Mendonça cassa multa milionária de empresas envolvidas em acidente de trabalho

O ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu, em reclamação constitucional, cassar decisão da Justiça do Trabalho que havia imposto uma multa de R$ 1,7 milhão a empresas condenadas por um acidente de trabalho ocorrido em 2002. A penalidade foi aplicada porque as companhias não forneceram ao trabalhador acidentado uma prótese específica indicada em juízo.

Para o ministro, o valor estipulado ultrapassa os limites da razoabilidade e proporcionalidade. Assim determinou que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) profira uma nova decisão, com base nesses princípios. Ainda cabe recurso.

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O caso

Em 2009, as empresas Cindumel Companhia de Metais e Laminados e Engefaz Engenharia foram condenadas, em primeira instância, ao pagamento de indenização de R$ 75 mil por danos morais e R$ 75 mil por danos estéticos, além de indenização por danos materiais, na forma de pensão mensal vitalícia, bem como a obrigação de fornecer prótese funcional ao empregado, que teve amputação parcial de sua mão em consequência do acidente. A prótese, segundo a decisão, deveria ser adquirida na Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), sob pena de multa cominatória diária de R$ 500.

As empresas então recorreram ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT2), em São Paulo, com a alegação de que não estava disponível na AACD o modelo específico de prótese e que, por isso, não poderiam sofrer penalidade. O TRT então reconheceu a possibilidade de que o cumprimento da obrigação do fornecimento da prótese poderia ser dado por outras empresas e/ou outras entidades distintas da AACD. Apesar disso, manteve a incidência da multa diária, por cerca de 9 anos, o que resultou no montante de R$ 1,7 milhões. A decisão foi posteriormente mantida pelo TST.

Diante disso, as empresas decidiram entrar com reclamação constitucional no Supremo com a alegação de que o TST não teria analisado a razoabilidade e a proporcionalidade da multa imposta. De acordo com a defesa das empresas, a decisão do TST teria violado o precedente vinculante julgado na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.941, que tratou de medidas coercitivas para assegurar o cumprimento de ordens judiciais, como a apreensão de CNH ou passaporte. Na decisão, o entendimento que prevaleceu é de que o Judiciário deve observar os princípios da proporcionalidade e razoabilidade ao aplicar punições.

Ao analisar o caso, o ministro André Mendonça entendeu que o TST “não se atentou às balizas estabelecidas pelos princípios da razoabilidade/proporcionalidade ao manter a aplicação da multa em comento.” Neste mesmo sentido citou precedente semelhante da 2ª Turma do STF, em caso relatado pelo ministro Gilmar Mendes, em março, que anulou multa de R$18 milhões e a limitou a R$ 1,7 milhão. (Rcl 71.616)

Assim, Mendonça decidiu cassar a decisão do TST (Processo nº 0190400-22.2006.5.02.0311), e determinar que outra seja proferida em observância ao que decidido na ADI nº 5.941/DF, com base nos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. ( Rcl 86.309)

Multa desproporcional

De acordo com a advogada Larissa Alfaya, do Amaro Alfaya Advogados, a decisão reafirma um ponto essencial para a segurança jurídica na execução trabalhista: a imposição de astreintes (multa diária para cumprimento de ordem judicial) deve observar o princípio da proporcionalidade. “No caso concreto, a empresa foi compelida a pagar multa por uma obrigação de fazer que, mais tarde, a própria Justiça do Trabalho reconheceu como inexequível. A manutenção da penalidade, especialmente nos valores fixados, expôs um uso distorcido do poder punitivo estatal, completamente desvinculado da função coercitiva que justifica a multa”, afirma.

De acordo com Alfaya, o STF corrigiu essa distorção, aplicando com precisão o fundamento jurídico essencial estabelecido no julgamento da ADI 5.941, trazendo um precedente importante, que reforça o caráter instrumental das astreintes e impõe limites concretos à sua aplicação abusiva na execução trabalhista”.

A imposição dessas multas, segundo a advogada, “exigem, por exemplo, resistência concreta ao cumprimento da ordem, culpa do devedor e razoabilidade do valor fixado, parâmetros que não foram observados pela Justiça do Trabalho nesse caso e acabou por ensejar o necessário ajuizamento da reclamação constitucional.”

Para a advogada Mayra Palópoli, do Palópoli & Albrecht Advogados, a decisão sob análise é relevante pois o ministro André Mendonça classifica as multas desproporcionais dentre as medidas atípicas e reforça a aplicabilidade da reclamação constitucional para garantir a autoridade das decisões da suprema Corte. “Quando a multa aplicada não for proporcional ou razoável, ou ainda de ultrapassar o valor da obrigação principal, deve ser calibrado o seu valor, sob pena de violação ao entendimento sedimentado pelo STF”, afirma.

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