Programa de Concessões de Mato Grosso busca contratos ainda mais inteligentes

A modelagem de concessões rodoviárias no Brasil vem dando sinais de superação do dogma da completude. A crença de que um projeto perfeito seria capaz de prever, com precisão, o fluxo de caixa e as obras necessárias para os trinta anos seguintes, já não se sustenta. Hoje, os contratos estão mais flexíveis e caminhando para uma melhor adaptabilidade, resultando em mais eficiência

Mato Grosso, ao estruturar a Fase 2 do seu Programa de Concessões de Rodovias (2023-2026), que abrange 11 novos lotes e mais de 2.000 km, pretende propor um novo desafio à lógica tradicional: é possível desenhar um contrato que nasça “enxuto”, focado na manutenção adequada da rodovia, mas que possua o DNA para evoluir organicamente até se tornar uma concessão plena (“full”), sem a necessidade de aditivos traumáticos?

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A resposta passa por superar a dicotomia entre a rigidez do contrato de obra pública e a complexidade da concessão tradicional, importando lógicas regulatórias de outros setores, como o aeroportuário.

A necessidade de um contrato adaptável não é um capricho teórico, mas uma imposição da geografia econômica de Mato Grosso. A região passa por uma transição acelerada da pecuária extensiva para a agricultura de alta tecnologia e a pecuária semi-extensiva. Onde hoje existe pasto e tráfego leve, em três anos pode haver soja, milho, algodão, etanol ou vários outros produtos, e, como resultado, filas de bitrens.

Nesse cenário, tentar projetar a demanda de 2035 com os dados de 2025 é um exercício complexo. Se o contrato for rígido demais, ele poderá asfixiar o crescimento, gerando gargalos logísticos. Se for maleável demais, gerará ineficiência e sobrepreço tarifário. A solução parece estar na adaptabilidade contratual por meio do que chamamos de gatilhos otimizados de investimento.

Os contratos rodoviários brasileiros já utilizam gatilhos de investimento (triggers). No entanto, eles são predominantemente quantitativos. A lógica é binária: se o Volume Diário Médio (VDM) atingir “X”, a concessionária deve construir a terceira faixa ou algum dispositivo específico.

Embora útil, essa métrica não leva em consideração aspectos voltados à qualidade. O volume de tráfego, isoladamente, não conta toda a história. Uma rodovia pode ter volume abaixo do gatilho, mas apresentar alto índice de acidentes em curvas específicas ou gargalos sazonais críticos durante a safra que paralisam o escoamento. O gatilho quantitativo é reativo e, muitas vezes, tardio.

A tese que pretendemos testar na Fase 2 do programa estadual é a inserção de análises qualitativas na matriz de gatilhos, em um modelo que reduza a assimetria informacional entre o regulador e o regulado.

A inovação proposta busca inspiração na regulação do setor aeroportuário, no qual os contratos mais modernos trazem a figura dos Planos de Gestão ou Planos de Investimentos Quinquenais, onde a concessionária — que está na ponta da operação e conhece a dor do usuário — propõe os investimentos necessários para manter o nível de serviço exigido.

A ideia para as rodovias de Mato Grosso é criar um sistema híbrido:

Gatilhos de Piso: Investimentos obrigatórios baseados em parâmetros objetivos tradicionais (manutenção, sinalização, segurança viária), garantindo o padrão mínimo; e
Gatilhos Otimizados: A cada ciclo de revisão (ex: a cada 4 anos), a concessionária deve apresentar um Plano de Melhorias, fundamentado não apenas em contagem de veículos, mas em dados qualitativos de operação, sinistralidade e fluidez.

Neste modelo, inverte-se a lógica do comando-e-controle. Em vez do Estado dizer “faça a obra X no ano Y”, o Estado define a meta de desempenho (ex: tempo de viagem, índice de segurança) e a concessionária propõe a solução de engenharia mais eficiente para atingi-la. Caberá à Agência Reguladora (AGER) e ao Poder Concedente analisar e aprovar esse plano, transformando-o em obrigação contratual para o ciclo seguinte.

Sob a ótica da Teoria dos Contratos Incompletos, essa abordagem reconhece a impossibilidade de prever todas as contingências futuras e busca alocar de forma mais eficiente os riscos contratuais. Ao permitir que a concessionária proponha os gatilhos da próxima fase, utilizamos a informação privilegiada do agente privado a favor do interesse público.

Esses gatilhos poderão incluir não apenas obras, mas também outros serviços que possam ser incorporados na concessão, até que ela se torne uma concessão completa.

O desafio da estruturação jurídica será blindar esse processo contra a discricionariedade excessiva. As regras de aprovação dos novos investimentos devem ser claras, com matrizes de risco e metodologias de reequilíbrio pré-definidas, para evitar que a flexibilidade se torne porta aberta para oportunismo.

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A Fase 2 do Programa de Concessões de Mato Grosso não busca apenas atrair investimentos, mas inaugurar uma nova geração de contratos ainda mais inteligentes. Em uma fronteira agrícola onde a paisagem muda a cada safra, a infraestrutura não pode ser uma âncora estática.

Ao mesclar a segurança dos gatilhos quantitativos com a inteligência dos planos qualitativos inspirados no setor aeroportuário, caminhamos para viabilizar a “concessão evolutiva”: um contrato que cresce junto com o Estado, garantindo que a rodovia seja sempre um vetor de desenvolvimento, e nunca um gargalo.

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