Devedor Contumaz: consenso regulatório que blinda a conformidade fiscal

A busca do Governo Federal pela ampliação da base de arrecadação encontra uma das soluções mais maduras e consensuais no Congresso: a aprovação do Projeto de Lei Complementar (PLP) 125/2022. O texto conhecido como o PL do Devedor Contumaz vai além de querer recuperar dívidas. O principal objetivo é estabelecer um marco regulatório de conformidade fiscal que protege o bom contribuinte e isola o agente que utiliza a sonegação reiterada e intencional como modelo de negócio.

Para o ambiente jurídico e regulatório, a aprovação imediata do PLP 125/2022 é crucial. O projeto, que já passou pelo Senado por unanimidade (71 a 0) e aguarda votação na Câmara dos Deputados em caráter de urgência, tem a chancela técnica de órgãos de controle e o apoio maciço do setor produtivo, incluindo grandes frentes parlamentares e associações como o Movimento Brasil Competitivo (MBC), Frente do Comércio e Serviços (FCS) e a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). Essa convergência de interesses demonstra que o projeto transcende a pauta setorial para se tornar uma política de Estado no combate à economia subterrânea.

No setor de combustíveis, onde o Instituto Combustível Legal (ICL) atua, a urgência é ainda maior. O devedor contumaz tem sido o principal vetor da lavagem de dinheiro, permitindo que o crime organizado invada o mercado formal para financiar suas atividades.

A dívida acumulada por esse grupo restrito de devedores contumazes no setor atinge a impressionante marca de R$ 174,1 bilhões (União e estados), já levando em conta os critérios adotados pelo PLP 125/2022. Esse valor astronômico é a prova da rentabilidade dessa prática ilegal, que sufoca empresas idôneas e gera um lucro criminoso de R$ 62 bilhões anuais para as organizações criminosas, superando em quatro vezes a receita do tráfico de cocaína, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Sonegação bilionária e a infiltração criminosa

A urgência da matéria foi escancarada pela Operação Poço de Lobato, deflagrada pelo Ministério de Público de São Paulo (MP-SP), Receita Federal, Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e órgãos estaduais pertencentes ao Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos no Estado de São Paulo (Cira/SP). A ação mirou um único grupo empresarial do setor de combustíveis, identificado como o maior devedor contumaz do país, com débitos superiores a R$ 26 bilhões. 

As investigações revelaram o uso de uma complexa rede de offshores, holdings e fundos de investimento que movimentou mais de R$ 70 bilhões em um ano, com o objetivo de blindar patrimônio e ocultar a fraude fiscal – em uma clara demonstração de que a sonegação estruturada exige instrumentos legais à altura do nível de sofisticação dos criminosos. O bloqueio de mais de R$ 10,2 bilhões em bens, obtido por medidas cautelares cíveis, reforça a necessidade de um marco legal permanente como o PLP 125/2022 para prevenir, e não apenas remediar, este tipo de ataque à ordem econômica e jurídica nacional.

Aprovar o PLP 125/2022 significa:

  Segurança jurídica: cria critérios objetivos e transparentes, separando o empresário em dificuldade do criminoso fiscal, e estabelece um Código de Defesa para o Bom Contribuinte, promovendo maior previsibilidade regulatória.
  Melhora o ambiente de negócios: neutraliza o dumping fiscal, garantindo a isonomia competitiva e impedindo que empresas que cumprem a lei sejam forçadas a fechar.
  Aumento de arrecadação: embora a recuperação imediata seja complexa, o projeto impede a criação de novos débitos e projeta um ganho fiscal de longo prazo, vital para o equilíbrio das contas públicas.

Para proteger a integridade do mercado formal, o Legislativo também precisa dar atenção ao PL 5807/2025. Este projeto atua como um vetor complementar ao PLP 125/2022 ao atacar pontos críticos que minam a transparência e a segurança, facilitando a ação dos mesmos agentes criminosos das seguintes maneiras:

Metanol – a falta de controle e fiscalização eficaz sobre o metanol, um insumo altamente tóxico e perigoso, cria um ambiente propício para a adulteração em larga escala e acidentes graves. Os riscos de morte por exposição atingem tanto o segmento de combustíveis como o de bebidas. O aprimoramento do controle, rastreamento e armazenamento deste produto são fundamentais para proteger a saúde pública e a segurança do consumidor.

Bomba Branca/Bomba Pirata: o projeto avança no enfrentamento de casos em que o posto oferece em uma bomba específica um produto sem procedência ou de procedência duvidosa, sem relação direta com a marca que ostenta. Ao fazer isso, ludibria o consumidor que escolheu o estabelecimento pela marca de sua fachada – uma afronta direta ao Código de Defesa do Consumidor (CDC). Este mecanismo é um canal primário de fraudes, sonegação e, principalmente, de comercialização de produtos de qualidade e segurança duvidosas para o consumidor final, burlando a rastreabilidade e expondo o cidadão a riscos desnecessários.

Por fim, para desmotivar outros tipos de ilicitudes no setor, faz-se necessário aprovar a PL 1.482/2019, que altera o Código Penal (art. 155) para tipificar o furto, roubo e receptação de combustíveis e derivados, incluindo petróleo, gás natural, álcool etílico hidratado carburante e biocombustíveis, em qualquer fase da cadeia produtiva, transporte ou armazenamento.

Benefícios da aprovação:

Proteção de vidas e do meio ambiente
Tipificação clara e abrangente, cobrindo todos os modais e etapas da cadeia;
Endurecimento de penas, incluindo receptação qualificada e presumida;
Possibilidade de redução de perdas econômicas e de custos ao consumidor final;
Fortalecimento da segurança jurídica e proteção da ordem econômica.
Desestímulo ao crime organizado, garantindo concorrência leal no setor.
Reforço da segurança no transporte e armazenamento de combustíveis.

O Congresso tem em mãos três propostas que, em conjunto, desmantelam as rotas financeiras (PLP 125/2022) e operacionais (PL 5807/2025 e PL 1482/2019) do crime organizado.

A celeridade na aprovação é, neste momento, um imperativo de responsabilidade fiscal, econômica e social. A inércia legislativa, no caso do Devedor Contumaz, não é neutralidade: ela equivale a manter um subsídio à ilegalidade.

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