Adepol aciona STF contra uso de delegacias como presídios no Amazonas

A Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol) protocolou, na última segunda-feira (24/11), a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1291 no Supremo Tribunal Federal para contestar o uso prolongado como estruturas prisionais das Delegacias Interativas de Polícia (DIPs) — unidades voltadas ao atendimento e investigação no interior do Amazonas.

Na ação, distribuída ao ministro André Mendonça, a Adepol afirma que o estado mantém pessoas presas por longos períodos em celas improvisadas nessas delegacias, em violação à Constituição, à Lei de Execução Penal e ao art. 40 da Lei Orgânica das Polícias Civis, que proíbe esse tipo de custódia “ainda que em caráter provisório”.

A Adepol sustenta que o quadro não é pontual, mas estrutural, e apresenta dados recentes para demonstrar a continuidade da prática. De acordo com levantamento oficial citado na ação, 1.209 pessoas estavam custodiadas em delegacias do interior em 23/10/2025, distribuídas em municípios como Benjamin Constant, Manicoré, Fonte Boa, Eirunepé, Barcelos e Canutama.

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A petição descreve delegacias projetadas para fluxo diário de ocorrências, mas que, na prática, operam como presídios de fato — muitas vezes com capacidade para oito pessoas, os locais abrigam dezenas de presos. Relatórios do CNJ e inspeções anteriores registraram ausência de ventilação adequada, falta de banho de sol, inexistência de assistência material e de saúde prevista na LEP, celas improvisadas e mistura de perfis, incluindo mulheres e adolescentes.

A ação também recupera episódios recentes de violência e risco extremo: fugas, mortes durante rebeliões, incêndios provocados pela população e tentativas de resgate por facções.

Em Envira, por exemplo, a inspeção encontrou 22 presos em condições insalubres; em Uarini, 46 detentos dividiam uma estrutura de capacidade para oito, incluindo uma mulher mantida em área improvisada da cozinha; em Nova Olinda do Norte, duas mortes ocorreram após tumulto.

Para a entidade, esses casos demonstram que o problema “não é episódico, mas um modelo que se normalizou no interior do estado”.

Desvio de função e risco institucional

Além das condições dos presos, a Adepol enfatiza o impacto sobre a própria Polícia Civil. Segundo a ação, delegados e equipes vêm sendo deslocados de suas funções de polícia judiciária para atividades típicas de administração penitenciária, como controle de rotina de presos, escoltas e acompanhamento hospitalar.

Com efetivos mínimos — muitas vezes três policiais para atender cidades inteiras — a presença de dezenas de custodiados “imobiliza a delegacia”, segundo a petição, e paralisa o atendimento à população. A entidade destaca decisão recente em que uma delegacia com efetivo reduzido foi obrigada a destinar dois agentes para acompanhar preso ao hospital, sob pena de responsabilização por desobediência.

“Delegados e equipes de polícia judiciária vêm sendo compelidos a exercer tarefas típicas de administração prisional, com prejuízo à investigação e risco à integridade física e psíquica dos servidores.”, escrevem os advogados Marcos Danrley da Silva Lima, Geovani Silva da Cruz e Gilmar Monteiro Garcia Junior, que representam a Adepol.

A Adepol argumenta que a Constituição (art. 144) diferencia polícia judiciária e administração prisional e que o uso das delegacias como presídios “deforma a finalidade institucional da Polícia Civil”.

A entidade pede que o STF reconheça omissão inconstitucional do Estado do Amazonas e imponha medidas de caráter estrutural. Entre os pedidos:

proibir custódia superior a 24 horas nas delegacias após flagrante ou comunicação ao Judiciário;
determinar a remoção imediata dos presos que hoje estão nas DIPs, com início em 72 horas e conclusão em prazo certo;
elaborar um Plano Estadual de Estruturação do fluxo prisional, com metas, prazos, indicadores e fontes de custeio;
criar um Comitê Técnico Interinstitucional, com TJ-AM, MP-AM, DPE-AM, OAB-AM, SEAP e SSP, para organizar o fluxo e monitorar o cumprimento;
instituir um protocolo único de remoção, com definição de rotas fluviais, terrestres e aéreas e cadeia de responsabilidades;
vedar o desvio de função dos delegados e obrigar a designação formal de diretores de unidades prisionais nos municípios;
aplicar astreintes sugeridas em R$ 10 mil por preso/dia, limitadas a R$ 1 milhão por evento.

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Segundo a Adepol, as medidas são necessárias porque “as vias ordinárias se mostraram insuficientes”, mesmo após interdições, ACPs e recomendações administrativas.

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