregador — e não o sindicato — quem lida com o contracheque, com o sistema de folha, com a contestação administrativa e, sobretudo, com a judicialização.
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É evidente, portanto, que as empresas precisarão reorganizar seus fluxos internos e aprimorar sua governança sobre os temas que orbitam a negociação coletiva. Não se trata de adotar um manual de procedimentos ou criar estruturas excessivamente formais, mas de reconhecer que a responsabilidade pela implementação correta da contribuição assistencial, agora revestida de novos limites, exige atenção redobrada. Se o cenário sindical vive um movimento de fortalecimento, o ambiente empresarial precisa, em contrapartida, se preparar para um ciclo de maior rigor jurídico.
Ao final, o que permanece é a constatação de que a decisão do STF, embora traga maior clareza, também impõe novos deveres ao empresariado. A contribuição assistencial volta ao jogo, mas sob condições que valorizam a liberdade individual e responsabilizam a empresa por sua execução. O desafio, portanto, não está apenas em compreender o novo modelo, mas em implementá-lo com segurança, coerência e respeito às diretrizes fixadas pela corte.