A figura do Verificador Independente no setor de saneamento básico

Ao apoiar e contribuir para a adequada prestação dos serviços públicos no âmbito de concessões e de parcerias público-privadas (PPPs), a figura do Verificador Independente (VI) surge como inovação institucional de extrema importância.

Isso porque tais contratos são marcados por serviços de alta complexidade, vultosos investimentos iniciais e elevados riscos, o que implica a necessidade de monitoramento permanente da execução das tarefas contratuais e da infraestrutura dele originada. Nesse cenário, o VI confere transparência, imparcialidade técnica e confiabilidade no contexto dinâmico dessa execução contratual.

Conheça o JOTA PRO Poder, plataforma de monitoramento que oferece transparência e previsibilidade para empresas

A função primordial do VI é atestar, de forma objetiva, o cumprimento de metas, indicadores de desempenho e obrigações contratuais, a fim de reduzir a assimetria de informação entre o poder concedente e o concessionário. Embora seja uma figura externa à Administração e à concessionária, o Verificador Independente exerce função essencial de controle técnico e de validação de resultados, com reflexos diretos na remuneração do parceiro privado, na aplicação de sanções e, em determinadas hipóteses, na aferição de elementos probatórios para o reequilíbrio econômico-financeiro e eventual extensão contratual.

No âmbito das PPPs, a Lei 11.079/2004 determina que os contratos devem conter critérios objetivos de avaliação de desempenho, tendo admitido que parte da remuneração seja vinculada ao cumprimento de metas de qualidade. Nesse cenário, a fim de conceder efetividade a tais previsões, os contratos passaram a prever a atuação do VI como agente técnico e imparcial, para instruir as decisões administrativas.

Enquanto isso, no setor de saneamento básico, a Lei Federal 11.445/2007 estipulou a regulação independente dos serviços públicos, de modo que a regulação do setor deve ser exercida por entidades dotadas de independência decisória e autonomia administrativa e financeira.

As eventuais atividades típicas da figura do Verificador Independente, como o acompanhamento de indicadores, a avaliação de desempenho e a verificação do cumprimento de metas, são, a princípio, estabelecidas por lei como sendo de competência das agências reguladoras infranacionais.

Desse modo, ante a aparente incompatibilidade na utilização da figura do Verificador Independente no setor de saneamento básico, é necessário compreender os respaldos jurídicos e institucionais capazes de legitimar sua atuação, pois a análise dessa interação permite avaliar em que medida a atuação do VI pode configurar-se como instrumento de apoio à regulação, sem comprometer a independência decisória das entidades reguladoras nem a coerência normativa do setor.

Nessa linha, posicionamentos contrários à utilização do Verificador Independente argumentam que a atividade exercida pelo verificador seria típica da função que compete à própria agência reguladora, isto é, a de fiscalizar a qualidade dos serviços, seja por meio de fiscalização direta, realizada em campo, seja de forma indireta, mediante indicadores.

Assim, os contratos que previssem a atuação do Verificador Independente poderiam gerar potencial sobreposição de competências, colocando em risco a delimitação das atribuições entre o ente regulador e o verificador, uma vez que ambos atuam sob o mesmo escopo de atividade-fim.

Por outro lado, há quem defenda a utilização do Verificador Independente no setor de saneamento básico, destacando a importância de compreender a especificidade de suas funções. Nessa perspectiva, a Verificação Independente não substitui as atribuições do regulador na imposição de multas, penalidades e exercício de poder de polícia, mas atua como mecanismo de apoio técnico, fornecendo elementos que sustentam a atuação do ente regulador, o qual mantém a posição decisória e o papel fiscalizatório dos contratos.

Ademais, o VI pode e deve atuar em casos em que a Administração Pública não dispõe de corpo técnico suficientemente capacitado para auditoria e certificação de investimentos, o que a impede de realizar o devido monitoramento da gestão contratual, de modo a subsidiar prova técnica qualificada, mas sem afastar a competência das agências reguladoras.

Ainda que não haja, em grande escala, a utilização do VI no saneamento básico, em outros setores, como os de energia elétrica e de transporte terrestres, a figura do Verificador Independente surge como um agente facilitador entre as partes envolvidas, ao promover maior integração e alinhamento estratégico. Exemplo é a Resolução 6.000/22 da ANTT, a qual abrange um maior número de competências para a Verificação Independente, incluindo a aferição do cumprimento de obrigações contratuais, a avaliação da consistência de informações contábeis, o cálculo de indenizações e o emprego de outros mecanismos da regulação e do contrato de concessão.

Já a Aneel dispõe que a aferição dos indicadores de desempenho poderá ser realizada por um verificador independente, contratado pelas concessionárias de distribuição, respeitada a competência fiscalizatória da agência, de forma a garantir uma atuação neutra, imparcial e com independência técnica. A experiência positiva dessas outras esferas regulatórias pode servir de referência para futuras adaptações no saneamento básico, sobretudo quando se busca equilibrar a autonomia regulatória com a necessidade de suporte técnico especializado, garantindo eficiência e transparência na execução contratual.

O Verificador Independente possui relevância que vai além da simples mensuração técnica, atuando estrategicamente na redução de riscos contratuais e no fortalecimento da confiança entre agentes públicos e privados. Sua participação se mostra particularmente significativa em projetos de grande impacto social e econômico, como concessões rodoviárias, saneamento e iluminação pública, além de contribuir para o aprimoramento da governança institucional, especialmente em situações nas quais a capacidade técnica dos gestores é limitada.

Assine gratuitamente a newsletter Últimas Notícias do JOTA e receba as principais notícias jurídicas e políticas do dia no seu email

Logo, o Verificador Independente tem potencial para desempenhar papel estratégico na execução dos contratos públicos, de modo a oferecer acompanhamento técnico que contribui para a redução de riscos, a previsibilidade contratual e o fortalecimento da confiança entre os agentes públicos e privados. Assim, sua atuação apoia a governança institucional, promovendo transparência e integridade na execução de projetos em diferentes setores, sem necessariamente interferir ou afrontar a competência decisória das agências reguladoras.

No setor de saneamento, apesar da existência de regulação própria, o VI atua como instrumento de apoio técnico às agências infranacionais, reforçando a deferência regulatória e garantindo maior segurança na execução dos contratos, especialmente em um setor de elevado impacto social e econômico. Portanto, a adoção do VI neste contexto se mostra modelo operacionalmente adequado, capaz de contribuir positivamente para o fortalecimento da eficiência do setor, sem substituir as atribuições formais típicas das agências reguladoras infranacionais.

Generated by Feedzy